04/08/2010 - Com a galeria tomada
por lideranças de povos indígenas
de todo o Brasil, o Senado aprovou ontem o Projeto
de Lei de criação da Secretaria de
Saúde Indígena (Sesai) ligada ao Ministério
da Saúde, que passa a executar as atribuições
exercidas pela Fundação Nacional de
Saúde (Funasa), alvo de críticas e
denúncias de corrupção nos
dez anos em que cuidou da saúde dos índios.
Os próximos passos serão a sanção
do Presidente Lula e a expedição do
decreto de criação.
Terminada a votação,
os índios, emocionados, se reuniram na entrada
do Congresso e comemoraram a conquista, depois de
quase dois anos de mobilização intensa
das lideranças e das organizações
indígenas, que pediam o fim da participação
da Funasa no atendimento a eles. Dançando
em círculo, de mãos dadas, cantaram
a música puxada por Maria de Jesus Sobrinho,
a Dijé, da etnia Tremembé, do Ceará:
"Quem deu esse nó
não soube dar,
Esse nó tá dado, eu desato já.
Oi, desenrola essa corrente,
deixa o índio trabalhar.
Oi, desenrola essa corrente,
Deixa o índio trabalhar."
Na segunda-feira, dia 2, a Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) havia
divulgado em seu blog (http://blogapib.blogspot.com/)
um manifesto em que defendia a criação
da Sesai. No manifesto, eles explicavam: "Nós,
representantes do GT de Saúde Indígena,
do Fórum Permanente de Presidentes dos Conselhos
Distritais de Saúde Indígena (Condisi),
da Comissão Intersetorial de Saúde
Indígena do Conselho Nacional de Saúde,
das organizações indígenas
regionais organizadas ou vinculadas à Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), dos
profissionais da saúde e lideranças
indígenas de todo país, reunidos em
Brasília, no período de 2 a 5 de agosto
de 2010, vimos a público nos manifestar pela
aprovação, no Senado Federal, do Projeto
de Lei de Conversão (PLV) 08/2010, que cria
a Secretaria Especial de Saúde Indígena
(Sesai), no âmbito do Ministério da
Saúde."
No Senado, Edmundo Omore, Marcos Apurinã,
Maria de Jesus, Davi Yanomami e Jaci de Souza se
reúnem com a senadora Lúcia Vânia
Na semana anterior, o ISA havia
colocado em seu site a campanha "O momento
é decisivo para a saúde indígena",
solicitando o envio de cartas à relatora
do PLV, senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO),
e aos senadores líderes dos partidos e bancadas
para que aprovassem a criação da secretaria.
(Veja quadro no final do texto.) Em sua fala em
defesa da aprovação do Relatório
a senadora cumprimentou Maria de Jesus, representante
Tremembé, Edmundo Omore, Xavante, Marcos
Apurinã, Davi Kopenawa, Yanomami, e Jaci
de Souza, Macuxi da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra
do Sol, como alguns dos defensores das mudanças
no atendimento à saúde. Pouco antes
de entrar no plenário ela havia se reunido
com essas lidernaças em seu gabinete.
Para o presidente do conselho
fiscal da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
Agnelo Xavante, a aprovação foi uma
vitória da união em defesa da saúde
das crianças, das mulheres e dos idosos indígenas.
"Agora precisamos ter uma participação
transparente na secretaria."
Da mesma forma, Edmilson Terena,
que chorou muito no momento em que o presidente
do Senado José Sarney declarou aprovado o
projeto, disse que o trabalho está apenas
começando: "Temos de reorganizar um
subsistema que ficou emperrado no caos por 10 anos.
A perspectiva agora é de melhoria."
Clóvis Ambrósio,
Wapixana, presidente do Condisi Leste, de Roraima,
também acha que a aprovação
leva o atendimento à saúde indígena
a, como ele diz, recomeçar da estaca zero.
"É preciso fazer logo o planejamento
para modificar tudo o que tinha. Até o final
do ano precisamos ter definida toda a nova estrutura
da saúde na secretaria."
Secretaria terá de enfrentar
hepatite entre os Marubo
Marcos Apurinã, do Amazonas,
coordenador geral da Coiab, diz que a facilidade
com que os senadores aprovaram o PLV foi resultado
de um trabalho longo de pressão. "Deixamos
nossas aldeias para vir para cá, morar aqui
na Esplanada dos Ministérios, conversando,
fazendo pressão política, em defesa
da qualidade de vida e de saúde indígena."
Ele destaca um dos pontos mais
graves que a nova secretaria precisa resolver com
urgência: "No Vale do Javari, a hepatite
delta está muito grave entre os Marubo. Se
o problema não for atacado como emergência,
em 15 ou 20 anos não sobrará um indígena
Marubo vivo naquela área."
Marcos diz que está confiante:
"Acredito que a secretaria vai tirar a tristeza
da cara do índio e trocar por sorriso. Hoje
é só tristeza e luto. O índice
de mortalidade infantil nas aldeias é muito
alto." Mas faz uma advertência: "Não
queremos que a secretaria seja uma Funasa 2. Tem
de fazer gestão correta, desde a prevenção
até a cura. Tem de escolher pessoas com coração,
com sensibilidade, não fazer política
de saúde por baixo dos panos. Para trabalhar
com saúde de índio precisa ter coração
no peito. Essa gente da Funasa não tinha
coração, tinha uma pedra." Ele
entende que é preciso nomear logo o secretário
e dar autonomia imediata aos distritos. "Até
2011 já veremos algum bom resultado. Em 2012
vamos sorrir um sorriso bem grande."
Próximos passos
O secretário de Gestão
Estratégica e Participativa do Ministério
da Saúde, Antonio Alves, que coordenou Grupo
de Trabalho de Saúde Indígena na elaboração
da proposta que foi ao Congresso, também
comemorou a aprovação do projeto nesta
terça-feira. "O governo brasileiro está
cumprindo uma recomendação da Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que estabelece a necessidade de
ouvir os povos indígenas sempre que se tome
qualquer medida em relação a eles.
Eles têm de ser ouvidos, têm de participar."
E acrescenta que o grupo de trabalho tinha 26 membros,
dos quais 17 eram indígenas. "A própria
redação da Medida Provisória
passou pela aprovação das comunidades
indígenas, o que considero uma conquista
da democracia e uma vitória dos povos indígenas."
(Saiba mais sobre a consulta livre, prévia
e informada da Convenção 169 da OIT).
O secretário do Ministério
da Saúde explica o que representa, na prática,
a aprovação da secretaria: "A
Funasa é uma fundação, uma
autarquia, uma administração indireta,
e o fato de uma secretaria ser ligada ao ministro
na administração direta possibilitará
um entrosamento maior com outras secretarias do
ministério. Haverá um entrosamento
maior com as áreas do SUS e as secretarias
municipais e estaduais de saúde, que vão
ter de dar apoio na alta e na média complexidade.
Enfim, a União assume a execução
direta da atenção primária,
que é uma determinação do Tribunal
de Contas, do Ministério Público Federal,
e uma reivindicação dos povos indígenas."
Agora, o Presidente Lula tem um
prazo de 30 dias para sancionar o PLV. A expectativa
é que tão logo saia a publicação
da lei no Diário Oficial, seja expedido o
decreto de criação da secretaria "dando
uma nova estrutura aos 34 distritos de saúde
indígena, com cargos comissionados para que
eles possam se constituir como unidades gestoras
autônomas, com autonomia financeira e administrativa
e descentralizando essa ação para
a ponta, mais próximo possível da
realidade onde vivem os indígenas."
Cyberação enviou
mais de 1 600 cartas aos senadores
Em apenas cinco dias, 1604 cartas
foram enviadas aos senadores pedindo que votassem
o Projeto de Lei que criava a secretria especial
de saúde indígena. A campanha “O momento
é decisivo para a saúde indígena”,
foi ao ar no site do ISA na quinta-feira, dia 29
de julho e foi divulgada também por 168 tweets
e 104 retweets. No Facebook, 684 pessoas compartilharam
o link a partir do site da campanha, e a partir
daí houve mais 390 compartilhamentos e 217
avaliações positivas.