A coleta do Censo do IBGE anda
atrasada no Amazonas, e não é só
pelas imensas dimensões do estado. Segundo
o instituto, a vazante dos rios tem feito os recenseadores
se desdobrarem para alcançar alguns pontos
da Zona Rural. Com o leito seco em muitos rios
e igarapés, é difícil chegar
aos domicílios. O Amazonas está em
último lugar na contagem de casas que já
foram visitadas por todo o Brasil.
“Os barcos maiores não
estão passando em muitos igarapés.
Só dá para ir de canoa. E às
vezes, nem isso. Tive que ir a pé para chegar
em algumas comunidades”, conta Alcione Lopes, de
34 anos e que está fazendo o recenseamento
na zona rural de Manaquiri. Não está
sendo fácil, e alguns trajetos que ela faria
em 15 minutos de barco têm levado uma hora
de pé no chão. “Para atravessar é
muito ruim, pois os igarapés que secaram
ficaram cheias de poças de lama. Em alguns
lugares, cheguei a ficar com lama até a metade
da perna. Meu cronograma era fazer 15 casas por
dia, mas desse jeito não faço nem
oito”.
Se os recenseadores têm
enfrentado obstáculos, quem está do
outro lado da margem sofre ainda mais. Até
agora, a Defesa Civil decretou situação
de emergência em 21 municípios do estado
– a maioria na porção oeste – afetando
mais de 140 mil pessoas. Isoladas, muitas comunidades
ficam sem água, transporte ou alimento, pois
é dos rios que elas tiram esses recursos
e é por eles que transitam. Doenças
como diarreia, dengue e malária se espalham
com mais facilidade. “Essas pessoas dependem do
rio para beber e comer. A vida delas gira em torno
desses leitos. Quando secam, a situação
fica difícil”, observa Alcione.
Segundo o Serviço Geológico
do Brasil (CPRM), o ponto mais crítico da
vazante esse ano foi no oeste do estado do Amazonas,
em Tabatinga, por onde passa o rio Solimões.
Lá, o leito ficou 36 centímetros abaixo
da marca de 1963, quando a estiagem bateu recordes
na região. Mas de acordo com técnicos
do CPRM e do Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmet), o nível dos rios já voltou
a subir com as chuvas dos últimos dias. A
previsão é que, por conta do La Niña,
as chuvas sejam antecipadas esse ano.
O fenômeno das cheias e
da vazante é comum nos rios amazônicos,
em uma região que todo ano passa por períodos
de seca e de precipitações. A Defesa
Civil, inclusive, já está acostumada
a operações desse tipo, tanto em época
de estiagem, como em enchentes. Mas em alguns anos,
a situação piora. Ano passado, por
exemplo, o órgão teve trabalho redobrado
quando 58 dos 61 municípios do Amazonas anunciaram
situação de emergência frente
as águas que não paravam de subir.
Em 2005, a seca também castigou com proporções
sem precedentes.
Eventos extremos como esse prometem
se tornar mais comuns daqui para frente. Ainda que
não dê para afirmar com todas as letras
que esses fenômenos estão ligados às
mudanças climáticas, os impactos do
homem no meio ambiente têm gerado inegáveis
desequilíbrios nos ecossistemas e ciclos
naturais.
Esse ano, o governo já
anunciou que deve liberar cerca de R$ 4 milhões
para cobrir os problemas causados pela estiagem
no Amazonas. Quando as enchentes chegarem, mais
alguns milhões devem tapar os novos estragos.
Aguardando a liberação dos recursos,
a Defesa Civil espera começar uma operação
semana que vem nas áreas mais críticas,
levando mantimentos, remédios, produtos de
higiene pessoal e purificadores de água.
Quando vêm com força,
tanto a seca quanto a subida dos rios traumatizam
quem está na linha de frente. Mas isso passa,
com ajuda dos recursos que brotam para tapar o sol
com a peneira. Quanto às mudanças
estruturais que poderiam evitar prejuízos
nas temporadas seguintes, ninguém fala nada.
Como parte do trabalho que desenvolve
na Amazônia, o Greenpeace está acompanhando
os altos e baixos da estiagem esse ano, usando dados
de órgãos que fazem esse monitoramento.
Para ver os dois boletins produzidos por nossa equipe
de geoprocessamento.
+ Mais
Soja ameaça terras indígenas
Relatório de ONG Repórter
Brasil expõe um problema que poucos querem
ver: a produção de soja ameaça
populações indígenas já
fragilizadas.
A produção de soja no Mato Grosso
vem causando desmatamento e contaminação
por agrotóxicos de áreas indígenas,
ameaçando a segurança alimentar de
populações que nelas vivem, segundo
estudo da ONG Repórter Brasil divulgado nesta
semana. O caso mais emblemático envolve a
Terra Indígena (TI) Maraiwatsede, entre os
municípios de Alto da Boa Vista e Bom Jesus
do Araguaia, com indícios de envolvimento
de grandes comercializadoras de grãos como
compradores dessa produção.
Oficialmente criada em 1998 pelo
governo federal, a TI Maraiwatsede tem 165 mil hectares
e, segundo o estudo, 90% de seu território
ocupado ilegalmente por fazendeiros, em sua maioria
criadores de gado e produtores de grãos.
O Repórter Brasil diz que,
juntas, essas atividades são responsáveis
por um dos maiores desmatamentos em áreas
protegidas do estado do Mato Grosso: 45% da mata
nativa de Maraiwatsede foi destruída, com
base em dados do Relatório 2010 do Programa
de Monitoramento de Áreas Especiais do Sistema
de Proteção da Amazônia (Sipam).
Para Paulo Adario, diretor da
Campanha Amazônia do Greenpeace, o relatório
mostra que apesar dos esforços da indústria
da soja em bloquear a produção oriunda
de áreas desmatadas após 2006, quando
foi anunciada a moratória da soja, o setor
ainda tem problemas a resolver.
Adario, que também é
coordenador, pela sociedade civil, do Grupo de Trabalho
da Soja (GTS), criado para implementar a moratória,
diz que o estudo do Repórter Brasil desafia
a indústria a adotar ferramentas adicionais
de rastreamento da produção para manter
a credibilidade que adquiriram junto ao mercado
e à sociedade por conta do compromisso de
2006.
O monitoramento adotado pelo GTS
para garantir que as comercializadoras não
comprem soja vinda de novos desmatamentos não
inclui terras indígenas e unidades de conservação,
pois a priori tais áreas não foram
concebidas para abrigar produção do
grão. A moratória tampouco inclui,
até agora, o monitoramento em assentamentos,
em tese destinados à agricultura de base
familiar. “Está mais do que na hora de rever
tais critérios”, conclui Adario.
+ Mais
A biodiversidade aponta o culpado
Um estudo de cinco anos conduzido
por pesquisadores do Jardim Botânico Real,
na Inglaterra, concluiu que mais de um quinto das
espécies de plantas do mundo estão
hoje sob ameaça de extinção.
O anúncio, fruto do mais completo relatório
já elaborado sobre o tema, acontece às
vésperas do encontro da ONU sobre biodiversidade,
em Nagoya, no Japão.
Para a pesquisa foram usados os
arquivos do Jardim Botânico e do Museu de
História Natural de Londres, que juntos reúnem
cerca de 13 milhões de espécies, e
dados da organização União
Internacional para a Conservação da
Natureza (IUCN).
Os resultados apontam a atividade
humana – entre elas, agricultura e desmatamentos
- como sendo a principal causa de ameaças
a mais de 380 mil espécies do mundo, com
impressionantes 81%, contra 19% de responsabilidade
de causas ditas naturais. Florestas tropicais estão
no topo das mais ameaçadas.
“Estas conclusões reforçam
a necessidade de tomarmos ações urgentes
para acabar com desmatamentos até 2020, não
apenas por causa da biodiversidade da flora, mas
também por conta das mudanças climáticas”,
diz Christoph Thies, coordenador da Campanha de
Florestas.
“No mundo, a cada dois segundos,
uma área de florestas do tamanho de um campo
de futebol desaparece. O desmatamento é a
causa de um quinto das emissões de gases
de efeito estufa globais, mais do que todos os carros,
aviões e trens do mundo somados”, complementa
Thies.
Representantes de 193 países
estarão reunidos em Nagoya para a 10ª
Conferência das Partes da Organização
das Nações Unidas sobre Diversidade
Biológica. O objetivo é o de chegar
a metas comuns de redução das perdas.
+ Mais
As águas voltam a subir
Voltou a chover no oeste do Amazonas.
Por enquanto, a Defesa Civil continua com a lista
de 21 municípios em situação
de emergência, por conta da vazante dos rios.
Mas a julgar pelo monitoramento que o Greenpeace
tem feito da situação e pela documentação
que fez num sobrevoo nos últimos dias, 2010
não deve ser um ano para entrar na história
das piores secas.
Nos gráficos montados com
informações do Serviço Geológico
Brasileiro (CPRM), o nível das águas
em algumas regiões beirou as curvas dos anos
que tiveram as vazantes mais intensas. Mas, aparentemente,
o quadro já está se revertendo e o
período de seca será menor que nos
piores anos. “Em Tabatinga, por exemplo, o Solimões
desceu mais que a pior vazante registrada, em 2005.
Mas isso durou apenas duas semanas, enquanto naquele
ano se arrastou por quase dois meses”, observa Rafael
Cruz, da campanha Amazônia do Greenpeace.
O time de ativistas sobrevoou
19 municípios, dos quais três estavam
em estado de alerta e 13 em situação
de emergência. Fonte Boa e Uarini pareciam
ser os mais castigados, conta Cruz: “Nos igarapés
a gente só via um filete de água,
e os portos ali estavam bastante secos”. Nos demais
municípios, havia embarcações
atracadas normalmente, e em uma visita por terra
ao porto de Tabatinga, a equipe constatou que ele
funcionava sem problemas.
O fenômeno das cheias e
da vazante é comum nos rios amazônicos,
em uma região que todo ano passa por períodos
de seca e de precipitações. Sem a
presença do Estado, a cada temporada, comunidades
sofrem com o isolamento e com enchentes. Para sanar
os problemas que chegaram com a vazante esse ano,
o governo prometeu R$ 4 milhões. Mas para
políticas estruturais voltadas à região,
nem sinal de desembolso.