20/07/2010 - O toma lá,
dá cá envolvendo Unidades de Conservação
federais e estaduais, que se estabeleceu há
mais de um ano em função da obtenção
da licença da Usina Hidrelétrica de
Jirau, em Porto Velho (RO), terminou aumentando
as extensões das Unidades de Conservação
de proteção integral, além
de legitimar a invasão de madeireiras e pecuaristas
na Floresta Nacional Bom Futuro.
Um ano depois do Termo de Acordo
celebrado entre o então ministro do Meio
Ambiente, Carlos Minc, o então presidente
do ICMBio, Rômulo Barreto Mello, e o governador
de Rondônia, Ivo Cassol, foi publicada a Lei
Federal nº 12.249 de 11/07/2010 que efetiva
as alterações propostas pelo GT formado
pela Portaria MMA nº 232 de 1 de julho de 2009
(Saiba mais).
A lei possibilitou a realização
de permutas entre terras da Floresta Nacional (Flona)
Bom Futuro, Esec Cuniã, Parna Mapinguari
e Unidades de Conservação (UCs) estaduais
de uso sustentável, proporcionando alteração
de categoria e esfera de gestão de parte
das áreas envolvidas. Também legitima
a ocupação na Flona com a desafetação
da porção ocupada para UCs estaduais.
A Lei nº 12.249 foi complementada pela Lei
Complementar Estadual nº 581 de 30/06/2010
que revogou UCs estaduais e criou duas novas UCs
na área desafetada da Floresta Bom Futuro.
Embora as alterações
revelem a arbitrariedade de algumas decisões
políticas vestidas de gestão ambiental,
no balanço final, em relação
ao cômputo de UCs, o acordo resultou em um
acréscimo de extensão nas UCs de proteção
integral, principalmente sob gestão federal,
que pode ser julgado como um fator positivo na conservação
e implementação da mesma.
O que aconteceu
Ampliações
Parna Mapinguari em 180.800 ha
(incorporando a Florsu Rio Vermelho A, parte da
FLORSU do Rio Vermelho B, a Esec Antonio Mugica
Nava e parte da ESEC Serra dos
Três Irmãos) Esec Cuniã em 63.812
ha (toda a área da FLORSU do Rio Madeira
A)
Revogações
Floresta de Rendimento Sustentado
do Rio Vermelho A; Floresta de Rendimento Sustentado
do Rio Vermelho B; Floresta de Rendimento Sustentado
do Rio Madeira A (63.812 ha incorporados à
ESEC Cuniã); Estação Ecológica
Estadual Antônio Mugica Nava.
Desafetada/Reduzida Flona Bom
Futuro - dos atuais cerca de 280.000 ha para cerca
de 97.357 ha: 144.417 ha para as novas áreas
estaduais: APA e FES do Rio Pardo. O eliminando
sobreposição irregular com a TI Karitiana.
Esec Serra dos Três Irmãos: reduzida
de 99.813 para 89.847. Os restantes 9.966 ha foram
incorporados ao Parna do Mapinguari.
Criadas APA e Floresta Estadual
do Rio Pardo inseridas na área originária
e desafetada da Floresta Nacional do Bom Futuro
com área
aproximada de 144.417 ha. (As
áreas criadas deverão ser definidas
por ato do Poder Executivo Estadual, através
de uma Comissão Multidisciplinar). (Veja
no mapa acima como ficou)
Histórico
Concebido pelo governo do Estado
de Rondônia, a idéia principal que
motivou a elaboração do Termo parece
ter sido a descriminalização das 5.000
famílias ocupantes da Flona Bom Futuro, em
contrapartida à liberação da
Hidrelétrica Jirau, no Rio Madeira. Antes
de ser assinado, o Termo foi apresentado em um encontro
local com moradores do distrito Rio Pardo (Veja
quadro sobre a Flona Bom Futuro) e aplaudido pela
comunidade. Posteriormente, foi então levado
à ministra-chefe da Casa Civil Dilma Roussef
e ao Presidente Lula, que aprovaram e encaminharam
para as providências legais no âmbito
do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em
notícia divulgada em 2/6/2009, pelo Departamento
de Comunicação do governo de Rondônia,
assim se pronunciou o governador Cassol: "A
idéia da permuta das áreas foi do
meu vice Cahulla, nós apresentamos ao Presidente
quando ele esteve visitando as usinas e agora é
realidade: os moradores do Rio Pardo terão
a regularização fundiária e
a usina será construída. Resolvemos
um grande problema social e econômico para
Rondônia e para o Brasil ao mesmo tempo, e
do jeito que a gente queria". Estado (Leia
mais).
Em junho 2009, os ânimos
estavam acirrados na região. Centenas de
manifestantes bloquearam o acesso ao canteiro de
obras da UHE Jirau, localizada no Rio Madeira, município
de Porto Velho, paralisando a construção.
Inicialmente com 350 manifestantes, um ato realizado
no dia 16 acabou reunindo 900 pessoas que protestavam
contra as multas aplicadas pelos crimes ambientais
cometidos na Floresta Nacional de Bom Futuro(Leia
mais).
Desintrusão na Flona
Desde maio de 2009, a Flona Bom
Futuro era cenário de um dos maiores procedimentos
de desintrusão já realizados no país,
em ações que mobilizaram uma extensa
e comprometida equipe de mais de 400 homens da Força
Nacional, Exército e do MMA. Ante o prenúncio
de um conflito ainda maior com a comunidade do distrito
de Rio Pardo e sob pressões políticas
locais, o governo do estado foi extremamente astuto
ao perceber que tinha a possibilidade de dar as
cartas no momento, resolvendo de uma vez por todas
a instabilidade gerada pelos anos e anos de ausência
de políticas públicas de conservação,
produção e assentamento adequadas
da população. Tais, medidas deveriam
ter sido tomadas pelo governo estadual, como a implementação
de zoneamento, para o justo e saudável desenvolvimento
de Rondônia.
Naquele momento, a licença
de instalação (LI) da hidrelétrica
ainda não havia sido emitida e a licença
prévia (LP) do empreendimento já havia
caducado na semana de 18 de maio de 2009. E segundo
a Energia Sustentável do Brasil, concessionária
do empreendimento, o prejuízo era de R$ 6
milhões/dia, entre custos com obra e pessoal
e projeção de atraso na venda futura
de energia. O parecer da equipe técnica do
Ibama havia sido contrário à emissão
da LI, alegando que algumas condicionantes da LP
não haviam sido atendidas parcial ou integralmente.
Além de condicionantes de adequação
técnica e mitigação do impacto
ambiental da UHE estavam também pendentes
- e eram empecilhos de maior visibilidade política
para a liberação da LI - o consentimento
formal da prefeitura de Porto Velho e do próprio
governo do estado.
O protocolo de intenções
para a realização de investimentos
compensatórios da Energia concessionária
com a prefeitura de Porto Velho foi assinado em
27 de maio de 2009, contemplando aproximadamente
R$ 69 milhões para a infraestrutura do município,
entre salas de aula e unidades de saúde.
Dessa forma só ficou pendente o acordo com
o governo do estado para a emissão da LI.
Como a usina era considerada fundamental
pela Casa Civil e pela Presidência da República
o cenário estava propício à
proposta encaminhada pelo governo do estado. No
mesmo dia em que foi assinado o Termo de Acordo
entre o MMA, o ICMBio e o Governo do Estado de Rondônia
(2 de junho de 2009), o governador Cassol eliminou
as pendências no processo de licenciamento
da UHE Jirau, aceitando o repasse de R$ 90 milhões,
a serem empregados na ampliação do
sistema prisional, na ampliação de
escolas e leitos, aquisição de novos
equipamentos para o setor de educação
da saúde e custeio de atividades deste último,
bem como asfaltamento e conservação
das rodovias e pontes. A aprovação
do projeto básico da UHE Jirau pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi
publicada Diário Oficial da União
de 5 de junho seguinte. (Saiba mais).
Fiscalização desagrada
moradores
Embora aparentemente tudo estivesse
resolvido, a equipe de fiscalização
envolvida no processo de desintrusão da Flona
Bom Futuro - cujo custo ultrapassara R$ 6 milhões
- coerentemente, considerou o Termo de Acordo extremamente
contraditório com os princípios e
metas por meio dos quais vinham fundamentando suas
ações e continuaram a fiscalização
na área com atenção aos outros
crimes ambientais que se faziam presentes.
A continuidade das ações
de fiscalização - cujas autuações
ultrapassaram R$34 milhões - enfureceram
alguns moradores locais, os quais acreditavam que
o troca-troca realizado entre governo federal e
estadual seria o suficiente para encobrir todos
os crimes ambientais já realizados, passiva
ou ativamente. Ainda que o acordo culminasse em
leis para regularizar a ocupação dos
moradores do distrito de Rio Pardo, desafetando
a porção da Flona irregularmente ocupada,
esses instrumentos não legislariam sobre
as obrigações e proibições
ordinárias relativas ao cumprimento da adequação
da propriedade rural. Assim, durante julho e agosto/2009,
a equipe local do ICMBio foi alvo de constantes
ameaças e até mesmo tiveram um carro
oficial queimado.
Enquanto isso, o Ministério
Público Federal (MPF/RO) e o Ministério
Público Estadual de Rondônia (MP/RO),
entraram com uma ação contra o presidente
do Ibama devido à emissão da licença
de instalação da UHE de Jirau, mesmo
ante o parecer contrário da equipe técnica
do Ibama.
As UCs estaduais envolvidas
A negociação envolveu
florestas estaduais que estavam em terras da União,
nunca tendo sido repassadas ao estado. As florestas
de rendimento sustentável (Florsu) Rio Vermelho
A e B, assim como a Estação Ecológica
Serra dos Três Irmãos, foram criadas
em 11000, no Plano Agropecuário e Florestal
de Rondônia (Planafloro), e não foram
efetivamente implementadas. A criação
de UCs estaduais foi considerada pelo Banco Mundial,
na época, uma condição básica
para o início do desembolso de recursos do
empréstimo para o Planafloro e, assim, várias
UCs foram criadas por decreto, especialmente entre
1989 e 1991, mas não chegaram a ser implementadas.
A Floresta Nacional Bom Futuro
O Governo Federal criou, em 1961,
as primeiras unidades de conservação
em Rondônia. Nos anos 1970 foram lançados
projetos de colonização, com concessão
de terras a preços simbólicos e incentivos
fiscais, para atrair grandes pecuaristas e outros
empreendedores para a Amazônia. Tal medida
afetou a vida de povos indígenas e interferiu
no tamanho de seus territórios. No inicio
dos anos 1980, foi criado um programa de desenvolvimento
regional financiado com empréstimos do Banco
Mundial, o Polonoroeste, que estimulou a implantação
de obras de infraestrutura de transportes e incluía
um componente de proteção ao meio
ambiente e apoio a comunidades indígenas,
que não foi implementado. Na sequência,
foi criado o Plano Agropecuário e Florestal
de Rondônia (Planafloro), pautado em um plano
estadual de “zoneamento sócioeconômico
e ecológico”. O objetivo seria fortalecer
cadeias produtivas, associadas às atividades
econômicas com sustentabilidade ambiental,
inclusão social e respeito à diversidade
cultural, mas que acabou estimulando o desmatamento,
a concentração fundiária, a
grilagem e a exploração ilegal de
madeira.
A Flona Bom Futuro, localizada
no município de Porto Velho e Buritis (RO)
foi criada em 1988 por exigência do Banco
Mundial, financiador do Programa Polonoroeste, que
tinha como eixo a pavimentação da
BR-364 (trecho Cuiabá/PortoVelho) e os projetos
de colonização de Rondônia e
do oeste do Mato Grosso. Embora essa categoria de
Unidade de Conservação tenha como
objetivo principal o uso múltiplo sustentável
dos recursos florestais e a pesquisa científica,
sendo admitida a permanência de populações
tradicionais que a habitam quando de sua criação,
o caso da Bom Futuro é extremamente diferenciado.
O relatório “O Fim da Floresta?”
do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), publicado
em 2008, relata que a invasão da Bom Futuro
iniciou-se com a retirada de madeira por empresas
dos municípios de Buritis e Alto Paraíso,
seguida pelo estabelecimento de loteamentos. Esse
histórico de ilegalidade e ocupação
desordenada, transformou a Bom Futuro numa das UCs
com maior desmatamento acumulado até hoje,
aproximadamente 25% (dados do Prodes), um assentamento
no interior da Flona de aproximadamente 5.000 habitantes,
o distrito de Rio Pardo, e uma lista de 236 criadores
de gado bovino que operam ilegalmente, com um rebanho
estimado em 35 mil cabeças.
O desmatamento acumulado em Rondônia,
segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), chegou a quase 9 milhões
de hectares (89.994 km²) em julho de 2007,
o que representa mais de um terço (37,72%)
da área total do estado (238.523 km²).
As áreas protegidas, cada vez menores na
região, seriam formas de garantir a conservação
da floresta e contribuir para a manutenção
da biodiversidade. Nas áreas reduzidas ou
suprimidas de UCs estaduais por meio de iniciativas
do Executivo e Legislativo, que entre 1995 e 2003
somaram mais de dois milhões de hectares
(21.119 km²), o desmatamento cumulativo chegou
a 29% da área total em julho de 2007, ou
seja, 6.201 km². Segundo dados do Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon),
somente entre agosto de 2007 e abril de 2008, foram
desmatados 3.807 hectares na Flona Bom Futuro, tornando-a
uma das campeãs de desmatamento entre as
UCs da Amazônia Legal nesse período.
+ Mais
Conama divulga repúdio
ao risco de retrocesso na legislação
ambiental
30/07/2010 - O Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama) distribuiu nesta sexta-feira,
30 de julho, a moção pela qual o órgão
se manifesta em defesa da Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente e do Código Florestal
Federal. O documento expressa "repúdio
ao risco de retrocesso à legislação
ambiental."
De acordo com o texto, os conselheiros
repudiam, "mais uma vez, as investidas de parlamentares
contra as importantes conquistas da sociedade brasileira
consolidadas na legislação ambiental,
sob a égide do art. 225 da Constituição
de 1988 e da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981."
O documento, assinado pela presidente
do Conselho, Izabella Teixeira, define como "nefastas"
as propostas reunidas em projetos de lei apensados
ao PL 5.367 que, além de propor mudanças
no Código Florestal Federal, ainda visa reduzir
competências do Conama.
A moção é
dirigida aos presidentes do Senado Federal e da
Câmara do Deputados, ao presidente da República,
à ministra Chefe da Casa Civil e, em especial,
ao deputado Aldo Rebelo, autor do relatório
aprovado pela Comissão Especial do Código
Florestal em 6 de julho. O texto agora será
votado em plenário pelos deputados, mas ainda
não foi definida a data para a votação.