17/09/2010 - 15:50
Um estudo publicado na edição desta
sexta-feira (17) da revista Science, realizado na
Amazônia, elucida uma série de mecanismos
de interação
entre a floresta e o clima da região Amazônica,
por meio da emissão de partículas
de aerossóis – partículas sólidas
ou líquidas suspensas na atmosfera.
Coordenado por Paulo Artaxo, professor
do Instituto de Física da Universidade de
São Paulo (USP) e membro da coordenação
do programa de pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais da Fundação de Apoio à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
o trabalho teve a participação de
pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados
Unidos, do Instituto Max Planck da Alemanha, do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa/MCT) e de outras instituições.
A Amazônia é uma
das poucas regiões continentais em que as
partículas de aerossóis e seus efeitos
climáticos não são dominados
por fontes antropogênicas – derivadas da ação
humana. Na estação chuvosa, as condições
atmosféricas da Amazônia lembram as
condições limpas pré-industriais
do ponto de vista das partículas de aerossóis.
“Foram medidas concentrações
ultrabaixas de partículas, de cerca de 200
partículas por centímetro cúbico,
enquanto em área continentais no hemisfério
Norte esta concentração é de
cerca de 20 mil a 30 mil partículas por centímetro
cúbico, por causa da poluição
sempre presente”, explicou Artaxo.
O estudo mostra que a Amazônia
é um forte reator biogeoquímico, no
qual a biosfera e a atmosfera produzem núcleos
para a formação de nuvens e sustentam
o vigoroso ciclo hidrológico na região.
“O regime de interações aerossóis-nuvens-precipitação
nesse ambiente natural é muito distinto de
regiões poluídas de nosso planeta”,
diz.
O estudo revelou mecanismos em
que a floresta emite diretamente partículas
que são chave na nucleação
de nuvens. As propriedades físico-químicas
dessas partículas revelam mecanismos de formação
de aerossóis secundários na atmosfera
da Amazônia que são muito particulares.
“Cerca de 85% da massa de aerossóis
da fração fina das partículas
(aerossóis menores que 2,5 micrometros) é
constituída de partículas orgânicas,
em forte contraste com áreas oceânicas
e áreas continentais poluídas, dominadas
por compostos inorgânicos tais como sulfatos
e nitratos”, diz Artaxo.
O estudo mostrou que a composição
das partículas de aerossóis na Amazônia
é muito particular e reflete como eram as
condições atmosféricas nos
ecossistemas terrestres há milhares de anos,
antes da poluição generalizada que
caracteriza a atmosfera continental atual, em particular
no hemisfério Norte.
A Amazônia é uma
das poucas regiões continentais (a outra
é a Antártica) em que ainda é
possível observar condições
atmosféricas extremamente limpas durante
a estação chuvosa, que foi quando
o estudo foi realizado.
O estudo mostra que as partículas
submicrométricas, que são a maior
parte dos núcleos de condensação
de nuvens, são predominantemente compostas
de material orgânico secundário formado
na atmosfera pela oxidação de compostos
biogênicos gasosos emitidos pela vegetação.
“Compostos voláteis gasosos
emitidos para a atmosfera pelas plantas são
oxidados por reações com ozônio
e radicais hidroxila que mudam sua estrutura química
adicionando átomos de oxigênio. Isso
faz com que estes compostos sejam menos voláteis
e condensam formando novas partículas ou
se condensando em partículas pré-existentes”,
diz Artaxo.
Essas partículas servem
como núcleos nos quais vapor de água
atmosférico condensa e nuvens são
formadas. Esses mecanismos são fundamentais
para o ciclo hidrológico da Amazônia
e no balanço radiativo atmosférico.
Por outro lado, as partículas maiores que
um micrometro são emitidas diretamente pela
vegetação e constituem uma fração
majoritária dos núcleos de condensação
de gelo, que formam nuvens convectivas profundas
e congeladas na Amazônia.
“Núcleos de gelo que são
necessários para a formação
de nuvens profundas na Amazônia foram observados
como sendo originários majoritariamente de
processos biológicos, emitidos pela vegetação
como partículas primárias”, diz o
pesquisador que coordena hoje o Projeto Temático
Aeroclima – Efeitos diretos e indiretos de aerossóis
no clima na Amazônia e no Pantanal.
O estudo, que teve apoio financeiro
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq/MCT), da National Science
Foundation (Estados Unidos) e do Instituto Max Planck,
entre outras agências de fomento, mostra também
que o número e o tamanho de partículas
de aerossóis é mais importante do
que as propriedades das partículas de absorver
líquidos. Isso tem implicações
importantes nos mecanismos de produção
de nuvens convectivas sobre a Amazônia.
“As implicações
do estudo indicam que as atividades humanas estão
definitivamente alterando de modo intenso as propriedades
atmosféricas em amplas áreas de nosso
planeta, e os mecanismos de formação
e desenvolvimento de nuvens estão sendo modificados
pela ação do homem”, afirma Artaxo.
“A alta atividade biológica
controlando processos atmosféricos da região
Amazônica mostra que os seres vivos de nosso
planeta de certo modo moldam o meio ambiente de
acordo com suas necessidades. Mas, quando a poluição
industrial domina, esses mecanismos são suprimidos.
Para entender o futuro do clima de nosso planeta,
precisamos compreender como o clima era formado
antes do advento da revolução industrial
e a contaminação atmosférica
que ocorreu nos últimos séculos”,
diz.
Segundo o pesquisador, o
estudo adiciona mecanismos científicos mais
sólidos para entender o papel da floresta
amazônica no clima global, e como as alterações
no uso do solo em curso na Amazônia podem
influenciar o clima da região e do planeta
como um todo.
Além de Artaxo, o artigo é assinado
pelos brasileiros Theotonio Mendes Pauliquevis,
da USP, e Antônio Manzi, do Inpa.