20/07/2010
- Pesquisadores brasileiros continuam manifestando
preocupação com a proposta de revisão
do Código Florestal brasileiro. O alerta
mais recente está em uma carta assinada por
pesquisadores ligados ao Programa Biota-Fapesp,
divulgada na sexta-feira, 16 de julho, pela revista
Science, publicação da American Association
for the Advancement of Science (AAAS), com estimativa
de leitores em torno de um milhão de pessoas
no mundo.
O documento afirma que, com uma
possível aprovação do relatório
pelo plenário da Câmara dos Deputados,
o Brasil estaria "arriscado a sofrer seu mais
grave retrocesso ambiental em meio século,
com consequências críticas e irreversíveis
que irão além das fronteiras do país".
A comunidade científica,
de acordo com os pesquisadores, foi amplamente ignorada
durante a elaboração do documento
já aprovado pela comissão especial
que estudou o assunto. Ainda não há
data definida para a votação em plenário.
Apesar de a própria comunidade
científica lamentar a ausência de pesquisadores
nas discussões com a comissão especial
do Código Florestal, o relator deputado Aldo
Rebelo (PCdoB-SP) insiste em dizer que eles foram
ouvidos. No mesmo dia da publicação
da carta dos pesquisadores na Science, o deputado
participou do programa “Encontros Estadão
e Cultura”, na TV Estadão, e voltou a insistir:
“Percorremos 18 estados e todos os biomas. Ouvimos
mais de 600 especialistas, gente de organizações
não-governamentais estrangeiras e nacionais,
Ibama, Ministério do Meio Ambiente, órgãos
ambientais municipais, Embrapa, universidades...”
Em entrevista ao site do ISA,
o professor Eleazar Volpato, da Universidade de
Brasília (UNB), discorda do deputado: “Não
ouviram especialistas como quiseram insinuar. Ouviu-se,
na área da pesquisa, a Embrapa, o que já
é uma distorção, já
que a pesquisa florestal dentro da Embrapa está
subordinada a outro ministério, o da Agricultura,
e não o do Meio Ambiente. A Embrapa faz a
política agrícola. Não vê
as florestas em todo o seu contexto.”
Volpato, que dá aulas desde
1977 no curso de engenharia florestal e tem doutorado
na Alemanha lamenta o pouco tempo de debates na
comissão: “O problema é que o assunto
foi tratado com uma rapidez exageradamente grande.
A legislação alemã, embora
estivesse consolidada, estabilizada, apesar de sofrer
uma modificação em 1977 apenas para
consolidar e harmonizar os interesses dos Estados,
levou 16 anos em discussão no âmbito
técnico, até se chegar a um consenso
e ser aprovada no Congresso.”
O professor ainda diz que mesmo
se os técnicos se oferecessem para falar
na comissão, haveria restrições:
“Eles poderiam até se oferecer, mas só
seriam ouvidos os que interessassem. Com certeza,
foram chamadas a dedo as pessoas para legitimar
certas posições.”
A coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Agronomia,
também da UNB, Maria Lucrécia Gerosa
Ramos, lamenta a falta de discussões da comissão
com os estudiosos da universidade. “Que eu saiba
ninguém foi convidado aqui na UNB pela comissão.
E a universidade está a poucos minutos do
Congresso. Estamos no cerrado, uma região
de nascentes de grandes bacias hidrográficas.
A área técnica deveria orientar os
deputados quando discutem assunto técnico”,
disse a professora ao ISA.
Manifestações vão
continuar
A carta divulgada pela Science
é assinada por Jean Paul Metzger, do Instituto
de Biociências da Universidade de São
Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de
Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli,
do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena),
da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento
de Ciências Biológicas da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e
Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da
Unicamp.
“Essas manifestações
da comunidade científica vão continuar,
porque a situação é muito grave.
Se essas mudanças forem aprovadas teremos
um retrocesso de meio século na nossa legislação
ambiental, com consequências profundamente
negativas em diversas dimensões”, disse Joly,
em entrevista publicada pela agência de notícias
da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), na segunda-feira,
19 de julho.
O relatório de Rebelo ainda
recebeu crítica da Academia Brasileira de
Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo
Progresso da Ciência (SBPC). No dia 16 de
junho, as lideranças da Câmara dos
Deputados também já haviam recebido
carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib
Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador
do Instituto de Estudos Avançados (IEA),
também da USP –, que fez duras críticas
ao relatório de reformulação
da legislação.