16 Julho 2010
Por Nathalia Clark
Na Convenção
sobre Diversidade Biológica, o Brasil assumiu
o compromisso de proteger em unidades de conservação
(UCs) 30% da Amazônia e 10% de cada um dos
outros biomas – Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal,
Caatinga e Pampa. Para a Mata Atlântica, outro
objetivo é não desmatar mais nenhuma
área remanescente.
Por ser o detentor da maior biodiversidade
do mundo, o Brasil possui uma responsabilidade especial
e experimenta diariamente o desafio da conservação
e do uso sustentável deste legado.
No bioma Mata Atlântica,
até junho de 2010, foram criadas quatro novas
unidades de conservação e uma já
existente teve sua extensão ampliada. Ao
todo, a Mata Atlântica teve um aumento de
cerca de 65 mil hectares em unidades de conservação,
só no estado da Bahia. Porém, de acordo
com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de
30 de junho de 2010, isso representa apenas 0,06%
do total do bioma incluído em unidades de
conservação. Com esse número,
o Brasil chega aos 9,0%, mas continua abaixo da
meta estabelecida.
As áreas criadas em junho,
todas na Bahia, foram o Refúgio de Vida Silvestre
Boa Nova e o Parque Nacional de Boa Nova, localizados
entre os municípios de Boa Nova, Dario Meira
e Manuel Vitório, região centro-sul;
o Parque Nacional Serra das Lontras, que abrange
os municípios de Una e Arataca, no sul do
estado; o Parque Nacional Alto do Cariri, na região
de Guaratinga, também no sul; além
da ampliação em pouco mais de 7 mil
hectares do Parque Nacional do Pau Brasil, em Porto
Seguro.
Apenas para a porção
baiana da Mata Atlântica, isso representa
um aumento de cerca de 60% de Mata Atlântica
protegida em unidades de conservação
integral, e um aumento de 5% no total de unidades
de conservação. É uma iniciativa
do governo estadual, que coloca a Bahia como o estado
que mais protegeu o bioma no ano de 2010, até
o momento.
Mesmo com esses avanços,
para o coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica
e membro do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá),
Renato Cunha, as metas da CDB ainda estão
longe de serem alcançadas. “A criação
do sistema contribuiu para isso, inclusive com a
criação de unidades de conservação
integral. Mas ainda há muito o que fazer.
Na Bahia, por exemplo, existem muitas Áreas
de Preservação Ambiental (APAs), mas
elas não entram nas estatísticas para
atingir a meta”, afirmou.
Morada da biodiversidade
Com aproximadamente 15 mil hectares,
o Refúgio de Vida Silvestre de Boa Nova encontra-se
em área de transição entre
a Mata Atlântica e a Caatinga, onde se localiza
a Mata-de-Cipó, habitat do ameaçado
Gravatazeiro (Rhopornis ardesiacus), uma das aves
mais raras do Brasil. Ao todo, a região de
Boa Nova abriga 396 espécies de aves, 14
delas globalmente ameaçadas de extinção.
A região de Serra das Lontras
é outra área de extrema importância
para a conservação de habitats e espécies
ameaçadas no domínio da Mata Atlântica.
O complexo montanhoso permite a ocorrência
de rica diversidade de aves: 330 espécies
registradas até o momento, sendo 16 ameaçadas
de extinção e 13 classificadas como
quase ameaçadas; além de mais de 800
espécies de plantas, e ao menos 38 espécies
de mamíferos, entre as quais estão
duas espécies ameaçadas de primatas
e três de felinos.
Já o Parque Nacional do
Pau Brasil abriga várias espécies
endêmicas e ameaçadas de extinção
da fauna e da flora. O local possui uma das maiores
populações da árvore símbolo
do nosso país, que deu nome à unidade,
o Pau-Brasil.
O relatório do Panorama
Global da Biodiversidade da ONU citou o Brasil como
a nação que mais implementou áreas
protegidas em todo o mundo (três quartos dos
700 mil km²), entre 2003 e 2009, sinal de que,
à parte com as dificuldades de cumprir com
compromissos, o sistema brasileiro vem funcionando.
As áreas protegidas, em
particular as unidades de conservação,
têm sido consideradas como instrumentos dos
mais importantes para garantir a conservação
da natureza e propiciar a sua contribuição
ao desenvolvimento sustentável. Hoje, mais
do que serem caracterizadas pelas restrições
que trazem consigo, as UCs representam estruturas
institucionalizadas com atribuições
e atividades em prol de um desenvolvimento conservacionista.
É nesse sentido que a iniciativa
do Governo Federal de criação e implementação
de um Sistema, que se apresenta como instrumento
de propagação e diálogo com
a sociedade brasileira sobre a importância
da conservação dos remanescentes naturais,
se mostra efetiva. Ainda que não completamente,
ela caminha para o cumprimento, de forma integrada,
dos compromissos assumidos pelo país na Convenção
sobre Diversidade Biológica.
+ Mais
Países debatem repartição
de benefícios da biodiversidade
23 Julho 2010
Por Ligia Paes de Barros/ WWF-Brasil
Este Ano Internacional da Biodiversidade está
sendo decisivo para a biodiversidade do planeta.
Acontece em outubro, no Japão, a décima
Conferência das Partes da Convenção
sobre Diversidade Biológica (COP-10/CDB),
da Organização das Nações
Unidas. Espera-se que nessa conferência sejam
definidas metas de conservação da
biodiversidade para os próximos 10 anos,
para benefício das sociedades e economias.
Um dos temas que têm gerado
mais expectativas para essa COP, principalmente
por parte dos países em desenvolvimento que
são ricos em biodiversidade, é a definição
de um mecanismo que regulamente o acesso aos recursos
genéticos da biodiversidade e a repartição
de seus benefícios (ABS, da sigla em inglês
de access and benefit sharing). Esses países
esperam a assinatura de um protocolo internacional
eficiente sobre o tema.
Para evoluir nesse sentido, o
Grupo de Trabalho de ABS da CDB se reuniu, mais
uma vez, do dia 10 ao dia 16 de julho, no Canadá,
pela última vez antes da décima COP.
O objetivo do encontro foi avançar na discussão
e trabalhar um texto sólido para ser debatido
e aprovado em forma de protocolo pelos representantes
dos 191 países membros da Convenção
durante a Conferência das Partes.
Entre os principais pontos debatidos
na reunião estão a definição
no protocolo de como repartir benefícios
de modo justo levando em consideração
uma distinção entre o uso dos recursos
genéticos em sua forma natural e o conhecimento
aplicado na modificação dos recursos
até que atinjam o formato patenteado, além
de como definir o cumprimento desse possível
protocolo por parte dos países membros da
Convenção.
Para Maria Cecília Brito,
secretária de Biodiversidade e Florestas
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que
participou da reunião no Canadá, a
discussão avançou, mas as perspectivas
ainda são incertas. “Houve avanços,
mas existe uma clara divisão de interesses
e os países não estão conseguindo
achar um meio termo. Os países ricos em biodiversidade
defendem uma forte regulamentação
sobre o tema, enquanto outros querem uma regulamentação
sem muitas obrigações”, explica a
secretária.
Na opinião do superintendente
de conservação do WWF-Brasil, Cláudio
Maretti, “comparado com o que ocorreu no passado,
até agora, esse debate já representa
um avanço, pois os países aceitaram
incluir esse tema na parte principal da agenda deste
ano e finalmente começaram a negociar a sério”,
afirmou. Ele acredita que se os países mais
desenvolvidos colaborarem, haverá um ambiente
mais favorável na próxima COP em relação
às anteriores.
O Brasil e os benefícios
da biodiversidade
“O Brasil está acompanhando
todas as discussões e se posicionando junto
com os outros países megadiversos”, apontou
Brito, que destacou como principal objetivo do Brasil
conseguir que o protocolo tenha peso de lei, defina
maneiras claras de monitoramento e também
crie um espaço internacional para monitorar
o cumprimento do protocolo em âmbito internacional.
O governo brasileiro, junto com
governos de outros países chamados “megadiversos”
(África do Sul, Bolívia, China, Colômbia,
Congo, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia,
Indonésia, Madagascar, Malásia, México,
Peru, Quênia e Venezuela), aguardaram por
anos, mas agora vem se posicionando mais fortemente
do que nunca para que o tema de ABS seja finalmente
bem definido na COP-10.
Para Maretti, “é fundamental
que o Brasil seja líder nesse tema, que é
o menos desenvolvido dos objetivos da CDB, e pressione
por uma definição dos outros países”.
Segundo o superintendente, o Brasil
é o país mais rico em biodiversidade
no mundo e tem o dever de preservar esse patrimônio
para benefício próprio e de toda a
humanidade, “no entanto, muitas vezes temos que
arcar com custos sozinhos da conservação
sem ser recompensado pelos outros países
pelos serviços ecológicos prestados
pela biodiversidade nacional”, ressaltou.
“A conservação da
biodiversidade é urgente e os países
ricos em biodiversidade precisam ter recursos para
investir nessa conservação, e por
isso dependem diretamente de um protocolo de ABS
forte”, concluiu Maretti.