16/08/2010 -
MMA e parlamentares divergem sobre como encaminhar
a regulamentação de projetos de redução
de emissões por desmatamento e degradação
florestal. Representantes do movimento social consideram
que Projeto de Lei não garante direitos de
populações indígenas e tradicionais.
Negociações internacionais são
um complicador adicional
O Ministério do Meio Ambiente
(MMA) está preparando uma proposta de regulamentação
para projetos de redução de emissões
por desmatamento e degradação florestal
(REDD+). Desde junho, o MMA conduz uma série
de reuniões para discutir o tema com organizações
da sociedade civil, outros ministérios, administrações
estaduais e empresas. A ideia é ter um documento
pronto em novembro, um mês antes do fim do
governo Lula.
A discussão está
causando polêmica porque corre paralelamente
à tramitação do Projeto de
Lei (PL) nº 5.586/2009, que trata do assunto,
na Câmara dos Deputados. Governo e apoiadores
do PL não se entendem sobre qual a melhor
maneira de encaminhar o debate. Os parlamentares
insistem que o processo tocado no Legislativo dever
ser priorizado e concluído rapidamente. O
projeto pode ser votado na Comissão de Meio
Ambiente da Câmara após as eleições
de outubro. Depois, segue para a de Finanças
e Tributação e a de Constituição
e Justiça. De caráter terminativo,
pode ser aprovado em definitivo sem ir ao plenário.
A pressa seria necessária
para atender a demanda de iniciativas de REDD+ que
pipocam, em especial na Amazônia, sem que
haja um marco regulatório. Sem isso, elas
não podem gerar nenhum tipo de compensação
contabilizável nas metas de redução
de emissões de gases de efeito estufa do
Brasil ou de outros países. “Há o
risco da multiplicação desordenada
de projetos de REDD+ com diferentes metodologias”,
afirma o relatório sobre o PL, de autoria
da deputada Rebecca Garcia (PP-AM).
REDD é como foi batizado
o mecanismo em discussão na Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
Climática (UNFCCC, na sigla em inglês)
para compensar financeiramente os países
em desenvolvimento por reduções em
suas emissões oriundas do desmatamento e
queimadas. Ele é considerado a grande contribuição
potencial dessas nações para o próximo
acordo internacional sobre clima, que deveria começar
a valer em 2013 e cuja negociação
está emperrada desde a última reunião
da UNFCCC realizada em Copenhague, em dezembro do
ano passado. Não há consenso entre
países ricos e pobres sobre metas de redução
das emissões e aporte de recursos para o
combate às mudanças climáticas.
O termo REDD+ tem a ver com necessidade de estabelecer
uma compensação também pela
conservação da biodiversidade, manejo
sustentável das florestas e o aumento dos
estoques de carbono.
O Brasil está entre os
dez maiores emissores atuais de gases de efeito
estufa. Mas enquanto entre os campeões da
poluição, como Estados Unidos e China,
as emissões originam-se sobretudo da queima
de combustíveis fósseis, estima-se
que as queimadas e o desflorestamento tenham sido
responsáveis por quase 60% das 600 milhões
de toneladas de carbono emitidas no Brasil em 2005.
Incentivos perversos
A diretora de Mudanças
Climáticas do MMA Thaís Juvenal não
descarta a possibilidade de conciliar os processos
conduzidos pelo Executivo e pelo Legislativo, mas
insiste que é preciso aprofundar e ampliar
a discussão. “Não posso incentivar
uma área a reduzir o desmatamento e, pela
falta de incentivos em outra área, acabar
estimulando que lá as florestas sejam destruídas.
O sistema todo tem de comportar uma estratégia
de conservação florestal global. Não
posso gerar incentivos perversos”, explica.
Existe o temor de que a simples
legalização de projetos provoque “vazamentos”,
ou seja, o aumento dos desmates e das emissões
fora das áreas com investimentos de REDD+
sem que eles possam contribuir para alcançar
as metas nacionais de redução de emissões.
A solução seria construir um sistema
integrado a políticas nacionais de redução
dessas emissões, combate e monitoramento
do desmatamento, conservação e desenvolvimento
sustentável e atrelado aos esforços
mundiais de combate às mudanças climáticas.
Mas, segundo o MMA, isso não estaria previsto
na proposta em tramitação no Congresso.
Além do PL, a criação
dessa estrutura precisaria ainda de outras normas
cuja proposição é prerrogativa
do Executivo. O relatório da deputada Rebecca
Garcia remete o problema para a regulamentação,
com previsão da instituição
de um Comitê Deliberativo Nacional de REDD+
com a atribuição de definir metodologias
para comprovação e monitoramento das
reduções, critérios para cadastro
e aprovação de projetos, entre outras.
Rebecca Garcia também optou
por deixar vários pontos de sua proposta
para regulamentação porque existe
ainda muita incerteza sobre qual modelo de REED
será adotado internacionalmente e sobre os
recursos que estarão disponíveis para
financiar o mecanismo.“Estamos lidando com um assunto
que ainda não tem um marco formal em nível
internacional. Precisamos levar em consideração
o contexto maior das mudanças climáticas.
Este é o cuidado que temos de ter ao avaliar
que tipo de instrumento legal vamos usar”, defende
Thaís Juvenal.
Organizações não
governamentais consideram a iniciativa do MMA acertada,
mas tardia. Ela seria uma reação à
dianteira supreendente assumida pelo parlamento
numa questão considerada delicada e estratégica
pelo governo nos fóruns internacionais, onde
os negociadores brasileiros têm pretensão
de ser protagonistas. Em novembro, será realizada
a próxima reunião da UNFCCC, em Cancún,
México. Ter pelo menos o esboço de
um marco legal pode sinalizar que o Brasil já
estaria preparado para receber investimentos.
Populações indígenas
e tradicionais
Setores do movimento social temem
que o REDD possa provocar uma onda de especulação
fundiária, prejuízos aos direitos
de populações tradicionais e indígenas
ou até a expulsão de seus territórios.
No caso da Amazônia, o risco é real
porque a situação fundiária
de grande parte das terras está indefinida.
Várias das comunidades que habitam a floresta
ainda não têm os direitos sobre suas
terras assegurados e isso pode dificultar o recebimento
de benefícios legais.
“O PL reconhece, mas não
garante que os beneficiários serão
as comunidades que vivem e cuidam da floresta”,
adverte Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA). Ele concorda com a necessidade
de aprofundar a discussão sobre os instrumentos
mais adequados para assegurar os direitos de quem
não tem um título de terra. O GTA
foi uma das redes que ajudou a elaborar o documento
“Princípios e Critérios Socioambientais
de REDD+”, que deverá ser lançado
ainda neste mês (saiba mais). Entre as salvaguardas
listadas pelo texto, está o consentimento
livre, prévio e informado dessas comunidades
para a implantação de qualquer projeto
que as afetem (confira o Especial sobre este assunto).
O substitutivo de Rebecca Garcia
prevê que áreas ocupadas por populações
tradicionais, indígenas e quilombolas que
ainda não têm seus direitos territoriais
reconhecidos poderão receber iniciativas
de REDD+ mediante a celebração de
um contrato de concessão de direito real
de uso, conforme os critérios definidos na
Lei de Gestão de Florestas Públicas
(11.284/2006). No caso de proprietários privados,
será preciso comprovar a titularidade da
terra.
Crítica ao bolsa-floresta
Rubens Gomes critica o projeto
Bolsa-floresta da Fundação Amazonas
Sustentável e do governo amazonense, um dos
primeiros no País a usar recursos de investidores
privados para financiar manutenção
da floresta usando o conceito do REDD. Para ele,
a iniciativa foi imposta às comunidades sem
que elas pudessem opinar sobre sua formulação
e operacionalização. O Bolsa-floresta
paga R$ 50 às famílias que se comprometem
com o controle do desmatamento dentro de Unidades
de Conservação (UCs), além
de financiar melhorias de infraestrutura, atividades
econômicas sustentáveis e o fortalecimento
das organizações comunitárias.
“Todas as decisões são
tomadas a partir de oficinas com altíssimo
grau de participação da comunidade.
Usamos técnicas de planejamento participativo”,
garante Virgílio Viana, superintendente geral
da fundação. Ele é um dos defensores
do PL nº 5.586.
Durante os debates coordenados
pelo GTA sobre os princípios e critérios
socioambientais foram feitas denúncias de
comunidades abordadas por organizações
e empresas que se ofereceram para intermediar contratos
de créditos de carbono evitado. De acordo
com os relatos, não foi feita uma consulta
organizada da população interessada
nem oferecidas informações básicas
sobre esses contratos e suas consequências.
As denúncias relacionadas
principalmente com populações indígenas
acenderam um alerta dentro do governo federal. Alguns
casos são considerados graves e a orientação
seria agir com urgência. Há queixas
de lideranças indígenas pela falta
de orientação da parte da Fundação
Nacional do Índio (Funai). Em resposta, o
órgão também está promovendo
uma série de consultas com organizações
indígenas e indigenistas. A determinação
do MMA é elaborar um documento com orientações
gerais para Funai e comunidades até o final
deste mês dentro do processo de discussão
que está ocorrendo com a sociedade civil
e governos estaduais.
Distribuição de
benefícios e financiamento
Uma das principais questões
relacionadas ao REDD+ é como distribuir de
forma justa os benefícios do mecanismo entre
populações indígenas e tradicionais,
governos federal, estaduais e municipais, diferentes
órgãos ligados a área ambiental.
Não se sabe ainda como isso será resolvido.
Rubens Gomes defende que, mais do que o pagamento
em dinheiro, as comunidades necessitam de políticas
públicas de desenvolvimento sustentável,
educação, saúde e transporte.
Outra questão central é
a forma de financiar o REDD+. Há restrições
da parte do governo federal sobre a criação
de um mercado de certificados de redução
de emissões. Ele atenderia a empresas nacionais
e internacionais ou países que precisam cumprir
com metas de redução de emissões
de gás carbônico. Além de investir
na mudança de tecnologia e fontes de energia
mais limpas em suas atividades, empresas ou países
poderiam comprar no mercado créditos de REDD+
para compensar uma pequena parte de suas metas,
como ocorre hoje no mercado de créditos de
carbono.
Neste ponto, mais uma vez os argumentos
do MMA voltam-se para a necessidade de amarrar a
comercialização desse tipo de crédito
à distribuição igualitária
de seus resultados e ao cumprimento de metas de
redução de emissões, inclusive
dos países ricos, de onde deve vir a demanda
de compradores. O tema é um dos mais espinhosos
nas negociações internacionais. Thaís
Juvenal diz que a visão do governo neste
momento é de que a maior parte dos investimentos
para REDD+ deveria vir da cooperação
internacional.
Virgílio Viana defende
que o Brasil adote como forma de financiamento tanto
as doações das nações
desenvolvidas quanto o mecanismo de mercado. Ele
lembra que países ricos estão em situação
financeira difícil e que é cada vez
mais difícil para o Brasil conseguir enquadrar-se
como um país pobre, o que restringe a ajuda
externa. Viana informa que o mercado dos créditos
de carbono movimenta atualmente cerca de US$ 130
bilhões. “Tenho defendido destinar 10% disso
para créditos de REDD. Seria muito difícil
conseguir isso com doações”.
O PL nº 5.586 foi originalmente
elaborado para regulamentar o comércio de
certificados de REDD. Daí a crítica
de que não teria considerado suas consequências
para as políticas de conservação
e mudanças climáticas. Já o
substitutivo de Rebecca Garcia acabou incorporando
várias das preocupações da
sociedade civil e do governo. Ele prevê a
instituição de um “sistema nacional
de REDD+”, que deverá estar apoiado no estabelecimento
de sistemas de monitoramento do desmatamento e degradação
por bioma, estimativas e níveis de referência
nacionais de emissões, entre outros. O documento
remete para o comitê nacional a atribuição
de criar o mercado de REDD. O colegiado seria presidido
pela administração federal e integrado
por sociedade civil, governos estaduais, cientistas
e empresários.