PT de Dilma
anuncia voto contrário ao relatório
de Aldo; destino das florestas brasileiras está
nas mãos do PSDB de Serra
Depois de um dia de tensos debates
num plenário apinhado de ruralistas e integrantes
de movimentos sociais, a comissão especial
da Câmara dos Deputados que debate mudanças
no Código Florestal transferiu para a terça-feira
a decisão sobre o relatório do deputado
Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Com o PT assumindo finalmente
posição contra o relatório
– que já foi condenado pelo PV e pelo PSOL,
também integrantes da comissão - o
voto decisivo está nas mãos do PSDB.
O partido do ex-governador José
Serra, candidato à Presidência da República,
substituiu nas vésperas da votação
do relatório de Aldo o deputado Roberto Trípoli
(PSDB-SP) - contrário ao texto - pelo deputado
Mendes Thame (PSDB-SP), impossibilitado de participar
por motivo de saúde. Seu lugar foi ocupado
pelo tucano Duarte Nogueira (PSDB-SP), que hoje
defendeu as mudanças de Aldo que destroem
medidas de proteção ambiental constantes
da versão atual do Código Florestal,
legado do governo FHC.
Na sessão de ontem, os
três deputados do PT membros da comissão
foram instruídos pela liderança do
partido a rejeitar o relatório. As legendas
PV e PSOL já têm posição
clara contra a proposta de Aldo e dois deputados
ruralistas, ambos do PMDB, decidiram encaminhar
voto em separado, insatisfeitos com o teor da proposta
do relator.
Amanhã, um dia que promete
ser agitado, a decisão sobre o futuro das
florestas brasileiras parece repousar no que fará
o partido de Serra, candidato que pretende contar
com os votos verdes da candidata Marina Silva em
um eventual segundo turno.
Agricultura familiar condena Aldo
Aldo Rebelo apresentou hoje um documento de 49 páginas
em forma de planilha com mudanças no seu
próprio relatório. As propostas não
conseguiram agradar aos ambientalistas e foram rejeitadas
pelos representantes de dezenas de movimentos sociais,
dentre os quais a Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Federação
dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf),
a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros.
Estas entidades apresentaram manifesto contra o
relatório de Aldo, lido em plenário
pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), e que foi
apoiado por vários intelectuais brasileiros.
Por outro lado, o deputado do
PC do B ouviu as primeiras reclamações
de ruralistas, que até agora eram seus aliados
incondicionais. O nervosismo do relator Aldo era
visível ao longo do dia. Não é
à toa: ao mexer com o destino das florestas,
e se afastar de sua base tradicional de apoio no
setor social, ele colocou seu próprio futuro
político em jogo.
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Ruralistas rifam florestas por
eleição
Protesto do Greenpeace em Brasília
expõe bancada da motosserra, que aprovou
reforma de Código Florestal que anistia crimes
ambientais e aumenta desmatamento.
Ativistas do Greenpeace ligaram
sirenes hoje na Câmara dos Deputados para
alertar os eleitores brasileiros que um grupo de
políticos em fim de mandato quer usar as
eleições como combustível para
acabar com as florestas do país.
O protesto interrompeu a votação
da comissão especial que discute o Código
Florestal, com a mensagem "Não vote
em quem mata florestas". Apesar da natureza
pacífica da ação, três
ativistas foram agredidas física e verbalmente
pela segurança da casa.
Aumento do desmatamento é
o que vai resultar da aprovação, por
uma comissão apinhada de ruralistas em fim
de mandato, da proposta do deputado Aldo Rebelo
(PCdoB-SP). O relatório de Aldo Rebelo perdoa
quem já cometeu crime ambiental e abre possibilidade
de redução dramática da reserva
legal, área dentro de cada propriedade que
deve ser mantida.
"A proposta votada na comissão
especial é o maior retrocesso que nossa lei
de florestas já sofreu. Além de dar
um sinal verde para mais destruição,
com uma anistia ampla a quem desmatou ilegalmente
e cometeu crimes ambientais nas últimas décadas,
a proposta de mudança permite o uso político
do Código Florestal na barganha da campanha
eleitoral", diz Rafael Cruz, coordenador de
campanha do Greenpeace.
Modificações de
última hora apresentadas pelo próprio
deputado – após receber críticas de
organizações do campo, ambientalistas,
parlamentares e partidos que acompanham a matéria,
além de parte do Ministério do Meio
Ambiente – não são suficientes para
impedir o estrago que a proposta pode causar à
biodiversidade brasileira.
Um exemplo claro toca as áreas
de preservação permanente. Antes Aldo
tinha deixado seu desenho nas mãos de governos
estaduais, mais suscetíveis a pressões.
Isso ele mudou, mas na prática a teoria é
outra: agora, quando o órgão estadual
achar que há interesse público ou
impacto ambiental baixo, pode liberar o desmatamento
ali.
O texto agora segue para o plenário
da Câmara, onde valem pressões e negociatas
políticas. Para Cruz, a preservação
das florestas brasileiras, um patrimônio de
todos os brasileiros, poderá ser barganhada
por votos durante a campanha eleitoral. “Isto não
reflete a vontade da sociedade brasileira nem as
necessidades de preservação da biodiversidade
e do clima em todo o mundo”, diz.
O melhor exemplo de que as verdadeiras
intenções dos deputados é usar
o Código Florestal como mera moeda em ano
eleitoral vem do próprio agronegócio.
Na mesma semana que o texto de Aldo Rebelo é
aprovado por políticos ruralistas, as empresas
comercializadoras de soja renovarão o acordo
que fecha as portas do mercado para fazendeiros
que desmataram áreas da Amazônia após
2006. Exemplo similar de responsabilidade corporativa
está sendo adotado por grandes frigoríficos
brasileiros, que também assumiram compromissos
contra o desmatamento.
"Os responsáveis por
duas das principais commodities brasileiras compreendem
que o mercado moderno não quer produtos manchados
pela destruição ambiental. Enquanto
eles investem no Brasil do futuro, os políticos
da motosserra na mão olham apenas para o
passado", diz Paulo Adario, diretor da campanha
da Amazônia do Greenpeace.
+ Mais
Um respiro para as florestas
O Parlamento Europeu aprovou nesta
quarta-feira, por maioria, uma lei que proíbe
a importação de madeira ilegal por
um dos maiores mercados do mundo. A cada ano, a
Europa consome enormes volumes de madeira ilegal,
grande parte vindo de países e regiões
onde a governança ainda é fraca. Na
Amazônia brasileira, a atuação
irregular de madeireiras já provocou muita
devastação e conflitos de terras.
“O Greenpeace vai ficar de olho
para garantir a eficácia da lei e que as
empresas estejam cumprindo suas obrigações”,
diz Sébastien Risso, diretor da campanha
de florestas do Greenpeace da União Europeia.
“Mas a lei sozinha não basta para impedir
o impacto da UE nas matas do mundo. Se não
houver um investimento forte em mecanismos que protejam
as florestas tropicais, em breve elas irão
desaparecer”.
Pioneira no continente, a legislação
começa a valer dentro de dois anos. A nova
regra fecha as portas dos países do bloco
europeu para o comércio de madeira e de produtos
derivados dessa matéria-prima. Agora, quem
importar vai ter que comprovar sua origem legal,
informando aos governos os caminhos do produto até
o fim da linha. Os que insistirem em permanecer
à margem da lei poderão levar multas
proporcionais à devastação
que causaram.
Nos últimos dez anos, o
Greenpeace trabalhou duro para eliminar a extração
ilegal de madeira nas florestas ao redor do mundo.
Em diversas ações, ativistas arriscaram
suas vidas bloqueando portos e navios carregados
de madeira cortada irregularmente, expondo criminosos
e puxando governos a aumentar sua presença
nessas regiões. A aprovação
da lei, portanto, é uma vitória significativa.
“Zona” portuária
Sem respeitar a legislação,
há dez anos a Cargill construía um
terminal de grãos no Porto de Santarém.
Os impactos continuam sem solução.
“A harmonia aqui era bem maior”,
diz Raimundo de Lima Mesquita, lembrando de sua
vida em Santarém, oeste do Pará, dez
anos antes. Presidente do Sindicato de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais do município (STTR),
Peba, como é conhecido, viveu na pele as
mudanças no campo: companheiros de roçado
deixaram suas terras, igarapés secaram e
foram envenenados, a grilagem correu solta e a produção
caiu. “A Cargill chegou de forma desordenada, arbitrária,
como se aqui fosse terra de ninguém”.
A ferida aberta nos arredores
de Santarém com a chegada da Cargill, gigante
do setor agroindustrial, ainda não estancou.
Era ano 2000 quando a multinacional anunciou que
construiria um terminal de grãos no Porto
de Santarém. Num processo atropelado, três
anos depois o terminal estava de pé, cheio
de irregularidades e sem que o Estudo de Impactos
Ambientais (EIA) fosse feito. O documento, que prevê
a viabilidade socioambiental do projeto, é
regra legal básica para que um empreendimento
desse porte saia do papel.
“Esse terminal é um absurdo
jurídico. É a primeira vez no Brasil
que um EIA é produzido depois da obra pronta”,
critica o procurador federal Felício Pontes
Jr., do Ministério Público do Pará.
“Ele não poderia estar operando”. Depois
de um emaranhado de recursos e liminares, em 2007
a Justiça obrigou a Cargill a produzir o
documento. Ele está pronto, e será
discutido em audiência pública no próximo
dia 14, quarta-feira.
Mas segundo uma análise
técnica feita pelo MP em cima do estudo,
o problema está longe de ser resolvido: “O
EIA não aborda as verdadeiras soluções
e, principalmente, não aborda com profundidade
as mitigações que devem diminuir os
impactos locais do projeto”, pontua Felício.
Os impactos, aliás, não são
poucos. Com capacidade para 60 mil toneladas de
grãos, o terminal trouxe para a região
uma verdadeira corrida por território para
o plantio de soja. “Terra virou uma mercadoria caríssima.
Os sojicultores chegavam, ofereciam dinheiro e compravam
nossas terras”, recorda Peba, para completar: “Os
conflitos fundiários vieram junto. Teve grilagem,
intimidações, ameaças de morte,
redução da população
nas comunidades e até a extinção
de algumas delas”.
A percepção de Peba
não está errada. Dados da Secretaria
de Planejamento, Orçamento e Finanças
(Sepof) mostram que, entre 2000 e 2007, enquanto
a população urbana de Santarém
cresceu 30%, a rural caiu em mais de 58%, aumentando
a concentração de terras e inchando
a periferia da cidade.
A produção local
também mudou, com a monocultura varrendo
o município. Arroz, feijão, milho
e outras culturas cultivadas por agricultores familiares
deram lugar à soja. Segundo a Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab), na safra de 1998/1999,
o grão não ocupava mais que 1,6 mil
hectare no estado. Foi o terminal ficar pronto e
a safra 2003/2004 já tomava mais de 35 mil
hectares. “Produzíamos bem. Agora, onde colhíamos
50 sacos de arroz, colhemos oito, cinco. Não
dá para competir com quem trabalha com tecnologia”,
afirma o presidente do STTR.
Vem mais por aí
Com o terminal da Cargill em operação
e a expansão da soja pela região,
o desmatamento subiu junto. As derrubadas só
tiveram freio a partir de 2006, e um dos fatores
que contribuiu para isso foi a Moratória
da Soja. O compromisso foi assumido pela Associação
Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais
(Abiove) e Associação Nacional dos
Exportadores de Cereais (Anec), além de suas
associadas, dentre elas a Cargill. Segundo o acordo,
nenhuma soja plantada em área desmatada depois
dessa data poderia ser comercializada.
Apesar de a devastação
ter diminuído, os impactos a que Peba se
refere continuam sem soluções. E podem
ser até mesmo agravados, caso os erros do
passado se repitam. Enquanto os pequenos agricultores
ainda buscam se recuperar do baque da soja, a Cargill
já anuncia seu plano de expandir o terminal
com outro armazém de 30 mil toneladas de
capacidade. O maior produtor de soja do Brasil,
Eraí Maggi Scheffer, também já
anunciou que em 2011 abre um novo terminal de grãos
no Porto de Santarém, com a promessa de escoar
três milhões de toneladas por ano.
Portanto, a hora é de alerta.
“O terminal da Cargill é um marco da expansão
do agronegócio na Amazônia, e mostra
como a falta de mecanismos de governança
pode ter impactos que, ao contrário dos lucros,
não são absorvidos pelos empreendedores,
mas por toda a sociedade”, diz Raquel Carvalho,
da Campanha da Amazônia do Greenpeace.