Acostumada
a chegar junto com o início do segundo semestre,
a temporada de seca, este ano, veio com tudo na
Amazônia. Quem dá o sinal é
o fogo, que tem se espalhado pelo bioma. Virada
a folha do calendário, o mês de julho
foi mais um em que os focos de queimada ficaram
acima do registrado nos últimos anos. Mais
de seis mil focos foram identificados na Amazônia
Legal somente esse mês, um aumento de 40%
em relação ao mesmo período
de 2008 e de 175% se comparado a 2009. Uma pista
de que ainda vem muita labareda pela frente.
Segundo levantamentos do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet) e do Sistema de
Proteção da Amazônia (Sipam),
os próximos meses na região podem
ser ainda menos úmidos que o normal. Com
a evolução do fenômeno La Niña
no Pacífico, a tendência é que
a massa de ar seco permaneça forte pelo próximo
trimestre, principalmente no Acre, Rondônia
e no Mato Grosso. Prato cheio para que as chamas
se alastrem.
“A estação da seca
mal começou e os números já
estão lá em cima, mesmo em estados
que tem um histórico de enfrentamento do
problema, como o Mato Grosso. O ritmo é preocupante”,
observa Raquel Carvalho, da Campanha Amazônia
do Greenpeace. O Mato Grosso, aliás, está
no topo do ranking das chamas. Só em julho,
foram mais de dois mil focos de calor registrados
no estado.
“Considerando que esse deve ser
um ano mais seco, o cenário pode se agravar
ainda mais”, diz Raquel. Para o pesquisador Alberto
Setzer, que está à frente do monitoramento
de queimadas pelo Inpe, os índices medidos
até julho são uma faísca do
que ainda está por vir. Segundo ele, tudo
isso representa apenas cerca de 10% de tudo o que
ainda será queimado esse ano.
De julho a setembro, a estação
da seca na Amazônia é a porta de entrada
para o fogo. É quando os produtores riscam
o fósforo para limpar o terreno, como parte
do processo de preparação para áreas
de cultivo. Mas em mata seca, não há
quem segure as labaredas. E, volta e meia, o que
começa como um pequeno foco de queimada vira
um grande incêndio.
“Nem as unidades de conservação,
que são áreas protegidas por lei,
estão escapando. Se uma pessoa toca fogo
numa área no entorno, a queimada pode facilmente
perder o controle e chegar às UCs”, afirma
Raquel Carvalho. Segundo os dados do Inpe, elas
já estão chegando, e em todo o Brasil.
Desde janeiro, foram 4.045 focos registrados em
unidades de conservação, um aumento
de 124,3% em relação ao mesmo período
de 2009. Nas Terras Indígenas, a situação
segue o mesmo caminho. Até agora, 3.563 focos
foram identificados, contra 968 no ano anterior.
“Em geral, os estados não
têm infraestrutura para lidar com esse problema.
E há uma desarticulação dentro
do próprio poder público. Os órgãos
de monitoramento, fiscalização e combate
aos incêndios deveriam estar mais articulados”,
critica Raquel, apontando um outro problema que
faz de 2010 um ano especialmente propício
para o fogo se alastrar: “Estamos em ano eleitoral.
E nesse período, a pressão da fiscalização
tende a diminuir”.
Depois da expulsão, a denúncia
“Não vamos deixar vocês
entrarem na área, pode vir a polícia.
Nós vamos fazer a guerrilha”. Foi em agosto
de 2007 que o então prefeito de Juína,
no Mato Grosso, disse as palavras acima. Reunido
com outros políticos, empresários
e fazendeiros do município, Hilton Campos
intimidou ativistas do Greenpeace, dois jornalistas
franceses e membros da organização
indigenista Operação Amazônia
Nativa (Opan), privando-os de seu direito de ir
e vir na cidade. Agora, três anos depois de
investigar o caso, o Ministério Público
Federal entrou com denúncia contra Campos
e companhia, acusando-os de seqüestro, cárcere
privado e constrangimento ilegal.
Foram horas sem poder se locomover.
O grupo havia aterrissado em Juína para registrar
áreas recém-desmatadas na região
e documentar a vida do povo indígena Enawene-Nawe.
A relação entre
os índios e os produtores rurais da região
estava estremecida. Os Enawene-Nawe reivindicavam
a demarcação de uma área de
pesca, essencial nos seus rituais sagrados e na
sua alimentação. O território,
porém, estava sendo disputado com fazendeiros,
que empurravam para lá sua produção
agrícola.
Ao saber da presença das
organizações, os fazendeiros reuniram
cerca de 100 pessoas e abordaram integrantes do
Greenpeace e da Opan no hotel onde estavam hospedados.
Eles temiam que o grupo estivesse ali para ajudar
no processo de demarcacão da terra. As ofensas
e ameaças só terminaram no dia seguinte
de manhã, e a viagem à terra indígena
teve de ser cancelada. “Ao mesmo tempo em que o
governo celebra e assume o mérito pela queda
das taxas de desmatamento na Amazônia, o episódio
em Juína mostra que sua presença ou
é rala ou ainda está muito longe daqui”,
disse, à época, o coordenador da campanha
da Amazônia do Greenpeace, Paulo Adario.
Depois de passar horas no hotel
sem poder sair nem mesmo para comer, o grupo de
nove pessoas foi seguido até o aeroporto
por mais de 20 caminhonetes de fazendeiros, que
ameaçaram incendiar o avião caso ele
não decolasse imediatamente. O episódio
também foi considerado pelos procuradores
do MPF um verdadeiro processo de expulsão.
Na denúncia, o órgão
ainda denuncia o desacato de alguns empresários
em relação a funcionários da
Fundação Nacional do Índio
(Funai). Dezenas de pessoas invadiram o escritório
da Funai para dizer que Juína não
era lugar para índios, e ameaçaram
dois servidores de morte, exigindo que dessem fim
à demarcação de terras indígenas
na região.
Os procuradores da República
responsáveis pelo caso, Douglas Santos Araújo
e Mário Lúcio de Avelar, observam
que casos como esse não são raros.
“A violência praticada contra os povos indígenas
vem se tornando cada vez mais recorrente e tem como
pano de fundo sempre a mesma problemática,
que é a disputa de terras”, disseram, em
nota.
O MPF pede a condenação
de Aderbal Bento, Geraldo Bento, Natalino Lopes
dos Santos, Hilton Campos, Paulo Perfeito e Francisco
de Assis Pedroso por constrangimento ilegal, sequestro
e cárcere privado. O órgão
quer ainda que Paulo Perfeito e Aderbal Bento também
sejam condenados por desacatarem os funcionários
públicos da Funai.