06/07/2010 - Para quem não
acompanhou o desenrolar do caso, a cena pode parecer
inusitada. Dezenas de manifestantes ligados aos
grandes sindicatos rurais patronais, com camisetas
pedindo "segurança a quem produz os
nossos alimentos", gritavam seu nome.
Ao mesmo tempo, manifestantes ligados a movimentos
camponeses e da agricultura familiar, a quem ele
dizia defender, o vaiavam. O centro das atenções
era o deputado comunista Aldo Rebelo (PCdoB), cujo
projeto para alterar o Código Florestal,
uma das mais importantes leis ambientais do país,
acabava de ser aprovado pela comissão especial
da Câmara dos Deputados.
O placar já era esperado.
Numa comissão dominada amplamente por deputados
ruralistas, não foi surpresa que a proposta
de Aldo tenha sido aprovada por 13 votos a 5. Todos
os partidos de esquerda ou centro-esquerda votaram
contra a proposta, apoiada apenas por parlamentares
e partidos mais conservadores. DEM, PMDB, PP, PR,
PPS e PTB votaram a favor das mudanças, enquanto
PT, PSB, PSOL, PV e parte do PSDB votaram contra
o projeto.
Depoimento do deputado Luiz Carlos
Heinze (PP/RS), um dos expoentes da bancada ruralista,
direcionado a Aldo Rebelo, confirma o reconhecimento:
"Vossa excelência defende o comunismo.
Eu sou de outro espectro político, defendo
o capitalismo, mas tenho que reconhecer que fez
um bom trabalho". O deputado Homero Pereira
(PP/MT), ligado à Federação
da Agricultura do Mato Grosso, foi mais longe: "Recomendo
a vossa excelência que publique um livro com
o seu relatório inicial.”
Na véspera foi distribuído
um documento, assinado por todas as grandes organizações
da agricultura camponesa – CONTAG, MST, MPA, Via
Campesina, CUT –, bem como por alguns importantes
intelectuais e ativistas de esquerda, como Leonardo
Boff e Dom Pedro Casaldáliga, que se manifestava
pela rejeição do projeto que acabou
aprovado. Segundo essas organizações,
“o relatório apresentado pelo deputado Aldo
Rebelo contradiz com sua história de engajamento
e dedicação às questões
de interesse da sociedade brasileira e, ao defender
um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega
as florestas brasileiras aos latifundiários
e à expansão desenfreada do agronegócio”.
Para Raul Silva Telles do Valle,
advogado do ISA, o projeto aprovado é um
grande retrocesso. Segundo ele, o principal equívoco
do documento é partir do pressuposto de que
proteger os recursos naturais é contrário
ao desenvolvimento do país. “Por isso, em
vez de criar condições para que todos
possam cumprir a lei e preservar parte de nossas
florestas, ele simplesmente abre a possibilidade
de que o proprietário rural possa estar de
acordo com a lei mesmo que todas as margens dos
rios que cortam seu imóvel estejam desmoronando
e não tenha um pé de arvore nativa".
Gigante pela própria natureza
Terminada a votação,
manifestantes mobilizados pelos ruralistas ensaiaram
o canto do hino nacional, mas o coro enfraqueceu
sem concluir a primeira parte. Bem antes de chegar
ao “gigante pela própria natureza”, eles
já gritavam nomes de destaque no processo
de desmonte do Código Florestal. O primeiro
nome aclamado com entusiasmo foi o do relator: "Aldo!
Aldo Aldo!", seguido por "Micheletto!
Micheletto!", presidente da comissão
especial, e “Colatto! Colato!”, ex-presidente da
Frente Parlamentar do Agronegócio.
Durante as discussões,
esses também foram os protagonistas do debate.
Colatto, defendendo o trabalho de Aldo, ressaltou
que “meio ambiente é papel do Estado e não
das pessoas individualmente”, enquanto Moreira Mendes
(PPS/RO) complementava: "A recuperação
ambiental é uma piada de mau gosto ao Brasil!".
Segundo Heinze, o projeto de Aldo
estaria "devolvendo" aos proprietários
do sul do país 16 milhões de hectares
de áreas produtivas que, segundo ele, foram
"surrupiadas" pela MP nº 2166, de
2001. Para o deputado, foi apenas nessa época
que teria surgido a obrigação de se
preservar 20% da vegetação nativa
do imóvel a título de reserva legal,
quando, na verdade, essa obrigação
existe desde 1934, para qualquer tipo de vegetação
nativa e não apenas florestas.
Mas houve os que fizeram o contraponto.
"O interesse nacional é distribuir renda,
terra, produção e poder, e não
desproteger nossos recursos naturais", afirmou
Edson Duarte (PV/BA), que mais tarde foi complementado
por Ivan Valente (PSOL/SP): "Ser exportador
de comoddities é aprofundar a dependência".
Não foi, no entanto, suficiente, principalmente
num jogo de cartas marcadas.
"Agora só nos resta
trabalhar na reparação de danos. Saímos
daqui com muitos danos na questão ambiental",
afirmou ao ISA o deputado Dr. Rosinha (PT-PR). "O
último artigo revoga o próprio código
florestal, o que é muito grave. E leva por
água abaixo todo o discurso do relator e
dos ruralistas. Eles dizem que estão dando
uma moratória de cinco anos contra o desmatamento.
Ocorre que não restou nenhuma lei que limite
o desmatamento depois dos cinco anos. Esse é
só um exemplo de ponto nocivo do que acabamos
de aprovar."
Para o deputado Edson Duarte (PV-BA)
nem os deputados sabem exatamente o que foi votado
e aprovado. "O relator informou algumas mudanças
que acatou fazer, mas a informação
se restringiu ao relato verbal. Não recebemos
o texto modificado. Votamos no escuro."
Um dos pontos citados por Duarte
diz respeito a mudança drástica no
artigo 28, onde a redação afirmava
que o proprietário rural estava desobrigado
de recuperar a área de reserva legal destruída.
Alegando um equívoco de redação,
Aldo disse que o correto era "obrigado",
em vez de “desobrigado”. Os deputados criticaram
que um equívoco tão grave tivesse
passado pela revisão do original e que a
correção não tivesse chegado
aos deputados até a fase de votação.
"O projeto nasceu errado,
a composição da comissão foi
errada, tudo foi equivocado. E o resultado é
esse grande equívoco entre o que é
meio ambiente e o que é produção
agrícola”, resumiu Edson Duarte. O deputado
Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que o parecer de
Aldo estava tão confuso que dividiu opiniões
entre deputados de um mesmo partido. “Isso fica
provado nos votos do PSDB e do PT.” Destacou também
que a discordância ainda gerou quatro votos
em separado. "E a anistia prevista no texto
em favor dos desmatadores estimula a impunidade."
Agora o projeto vai a plenário,
possivelmente depois das eleições.
“E temos de torcer para que, antes, a sociedade
dê o troco nas urnas, mostrando aos deputados
que votaram a favor do relatório que o eleitor
sabe das consequências dessas alterações.
Quem votou pelo sim ao relatório:
1. Anselmo de Jesus (PT-RO)
2. Homero Pereira (PR-MT)
3. Luis Carlos Heinze (PP-RS)
4. Moacir Micheletto (PMDB-PR)
5. Paulo Piau (PPS-MG)
6. Valdir Colatto (PMDB-SC)
7. Hernandes Amorim (PTB-RO)
8. Marcos Montes (DEM-MG)
9. Moreira Mendes (PPS-RO)
10. Duarte Nogueira (PSDB-SP)
11. Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
12. Reinhold Stephanes (PMDB-PR)
13. Eduardo Seabra (PTB-AP)
Quem votou pelo não ao
relatório
1. Dr. Rosinha (PT-PR)
2. Ricardo Tripoli (PSDB-SP)
3. Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)
4. Sarney Filho (PV-MA)
5. Ivan Valente (PSOL-SP)