28/07/2010
- Entre 70 e 80 líderes indígenas
estarão em Brasília nos dias 2 e 3
de agosto para pedir aos senadores que votem favoráveis
à criação da Secretaria de
Saúde Indígena (Sesai). A secretaria
é uma das seis previstas para o Ministério
da Saúde, segundo o Projeto de Lei de Conversão
(PLV 8/2010) da Medida Provisória (MP 483),
que modifica a estrutura da Presidência da
República. A votação está
prevista para o dia 3. O ISA lançou uma cyberação
em apoio à secretaria. Confira aqui.
Com a nova secretaria, o atendimento
à saúde indígena escapa do
controle da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), alvo de denúncias de corrupção,
desvios de recursos, aparelhamento partidário,
e passa a responder diretamente ao Ministério
da Saúde. Caso o PLV não seja votado,
a MP perde eficácia e a Funasa permanece
com a saúde indígena.
A mobilização das
lideranças indígenas foi confirmada
nesta terça-feira ao site do ISA por Valdenir
Andrade França e Luiz Brazão dos Santos,
ambos da etnia Baré, no Alto Rio Negro, e
Edmilson Canale, dos Terena, no Mato Grosso. Integrantes
do Conselho Nacional de Saúde (CNS), eles
afirmam que em ano eleitoral é preciso definir
quais os políticos comprometidos com a defesa
dos interesses indígenas. “Diante de tantas
mortes de crianças, jovens e adultos nas
aldeias por falta de atendimento, queremos que os
senadores nos ajudem a corrigir o sistema”, diz
Valdenir França, da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab) na Comissão
Intersetorial de Saúde Indígena do
CNS. Veja aqui uma cronologia dos principais fatos
ocorridos entre janeiro de 2009 e julho de 2010
em relação ao atendimento à
saúde indígena pela Funasa.
Índio decide eleição
“Os políticos têm
de saber que em muitas regiões a população
indígena vai definir a eleição
de senadores e deputados. Inclusive no Amazonas,
onde há a maior população indígena
que vota. Estamos correndo atrás de saber
quem tem compromisso com a saúde do índios,
quem são parceiros e quem não são”,
afirma França.
Edmilson Terena, coordenador do
Fórum de Presidentes do Conselho de Saúde
Indígena (Condisi), diz que a mobilização
dos dias 2 e 3 também visa sensibilizar os
senadores para que haja quórum na votação
do PLV. “Se não for votado até dia
4 de agosto, a MP perde eficácia e tudo continuará
como está, o que não é de interesse
nosso.”
Em 7 de julho, a Câmara
dos Deputados aprovou o PLV da MP 483. Agora falta
o voto dos senadores. Segundo Luiz Brazão
dos Santos, um dos diretores da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn), o projeto de lei é
um avanço em relação à
MP – editada em março deste ano – pois, além
de criar as novas secretarias, retira expressamente
da competência da Funasa a atenção
básica à saúde indígena
e transfere do Departamento de Saúde Indígena
para o Ministério da Saúde os cargos
em comissão e funções gratificadas.
Médico sugere mudança
de critérios
O médico sanitarista Douglas
Rodrigues é coordenador do projeto Xingu
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
e responsável pelo atendimento médico
de 2,2 mil índios que vivem nas aldeias do
Médio e Baixo Rio Xingu. Em entrevista ao
ISA, ele revelou um dos motivos pelos quais concorda
que a saúde indígena deva sair do
controle da fundação. “A Funasa continua
trabalhando com os índios como no tempo em
que controlava malária no meio do mato. O
trabalho de saúde indígena é
muito complexo. São 400 mil índios
aldeados no Brasil, e cada grupo de mil é
diferente de outros mil e estes de outros 500 e
por aí vai. Assim, os critérios comuns
de saúde pública, como um médico
para dois mil habitantes – que valem para cidades
como São Paulo –, não servem para
os índios do Xingu, nem para os Yanomami,
onde talvez seja necessário um médico
para 500, 300 habitantes. Os índios são
muito vulneráveis, estão em locais
distantes e de difícil acesso”, diz Rodrigues.
“Em 10 anos de gestão do
sistema de saúde indígena, a Funasa
demonstrou que não conseguiu adquirir competência
técnica e de gestão para fazer com
que os recursos, que não são pequenos
– investe-se hoje per capita no índio duas
a três vezes o que se investe na população
não indígena – tenham bons resultados.
O atendimento fica sempre muito aquém do
esperado.” O médico dá um exemplo:
“Acabei de chegar de uma aldeia onde uma criança
apresenta lesão renal importante, congênita,
e que está num bom momento para tratar, para
fazer cirurgia. Ela vem sendo acompanhada num serviço
de boa qualidade, mas acabou perdendo consulta por
falta de passagem para a viagem. E por não
haver vaga na casa abrigo, sempre lotada. Em todas
as aldeias você verá essa situação.
Pessoas que precisam sair e não conseguem,
pessoas que têm retorno no tratamento e não
conseguem.”
Secretaria permitirá gestão
mais técnica
Para Marcos Wesley, coordenador
adjunto do Programa Rio Negro e área Yanomami,
a aprovação pelos senadores da criação
da secretaria pode permitir uma gestão mais
técnica, mais paritária dos recursos.
"Desde o primeiro mandato do presidente Lula
houve uma politização, uma partidarização
do sistema de saúde indígena, com
a entrega da Saúde ao PMDB. O noticiário
tem dado detalhes chocantes de como degringolou
a situação."
Valdenir França acusa a
Funasa de agir com retaliação. "Quando
foi proposta a criação da secretaria,
a Funasa retirou as ações de saúde
nas áreas. Eles negam, afirmam de pés
juntos que não retiraram. Na região
do Rio Negro, estamos há quase dois anos
sem atendimento. Só tem resgate de doentes
em casos de emergência." E não
é só na área do Rio Negro,
segundo França: "A região Yanomami
está com problemas graves. Em alguns lugares
não há atendimento de saúde
porque os recursos foram desviados. Existe uma briga
da Funasa com a Anac e os aviões não
estão levando socorro às aldeias.
Tivemos em Porto Velho a ação da Polícia
Federal que descobriu desvios de R$ 2,1 milhões.
No Amazonas, no Vale do Javari, há uns quatro
anos, foram comprados barcos e motores para aquela
região e até hoje não há
esses equipamentos lá."
Marcos Wesley acrescenta: "Por
causa da interrupção dos vôos
foram liberados R$ 300 mil para a compra emergencial
de horas de helicóptero. A empresa JVC, de
Manaus, ganhou essa licitação com
um valor de R$ 5.380 a hora, mesmo com a empresa
Paramazônia oferecendo R$ 3.300 a hora".
O coordenador do Programa Rio Negro informa que
em 15 dias foram usadas as 58 horas, cobrindo a
ausência de aviões. "E, na semana
passada, o Distrito Sanitário Yanomami (DSY)
suspendeu o uso do helicóptero porque isso
é insustentável, considerando que
a Funasa-RR não recebe repasse de recursos
há dois meses. Não tem mais dinheiro
para hora-vôo nem para insumos."
O serviço de saúde
de má qualidade que vinha sendo prestado
pela Funasa somado à interrupção
dos vôos e à falta de medicamento para
combater a malária, elevaram assustadoramente
tanto a malária vivax quanto a falsiparum
na Terra Indígena Yanomami, principalmente
nas regiões de Marari e Auaris, diz Wesley.
Proposta de campanha de Lula
Edmilson Terena lembra que os
índios pedem apenas o que era proposta de
campanha do Presidente Lula em 2002. “Ele prometeu
dar autonomia aos distritos e criar uma secretaria
específica para atender a saúde da
população indígena. E até
hoje isso não aconteceu.” De acordo com Terena,
o grupo de trabalho de saúde indígena
do Ministério da Saúde propõe
a reestruturação física e logística
dos distritos, para dar condição ao
profissional de saúde de trabalhar nas aldeias.
“É preciso adotar uma política de
recursos humanos, com concursos, o que não
há na Funasa há muito tempo. Só
há contratos temporários que precisam
ser renovados a cada período. Queremos concursos
para que o funcionário seja efetivado como
profissional de área indígena. Queremos
discutir a criação de uma conta especial
para receber os recursos da secretaria de atenção
básica e levá-los a uma conta controlada
pelos distritos. Hoje, esses recursos são
repassados para os municípios e não
chegam para o atendimento nas aldeias. Os prefeitos
contratam amigos, parentes, gente que não
tem capacitação para a saúde
indígena.”
Edmilson Terena cita outro caso
que poderá ter solução com
as mudanças aguardadas pelos indígenas.
“A maioria dos sistemas de abastecimento e tratamento
de água das aldeias foram superfaturados
e ainda ficam sem manutenção. No contrato
está que o material é de boa qualidade,
mas quando chega à aldeia se vê que
é de última qualidade. Isso vai acabar.”
Ele conta que a Funasa informa que 75% das aldeias
têm saneamento básico de boa qualidade.
“Como usuário, digo que isso acontece no
máximo em 25% das aldeias. Se não
tratamos do saneamento básico, crescem os
problemas de doenças gastrointestinais, desnutrição,
infecções que obrigarão a deslocamento
para hospitais nas cidades, além do aumento
no consumo de remédios. Nunca conseguimos
expor isso à Funasa. Ela nunca aceitou discutir.”
Luiz Brazão disse que os
índios não têm conhecimento
da proposta da senadora Lúcia Vânia
(PSDB-GO), autora do relatório do PLV que
será votado dia 3. “Mas queremos que ela
mantenha o projeto do jeito que foi elaborado em
relação à criação
da secretaria.”