Frigoríficos
afirmam ter parado de comprar gado de terras indígenas
e unidades de conservação, um ano
após o lançamento do relatório
do Greenpeace sobre pecuária na Amazônia.
Os três maiores frigoríficos
do Brasil – JBS/Bertin, Marfrig e Minerva – anunciaram
na última semana que deixaram de comprar
gado de 221 fazendas localizadas dentro de terras
indígenas, unidades de conservação
ou próximas a áreas recém-desmatadas
na Amazônia. Outras 1.787 propriedades, num
raio de até 10 quilômetros de novos
desmatamentos, unidades de conservação
e terras indígenas, passam por averiguação.
As empresas declararam também ter o ponto
georreferenciado de mais de 12.500 fazendas, número
que, segundo elas, representa 100% da cadeia de
fornecedores diretos da região.
"A apresentação
desses números é uma clara e bem-vinda
sinalização de que o setor está
de olho nas novas exigências do consumidor
preocupado com o meio ambiente em todo o mundo.
As empresas precisam agora ampliar e consolidar
esse trabalho, realizando auditorias nos processos,
garantindo transparência e confiabilidade
aos dados e convencendo seus fornecedores a disponibilizarem
mapas com os limites georreferenciados das propriedades",
afirma Paulo Adario, diretor da campanha da Amazônia
do Greenpeace.
Os resultados entregues, nove
meses após a assinatura de acordo entre os
frigoríficos e o Greenpeace (assinado em
outubro do ano passado), correspondem à primeira
etapa do compromisso assumido pelas empresas-líderes
do setor da pecuária com desmatamento zero
na Amazônia: cadastrar e mapear todas as fazendas
de seus fornecedores diretos, para não comprarem
mais gado proveniente de áreas recém-desmatadas
na região, de terras indígenas e áreas
protegidas.
O monitoramento dessa cadeia produtiva
é essencial para que clientes e consumidores
de produtos bovinos não contribuam indiretamente
para a destruição da maior floresta
tropical do mundo. No entanto, para que esse processo
ocorra de forma eficaz e transparente, é
indispensável a realização
do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades,
ferramenta que possibilita monitorar por satélite
e identificar com segurança todos os fornecedores
– tanto os que produzem sem desmatar quanto os que
desmataram a floresta após outubro de 2009.
No Mato Grosso, detentor do maior
rebanho do país, menos de 5% das fazendas
estão cadastrados no sistema de licenciamento
ambiental do governo do estado. A exigência
do cadastro é lei e tem prazo para ser cumprida:
novembro deste ano. No Pará, o número
de fazendas registradas junto ao CAR – Cadastro
Ambiental Rural – saltou, em menos de um ano, de
cerca de 300 para 19 mil propriedades inscritas,
devido às pressões exercidas por consumidores
e pela atuação do Ministério
Público Federal, que moveu ações
obrigando parte da cadeia a realizar o cadastramento.
Porém, esse número ainda representa
apenas 9% do total de propriedades do Estado.
"As pressões dos frigoríficos
são fundamentais para promover o cadastramento
das fazendas nos Estados. Também vamos cobrar
daqueles que ainda não assumiram nenhum compromisso
com a floresta. Os consumidores precisam saber quem
ainda não está se mexendo para tirar
o desmatamento de seu negócio", afirma
Adário.
Os três frigoríficos
responderam, em 2009, por 36% do abate feito na
Amazônia Legal. O restante vem de pequenos,
médios e grandes frigoríficos que
até agora não assumiram compromisso
com o desmatamento zero e vendem seus produtos para
os consumidores, por meio de supermercados que ainda
não limparam suas prateleiras de passivos
ambientais e sociais.
+ Mais
Cargill de volta à berlinda
Com dez anos de atraso, empresa
apresenta Estudo de Impacto Ambiental de seu terminal
de grãos em Santarém. Ministério
Público aponta dados falsos no documento.
em Santarém. ©Greenpeace/Carlos
Matos
Há dez anos enroscada na Justiça com
o terminal graneleiro que construiu irregularmente
no porto de Santarém, Pará, a Cargill
continua tendo que se explicar. Na última
sexta-feira, dois dias após a audiência
pública que discutiu o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) do empreendimento, os Ministérios
Públicos Estadual e Federal do Pará
entraram com um pedido de abertura de inquérito
policial para investigar o uso de dados falsos no
documento.
O possível uso de informações
manipuladas foi anunciado durante a audiência
pública, por uma equipe técnica do
MPE que analisou o documento. Segundo a promotora
de Justiça do órgão, Lilian
Braga, o caso será apurado não só
pela Polícia Civil, mas pelo próprio
Ministério Público. “Foram constatados
alguns dados que não estão de acordo
com a fonte citada, e outros que são de períodos
diferentes do informado”, explica Lilian. “Isso
nos preocupou, porque é esse EIA que está
subsidiando o licenciamento. Imagina a licença
ser concedida a partir de dados inadequados?”.
A investigação deve
ser finalizada até o fim de agosto. Enquanto
isso, fica nas mãos da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente (Sema) a decisão de dar
ou não a licença para a empresa, que
pretende ainda expandir a capacidade do terminal
em 50%. “Não temos ingerência para
dizer à Sema que pare o processo de licenciamento
por conta da investigação”, informa
a promotora. Mas, caso a secretaria resolva atropelar
a denúncia, o MP pode entrar com uma nova
ação civil pública.
Assim como o Ministério
Público, outras instituições
e organizações entregaram análises
técnicas à Sema apontando falhas no
EIA da Cargill. “Independentemente desse inquérito
policial, o EIA apresentado tem falhas graves. Diferentes
instituições identificaram isso e
encaminharam seus pareceres à secretaria,
como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais de Santarém (STTR), a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), a Frente de Defesa da Amazônia
e o próprio Ministério Público”,
diz Raquel Carvalho, da campanha Amazônia
do Greenpeace.
A governança frouxa no
caso da Cargill gera preocupação,
não só pela intenção
da empresa em expandir suas atividades, mas também
pelos novos empreendimentos que devem chegar à
região. Um novo terminal de grãos
já está em processo de licitação
para o Porto de Santarém, e há dois
outros lotes disponíveis para arrendamento
de terminais similares.
“Se o governo não estabelecer
e cobrar regras claras para operações
de escoamento de grãos pelo porto de Santarém,
podemos ter um novo ciclo de devastação
na região”, alerta Raquel Carvalho.