10 Setembro 2010
por Aldem Bourscheit
Os mais de 50 mil focos de
incêndio registrados pelo Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre janeiro e agosto
tornaram o Brasil líder mundial em queimadas
e distribuíram prejuízos ambientais
e econômicos. O Cerrado foi especialmente
afetado, afinal, 22 mil focos (44% do total) no
período ocorreram apenas no Mato Grosso,
Tocantins e Goiás – três dos oito estados
alcançados pelo bioma. Conforme o Inpe, a
quase totalidade dos incêndios se deve à
limpeza de pastos, preparação da terra
para cultivos, desmatamentos, colheita manual de
cana e vandalismo.
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“A floresta nos permite viver,
respirar, ter saúde e alimento”
14 Setembro 2010
Bruno Taitson, de Manoel Urbano (AC)
Ele aprendeu o ofício de pescador aos sete
anos, com o pai. José Amaro de Souza nasceu
há 53 anos no município de Manoel
Urbano (AC), onde atua desde 2007 como agente ambiental
voluntário, conscientizando as pessoas a
respeito da legislação ambiental e
alertando autoridades a respeito de violações
no Código Florestal. “Fico contente por poder
ajudar as pessoas e a natureza”, diz.
José Amaro se expressa
com grande articulação e demonstra
serenidade para falar de temas como aquecimento
global, desmatamento e comportamento humano. “Quem
queima e desmata se esquece que a floresta nos permite
viver, respirar, ter saúde e alimento”, ressalta,
apontando para as árvores enquanto caminha
por uma trilha que leva ao lago Santo Antônio,
onde pesca desde criança.
Ao chegar às margens do
lago, se depara com uma cena interessante. Uma cobra
devora calmamente um sapo – apenas pode-se ver uma
das patas do anfíbio, enquanto a serpente
se esticava para tentar engolir sua presa. “Chamamos
essa aí de cobra preta, é muito venenosa.
Ela está comendo o almoço dela, na
casa dela, a gente tem que respeitar. Sempre que
vejo uma cobra no meu caminho eu desvio dela. Não
pode matar, ela também é uma vida.
Todo mundo tem que ser rei dentro de sua casa, não
é?”
José Amaro rema pelas águas
do Santo Antônio, que integra um conjunto
de outros 15 lagos em Manoel Urbano, formados pelas
águas do rio Purus, um importante afluente
do Amazonas. Ele fala calmamente, observando com
cumplicidade o local em que navega desde a infância.
“Quando tinha de sete a dez anos
de idade, ia pescar com meu pai e a gente apanhava
três ou quatro tambaquis de cada vez. Agora,
a gente pode sair por 30 dias que não vê
nenhum tambaqui. Mudou tudo, né?”, conta
o pescador, que integra um grupo que promove o manejo
da pesca, com apoio do Governo do Acre e do WWF-Brasil,
para disciplinar a captura do pirarucu e assegurar
a sustentabilidade da atividade pesqueira.
Ele desce do barco e caminha novamente
entre as árvores, ao som do canto dos pássaros.
“Na floresta tem sempre um vento gostoso, a gente
sempre se sente bem aqui. Esses dias fui a Rio Branco
e quase me sufoquei de tanto calor, porque tiraram
a floresta de lá pra fazer a cidade. Eu nasci
na floresta, ela é minha vida”, continua.
Ao passar por uma enorme seringueira,
José Amaro se emociona. “Tenho muito estima
por esta árvore, pode-se dizer que ela é
a mãe de milhares de famílias na Amazônia.
Ela não dá o leite que a mãe
dá no peito para a criança, mas ela
dá o leite que vira borracha e sustenta um
monte de família aqui”, relata, valendo-se
de uma metáfora que poderia estar na obra
de um grande mestre da poesia ou da literatura.
José Amaro conta que, durante
a infância, ouviu muita história de
onça comendo gente, devorando animais nas
fazendas e ameaçando as pessoas. “Eu mesmo
nunca tive raiva de onça. Lá na nossa
colônia [termo usado para denominar pequena
propriedade familiar] elas sempre comiam porcos,
mas a gente não ligava porque tinha muito
porco. As fazendas acabaram com a floresta, que
é a casa e o alimento da onça. Mas
ela precisa comer, então é certo que
ela coma um bezerro ou um porquinho, né?
É muito triste a vida dos bichos da floresta”,
opina.
O pescador, já no
caminho de volta para a cidade, diz que antigamente
as pessoas achavam certo caçar, pescar e
desmatar sem controle, mas que isso tem que mudar.
“Coisa errada, todo mundo aprende mesmo, não
pode é continuar no errado. Na vida a pessoa
tem que aprender de tudo e usar o que convém”,
conclui José Amaro, com a sabedoria adquirida
durante mais de meio século vivendo em harmonia
com plantas e animais.