02 Setembro 2010
Gadelha Neto, WWF-Brasil
Neste exato momento, dia
2 de setembro de 2010 às 16h, 1.913 focos
de incêndio florestal queimam pelo Brasil
afora, de acordo com os dados coletados pelo Instituto
de Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde
a zero hora do dia 1º.
Desde janeiro até agora,
o Inpe já registrou um total de 49.427 pontos
de incêndio, número que supera o mesmo
período do ano passado em 161% e pode bater
o recorde dos últimos cinco anos, que é
de 59.915 focos, no mesmo período, em 2007.
Condições severas
de clima seco, com umidade relativa variando na
casa dos 20% somadas às altas temperaturas,
em especial na região central do Brasil,
com uma média de 30 a 35ºC vêm
favorecendo a ocorrência de incêndios
acidentais e queimadas ilegais, principalmente nas
regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste.
E o fogo, evidentemente, não
se mantém longe das áreas protegidas.
Neste momento, estão ocorrendo 107 focos
de incêndio em áreas protegidas, sejam
unidades de conservação estaduais
e federais ou terras indígenas, dentro das
suas áreas ou em seu entorno – nas chamadas
zonas de amortecimento.
Fator Código Florestal
– Além dos fatores climáticos, a maior
ocorrência de incêndios este ano pode
estar ligada à dinâmica agrícola,
segundo Alberto Setzer, coordenador de Monitoramento
de Incêndios Florestais do Inpe. Isto, por
sua vez, pode, na sua opinião, estar relacionado
com as incertezas geradas pela reforma do Código
Floretal Brasileiro, que tramita no Congresso.
“As queimadas que estamos detectando
ainda não vão aparecer nas próximas
taxas anuais de desmatamento, mas a degradação
intensa facilita o desmatamento ilegal e, em breve,
muitas destas áreas deixarão se ser
floresta e se transformarão em outra coisa”,
disse Setzer. De fato, as queimadas são o
primeiro e mais barato passo para a “limpeza” de
áreas de floresta.
A secretária geral do WWF-Brazil,
Denise Hamú, concorda com a possibilidade
de que as queimadas ilegais estejam ocorrendo em
função das discussões sobre
o Código Florestal.
“O futuro incerto do Código
Florestal pode perfeitamente ser a causa de alguns
destes incêndios criminosos. A possibilidade
de redução das áreas de proteção
permanentes pode estar encorajando os fazendeiros
a preparar novas áreas para a agropecuária,
com um olho nas emendas que tramitam no Congresso”,
disse Hamú.
Supõe-se que o Governo
Federal também já desconfie disto,
já que a ministra Izabella Teixeira, do Meio
Ambiente, ordenou uma auditoria rigorosa sobre as
queimadas deste ano. “A maioria destes incêndios
são, de fato, causados pela pelas usuais
práticas ilegais”, avaliou a ministra.
Mudanças Climáticas
– Leis severas e políticas públicas
fortes parecem ser as únicas medidas de adaptação
possíveis diante das futuras mudanças
climáticas, no que tange aos incêndios
florestais. Esta é a opinião de um
dos mais respeitados pesquisadores do clima no Brasil,
Antonio Marengo, do Centro de Ciências do
Sistema Terrestre do Inpe.
“Não podemos afirmar que
o cenário diferente que assistimos agora
seja causado por mudanças climáticas.
Mas este é, sem dúvida, um retrato
do que poderá ocorrer no futuro, quando secas
mais prolongadas e severas e temperaturas mais altas
serão mais frequentes, analisou Marengo.
Ele acredita que não há
muito o que ser feito senão preparar autoridades,
populações, hospitais e bombeiros
para mais poluição, doenças
pulmonares e acidentes.
“Evidentemente, estas são
medidas paliativas mas não há muito
mais o que possa ser feito, já que o uso
do fogo pela agricultura é cultural no Brasil”,
disse, acrescentando que a esperança está
na educação para as futuras gerações.
+ Mais
Contas nacionais e o incalculável
valor da natureza
03 Setembro 2010
Por Nathalia Clark
WWF-Brasil
Como calcular as vantagens a longo prazo de se conservar
rios e mares para a economia pesqueira? Ou, no campo
mais lúdico, como medir a satisfação
de um banho de cachoeira, em água limpa e
sem cloro? Ou mesmo a sensação de
fluidez que é respirar um ar realmente puro?
Com as queimadas dos últimos tempos, a perda
crescente de biodiversidade, a ameaça das
mudanças climáticas e os efeitos decorrentes
dessas alterações, a população
tende a cada vez menos poder experimentar esses
prazeres, que nada mais são do que princípios
básicos de bem-estar.
A sociedade começa a passar
por situações cada vez mais difíceis
e diretamente ligadas a alterações
nos ecossistemas. E é só assim, com
a falta, que percebemos o verdadeiro valor dos benefícios
que os recursos naturais e a diversidade biológica
trazem à vida cotidiana das pessoas em todo
o mundo. Portanto, mensurar o valor dos serviços
prestados pelo meio ambiente e a sua importância
é urgente para que as tomadas de decisão
no âmbito ambiental, econômico e político
sejam melhor embasadas.
Na 10ª Conferência
das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica (COP 10/CDB), a ser realizada em
outubro em Nagóia (Japão), o governo
brasileiro pretende levantar essa bandeira e ressaltar
a necessidade de se medir os custos do desmatamento,
das mudanças climáticas e da perda
da biodiversidade, que, segundo Carlos Eduardo Young,
pesquisador e professor do Instituto de Economia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
já estão sendo sentidos no bolso da
sociedade.
UCs como vetor principal de conservação
O potencial econômico das
Unidades de Conservação (UCs) e áreas
protegidas do Brasil foi o tema da terceira sessão
de debates do Seminário de Atualização
para Jornalistas sobre Biodiversidade, organizado
pelo WWF-Brasil, em São Paulo, nos dias 1
e 2 de setembro de 2010 e que discutiu as principais
metas nacionais de biodiversidade para este ano,
e o Plano Estratégico da CDB para 2020.
O Ministério do Meio Ambiente
(MMA), em parceria com o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a UFRJ, prepara
um estudo para levar à COP 10. O objetivo
do estudo é elaborar um diagnóstico
das oportunidades econômicas que as áreas
de preservação, aliadas à conservação
dos ecossistemas, oferecem.
Para Fábio França,
diretor do Departamento de Áreas Protegidas
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a criação
de UCs e o reconhecimento do valor dessas iniciativas
por parte da sociedade e, principalmente, dos tomadores
de decisão, é fundamental para a política
nacional de contenção do desmatamento
e para o alcance das metas mundiais de conservação.
“Reconhecendo que essas áreas
não estão isoladas do processo de
desenvolvimento, mas, ao contrário, são
áreas onde podemos promover atividades compatíveis
com a conservação da natureza e da
biodiversidade, podemos contribuir de fato com o
desenvolvimento justo e sustentável da sociedade.
Devemos ter clareza do valor dessas áreas
e estudar na economia formal quanto valem essas
áreas e os ecossistemas que elas resguardam,
bem como os custos dessa perda definitiva”, afirmou.
Recursos finitos e alternativas
sustentáveis
Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade
da Natura, comparou a visão atual da sociedade
brasileira com a de seu filho de três anos,
que crê haver sempre dinheiro disponível
na conta bancária de seu pai.
“Desprezamos o fato de que para
crescer precisamos das plantas e elas de uma infinidade
de microorganismos no subsolo, do regime de águas,
que por sua vez é dependente da vegetação
e da biodiversidade, e de uma série de outros
recursos provenientes da natureza. Por analogia,
somos tão infantis quanto meu filho, ao achar
que o banco é uma fonte infinita de renda
ou que basta plantar para colher ou expandir as
frentes de crescimento econômico e que elas
continuarão sempre existindo. Por isso, escolhemos
o uso sustentável da biodiversidade como
vetor de desenvolvimento e crescimento, gerando
valor para os negócios”, disse ele.
Segundo ele, que defende o envolvimento
do setor empresarial com o uso sustentável
dos recursos, promover o desenvolvimento social
aliado à conservação é
fundamental. “A abordagem da Natura é dar
opções de subsistência. Por
exemplo, para produzir a castanha que é extraída
da floresta e que é matéria-prima
dos nossos produtos, tem que se manter a floresta
em pé, e valorizar as comunidades extrativistas.
Assim, o ciclo da conservação se completa”,
ressaltou.
Déficit orçamentário
Desde a criação
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) houve um crescimento expressivo de unidades
de conservação no Brasil, o aumento
foi de 80% nos últimos 10 anos. O Brasil
foi responsável por 70% da criação
de unidades de conservação em todo
o mundo e esse esforço foi reconhecido mundialmente.
No entanto, mesmo com o aumento do número
de áreas protegidas, Fábio França
ressalta que o aporte orçamentário
não seguiu essa tendência de crescimento
e permanece baixo.
“Se não ocorrerem iniciativas
imediatas para manutenção dessas áreas
recém-criadas, em termos de suporte financeiro
e de capacitação de funcionários,
todos os esforços conquistados até
agora irão retroceder. É fundamental
investir nessas áreas, e o Brasil ainda está
muito atrasado nesse sentido”, afirmou. Segundo
ele, o país ocupa o sexto lugar no ranking
mundial de investimento em unidades de conservação,
mas os recursos destinados representam apenas metade
do que é necessário para manter minimamente
essas áreas.
Ainda segundo França, há
uma concepção difundida pelo mundo
de que quando se cria uma unidade de conservação
ou quando se delimita uma área protegida,
ela fica ilhada do processo de desenvolvimento econômico.
Segundo ele, “mesmo as unidades de uso mais restrito,
reservadas à pesquisa e educação
ambiental, proporcionam uma contribuição
econômica significativa, que é a obtenção
de recursos genéticos para melhoria de tecnologia
agrícola, por exemplo".
Lucas Mation, pesquisador do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmou
que, em 2009, foi instituída uma coordenação
dedicada especificamente à área ambiental,
constituída inicialmente por 12 técnicos,
que passou a produzir estudos que antes não
se esperava de uma casa de economistas: estudos
sobre repartição de benefícios,
valoração dos dejetos, do lixo, da
biodiversidade, etc. “Nossa intenção
é estabelecer uma ponte entre a academia
e o governo”, explicou.
Inclusão dos passivos ambientais
nas contas nacionais
Para o economista Carlos Eduardo
Young, “preço é um acontecimento de
mercado, um evento de mercado. Valor é uma
coisa distinta, derivado da utilidade que tem para
cada indivíduo, que parte do nível
de satisfação. Natureza tem muito
valor, mas não necessariamente tem preço”,
afirmou.
Para Young, a questão crucial
é definir qual a lógica do crescimento
econômico. “O questionamento é porquê
a gente deveria aceitar como dado que é melhor
para a economia derrubar a floresta do que mantê-la
em pé? É possível calcular
o custo de não fazer um empreendimento? A
conta que a gente ainda não tem é
o valor do ecossistema, porque é difícil
ainda saber, depende de muito mais informação.
Estamos trabalhando nessa busca. Conservar gera
serviços ambientais que contribuem para o
desenvolvimento”, afirmou.
Young falou ainda no custo inverso,
aquele que pagamos por causa de práticas
insustentáveis. E finalizou sua fala com
a alarmante ressalva das emissões de gases
do efeito estufa. Segundo ele, 58% de todas as emissões
do país são decorrentes da mudança
de uso do solo, e com ela o desmatamento.
“A floresta é um
grande absorvedor de carbono. Queimar floresta é
jogar carbono na atmosfera. Uma coisa é você
cortar o cabelo, que dá força, outra
muito diferente é arrancar o couro cabeludo”,
disse ele, em analogia a uma prática comum
a todos.