Governo anuncia queda no desmatamento
da Amazônia antes de fechar análise
anual. Ainda que o corte raso diminua, extração
de madeira se mantém.
No fim da última semana,
a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira,
chamou a imprensa para divulgar "dados parciais"
da taxa de desmatamento na Amazônia. Com números
do sistema Deter (Detecção de Desmatamento
em Tempo Real), ela afirmou que, entre agosto de
2009 e maio de 2010, o desmatamento na região
caiu 47% em relação ao mesmo período
do ano anterior.
Na festa propagada pelo governo,
no entanto, pouca voz foi dada a quem entende de
monitoramento. Dalton Valeriano, chefe da Divisão
de Sensoriamento Remoto do Inpe, foi categórico
no jornal "Folha de S.Paulo": "Afirmar
que o país está desmatando menos ainda
é mera especulação".
Valeriano se refere à imprecisão
do Deter em medir o tamanho das áreas devastadas.
Criado em 2004 pelo Inpe, o sistema veio com o objetivo
de, mensalmente, alertar os órgãos
de fiscalização quando algo estivesse
errado pela floresta. Usando imagens de satélite,
o sensor Modis é capaz de "enxergar"
cortes rasos e processos de degradação
por extração de madeira, mas somente
em áreas maiores que 25 hectares. As derrubadas
menores que isso ficam de fora. O que não
é pouca coisa. De acordo com o próprio
pesquisador, hoje os desmatamentos menores representam
60% de toda a devastação.
"Quando o governo começou
a usar o Deter e a mandar equipes de fiscalização
para os locais que estavam sendo desmatados, os
grandes desmatadores entenderam a lógica.
Agora, em vez de desmatar uma extensão enorme,
eles desmatam várias áreas menores,
para que o Deter não pegue", explica
André Muggiati, da Campanha da Amazônia
do Greenpeace, acrescentando que a imprecisão
também ocorre por conta das nuvens: quando
o céu está coberto – o que não
é incomum na região – nem todas as
áreas são identificadas. "Qualquer
dado que se refira à área desmatada
é equivocado se for gerado por esse sistema.
O Deter não foi feito para medir o tamanho
do desmatamento".
Dados imprecisos
Por se tratarem de números
falhos, o anúncio feito pelo MMA acaba gerando
interpretações equivocadas, de que
as estatísticas indicam que a agricultura
e a pecuária seguem trilhas mais saudáveis,
ao mesmo tempo em que a extração predatória
de madeira mingua. Ledo engano.
Se o agronegócio está,
aos poucos, diminuindo sua pressão sobre
a floresta, não se pode falar o mesmo do
setor madeireiro. Quem o diz é também
o Inpe, com dados do sistema Degrad, criado há
dois anos para medir, aí sim, o tamanho de
áreas em processo de degradação
por extração predatória de
madeira.
O gráfico mostra a diferença
entre os números do Deter e do Prodes. Os
dados de 2010 do Deter ainda não estão
completos, e o Prodes ainda não saiu.
Enquanto o desmatamento demonstra
queda nos últimos anos, o Degrad mostra que
a degradação na floresta seguiu o
caminho inverso. Enquanto, em 2007, quase 16 mil
quilômetros quadrados foram identificados
em estágio de degradação, a
taxa subiu para mais de 27 mil km2 no ano seguinte.
Os números de 2009, que já deveriam
ter ido para a rua, o MMA ainda não soltou.
Para calcular as áreas
degradadas, o Inpe utiliza imagens do satélite
Landsat, muito mais preciso que o usado pelo Deter.
É a partir do que ele aponta que são
geradas as taxas anuais de desmatamento na Amazônia.
A metodologia adotada para se fazer essa análise
ganhou o nome de Prodes (Programa de Cálculo
do Desflorestamento da Amazônia). Muito mais
refinado que o Deter, esse sistema consegue identificar
desmatamentos a partir de 6,25 hectares, deixando
de fora uma fatia muito menor da devastação.
Para exemplificar a diferença
na precisão entre os dois sistemas, não
é preciso ir muito longe. Em 2009, o Deter
apontou cerca de 4 mil quilômetros quadrados
de desmatamento na Amazônia. Pouco tempo depois,
saíram os números do Prodes, que havia
identificado muito mais: quase 7.500 quilômetros
quadrados derrubados. Nesta terça-feira,
a ONG Imazon também soltou seus números
de monitoramento mensal. Contrapondo os dados do
Deter, o instituto afirma que, de agosto de 2009
a junho de 2010 houve, não declínio,
mas um aumento de 8% no desmatamento, em comparação
com o mesmo período do ano anterior.
Portanto, todo cuidado é
pouco na hora de falar de números, ainda
mais se tratando de ano eleitoral. "Uma série
de fatores levou à tendência de redução
do desmatamento nos últimos anos. A moratória
da soja e o compromisso público assumido
pelos grandes frigoríficos de não
comprar mais gado de áreas devastadas influenciaram
bastante, assim como as ações de fiscalização",
diz Marcio Astrini, da Campanha Amazônia do
Greenpeace. "No ano passado, com crise financeira
mundial, o que caiu foi a procura pelas commodities.
Com menor demanda, os setores que produziam pressionando
a floresta diminuíram o ritmo, e isso teve
reflexo na queda do desmate."
Tendências à parte,
a atenção deve ser redobrada. Julho
é quando começa o período de
seca e as motosserras são ligadas a todo
vapor. Quantas árvores vão cair nos
próximos meses, ainda não se sabe.
Mas elas têm de entrar na conta antes que
qualquer anúncio seja feito.
+ Mais
Promessas quebradas
Depois de assumir compromisso
público por uma produção sustentável,
Sinar Mas é pega mais uma vez destruindo
florestas na Indonésia.
Maior fornecedora de óleo
de dendê na Indonésia e gigante na
produção de celulose e papel, a Sinar
Mas continua deixando rastros de destruição
nas florestas do país. Após uma série
de denúncias que o Greenpeace fez nos últimos
meses, o grupo se comprometeu a não botar
mais suas máquinas em matas de alta biodiversidade
e onde vivem espécies em risco de extinção,
como os orangotangos. Mas o Greenpeace foi a campo
e constatou que a promessa ficou no papel.
Reunindo dados de pesquisa, de
campo, monitoramento aéreo e registros fotográficos,
a organização mostrou à imprensa
mundial, nesta quinta-feira, que a Sinar Mas continua
quebrando seus compromissos. E que, apesar de tentar
colar uma imagem sustentável à sua
marca, o grupo tem a intenção de expandir
suas garras ainda mais pelas florestas indonésias.
Em documentos da empresa obtidos pelo Greenpeace,
está a prova de que, além disso, ela
pretende ocupar, pelo menos, mais um milhão
de hectare na região.
“Nós constatamos que, apesar
dos compromissos assumidos pela companhia, a destruição
continua”, diz Bustar Maitar, coordenador da campanha
de Florestas no Sudeste asiático. Por conta
da falta de transparência, o Greenpeace pressiona
para que o grupo divulgue um mapa detalhando todas
as suas operações na Indonésia,
para que se saiba como a empresa está atuando
e para que sejam indicadas as áreas prioritárias
à conservação.
Nos últimos meses, o Greenpeace
divulgou diversas evidências de que a produção
da Sinar Mas tem sido um dos principais vetores
de desmatamento nas florestas tropicais e de turfa
da Indonésia, ricas em carbono e moradia
de espécies que estão à beira
da extinção.
Após a pressão publica,
grandes marcas que comercializavam com a Sinar Mas,
como Nestlé e Unilever, já quebraram
seus contratos com o grupo. A represália,
porém, não parece ter sido suficiente
para que a gigante limpe sua cadeia de produção.
Enquanto ela continuar seguindo esse rumo, o Greenpeace
vai continuar expondo a sujeira. “Se continuar por
esse caminho, outras companhias vão suspender
suas relações comerciais com a Sinar
Mas”, garante Maitar. A escolha é dela.