Entre as espécies descobertas,
há plantas, rãs, roedores, aranhas
e outros insetos
Arglington, Virgínia, EUA,
06 de outubro de 2010 — Uma aranha de cor laranja,
um ouriçado gafanhoto de patas espinhosas,
um camundongo de cauda branca e uma minúscula
rã nariguda foram encontrados entre 200 extraordinárias
novas espécies de plantas e animais que foram
descobertas no ano passado em apenas dois meses
de exploração no interior da floresta
tropical localizada sobre as remotas montanhas de
Papua Nova Guiné.
Coordenada pelo Programa de Avaliação
Rápida (RAP, da sigla em inglês) da
Conservação Internacional (CI), em
parceria com o Instituto de Pesquisa Biológica
de Papua Nova Guiné e com A Rocha International,
duas equipes científicas fizeram as extraordinárias
descobertas nos inóspitos e pouco conhecidos
montes Nakanai e Cordilheira Muller, em 2009. As
pesquisas realizadas fazem parte dos esforços
globais da CI para documentar a biodiversidade de
ambientes ricos em espécies, porém
pouco conhecidos, e destacar sua relevância
para auxiliar as comunidades locais a determinar
as prioridades de conservação para
o desenvolvimento futuro.
Dentre as descobertas estão
vinte e quatro novas espécies de rãs,
dois novos mamíferos, nove espécies
de plantas, quase 100 novos insetos incluindo libélulas,
gafanhotos e formigas, e aproximadamente 100 novas
aranhas. Vale ressaltar que muitos gafanhotos e
pelo menos uma formiga e um mamífero são
tão diferentes de quaisquer outras espécies
conhecidas que representam gêneros totalmente
novos.
Nas montanhas Nakanai, na grande
ilha da Nova Bretanha, situada no Pacífico
Ocidental, os cientistas da CI trabalharam com as
comunidades locais para avaliar espécies
novas, endêmicas e até então
não descritas em três locais, variando
das terras baixas até grandes elevações
nas inóspitas montanhas recobertas pela floresta
tropical. As montanhas Nakanai acolhem alguns dos
maiores rios subterrâneos do mundo e espetaculares
sistemas de cavernas, que favoreceram sua indicação
para o status de Patrimônio da Humanidade
pelo Departamento de Meio Ambiente e Conservação
da Papua Nova Guiné.
Entre os destaques das pesquisas
em Nakanai encontram-se as descobertas de uma nova
e bela rã malhada de amarelo (Platymantis
sp. nov.), encontrada apenas nas florestas tropicais
úmidas das grandes altitudes montanhosas,
bem como uma pequena e singular rã verdadeira
(Batrachylodes sp. nov.) que tem apenas dois centímetros
de comprimento. Diferentemente da maioria de seus
parentes que chamam as fêmeas à noite,
a nova rã verdadeira faz seu chamamento no
final da tarde, depois das torrenciais tempestades
tropicais. Stephen Richards, herpetólogo
e líder da equipe RAP, descreveu o animal
como a mais emocionante e surpreendente descoberta
herpetológica resultante das pesquisas, por
pertencer a um grupo de rãs que só
era encontrado nas Ilhas Salomão, mais a
leste.
Nas montanhas Nakanai foi também descoberto
um camundongo peculiar, com cauda de ponta branca,
capturado em um local de grande altitude (1.590
m acima do nível do mar). Embora parecido
com os camundongos arborícolas da Nova Guiné,
os cientistas informam que essa notável nova
espécie não tem parentes próximos
e representa um gênero totalmente novo.
“Sabendo que as Montanhas Nakanai
e a Cordilheira Muller constam da Lista Tentativa
do Patrimônio da Humanidade da Unesco, esperamos
que a notícia a respeito da descoberta dessas
maravilhosas espécies contribua para a indicação
destes ambientes espetaculares para inclusão
no status de Patrimônio da Humanidade”, afirma
Richards.
Durante a pesquisa feita na Cordilheira
Muller em setembro de 2009, os pesquisadores, incluindo
Leanne Alonso, entomologista da CI e diretora do
RAP, passaram uma semana em cada um dos três
acampamentos nas altitudes de 500, 1.600 e 2.875
metros para documentar os distintos habitats e a
biodiversidade destas diferentes altitudes, onde
descobriram o que Alonso descreveu como uma “variedade
espetacular” de novas formigas, aranhas, rãs
e gafanhotos.
Foram documentados durante a expedição
à Cordilheira Muller um gafanhoto verde-esmeralda
de padrão incomum (Mossula sp. nov. 1), um
gafanhoto de olhos cor-de-rosa brilhantes que vive
no dossel da floresta (Caedicia), e também
um gafanhoto de pernas espinhosas (Mossula sp. nov.)
que tem um mecanismo de defesa curioso: quando é
ameaçado, levanta suas longas e espinhosas
pernas verticalmente acima da cabeça para
espetar predadores, comportamento que Piotr Naskrecki,
do RAP, descreveu, depois de experiência em
primeira mão, como sendo “muito doloroso”.
Também foram encontradas
em abundância espécies de rododendro
(plantas do gênero Rhododendron) com impressionantes
flores brancas grandes. O rododendro encontra-se
entre as plantas mais procuradas no sudeste asiático
e na Melanésia devido ao seu valor ornamental,
e a Nova Guiné é um centro bem conhecido
pela diversidade dessas plantas.
A única forma de acesso
aos locais remotos visitados na expedição
foi através do uso combinado de diferentes
meios de transporte, como pequenos aviões,
barcos, caminhadas ou um helicóptero generosamente
fornecido pela Mina Porgera, que fica nas proximidades.
Porém, o inóspito terreno de Papua
Nova Guiné e as dificuldades de acesso podem
também ser os mais poderosos aliados da conservação
em muitas partes do país, onde ainda resta
muito a descobrir. Ao mesmo tempo, algumas florestas
da Nova Guiné estão enfrentando ameaças
crescentes, não apenas da agricultura de
subsistência como também, mais recentemente,
de madeireiros e produtores de óleo de palmeira.
Nas montanhas Nakanai, o programa da CI em Papua
Nova Guiné tem trabalhado com o Governo Provincial
da Nova Bretanha Oriental e com as comunidades locais
para proteger uma grande mancha de floresta tropical,
onde as comunidades não querem a extração
madeireira em suas terras. Logo depois das pesquisas
do RAP, os membros da comunidade local, tanto de
Nakanai quanto de Muller, informaram que estão
dispostos a participar de qualquer projeto em potencial
que não implique na destruição
de suas florestas, e no qual o manejo e a proteção
adequada de seus recursos florestais tradicionais
tenham prioridade máxima.
Ainda neste mês, lideranças
da CI e da A Rocha estarão reunidos com dirigentes
mundiais de governos, do setor privado e da sociedade
civil em Nagoya, Japão, na 10ª Conferência
das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica (CBD), para discutir a atual crise
de extinção e definir novas metas
para a preservação da biodiversidade
da Terra. A CI apóia novas metas, ambiciosas
porém realizáveis, para proteger pelo
menos 25% da superfície territorial e das
águas continentais do planeta e 15% dos ecossistemas
marinhos até 2020.
“Não há dúvida
de que as descobertas que fizemos nessas expedições
são incrivelmente significativas tanto pelo
grande número de novas espécies que
foram registradas, como também pelos novos
gêneros identificados”, afirma Leanne Alonso,
cujo Programa de Avaliação Rápida
na CI tem documentado novas espécies ao redor
do planeta desde 11000. “Embora muito estimulantes,
estas descobertas não significam que nossa
biodiversidade já esteja fora de perigo.
Pelo contrário, elas devem servir como uma
mensagem de cautela sobre o quanto ainda não
sabemos a respeito dos segredos da Terra e sobre
seus importantes recursos naturais, que só
poderão ser preservados por meio do manejo
coordenado em longo prazo”.
As duas expedições
em Papua Nova Guiné foram um esforço
colaborativo entre a Conservação Internacional
e A Rocha International, financiado por uma generosa
doação da Fundação Hans
Wilsdorf. O professor Sir Ghillean Prance, presidente
do conselho de administração da A
Rocha International, fala do interesse de sua organização
na busca por novas espécies:
"Como cristãos, acreditamos
que é nosso dever cuidar da obra da criação
e assegurar que a vida na Terra seja protegida e
respeitada, não importando quão aparentemente
insignificante uma determinada espécie pode
parecer ser” explica Prance. “Acreditamos também
que temos a responsabilidade de ajudar os membros
mais pobres da sociedade cujas necessidades muitas
vezes caminham de mãos dadas com os recursos
naturais, por serem as pessoas mais pobres que vivem
mais próximas da natureza e dela dependem
para o atendimento de suas necessidades diárias.
Este trabalho, portanto, é altamente importante
para nós, e estamos felizes por termos formado
uma parceria com a CI para anunciar as novas espécies
descobertas”.
+ Mais
Revista sobre biodiversidade é
relançada no Rio de Janeiro
Uma parceria entre a CI e a Scientific
American Brasil, edição especial lançada
em comemoração ao Ano Internacional
da Biodiversidade é tema de debate nesta
quinta-feira; agenda integra Semana de Ciência
e Tecnologia organizada pelo Jardim Botânico
Rio de Janeiro, 20 de outubro
de 2010 — Amanhã (21/10), o Jardim Botânico
do Rio de Janeiro promoverá uma mesa-redonda
com palestras de pesquisadores que colaboraram na
edição especial sobre Biodiversidade
produzida pela revista Scientific American Brasil
em parceria com a Conservação Internacional,
lançada em junho deste ano. O debate acontecerá
no Teatro Tom Jobim e integra a programação
que celebra a Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia do Jardim Botânico.
A edição especial
comemorativa do Ano Internacional da Biodiversidade
(2010) reúne 38 cientistas em 13 artigos
que fazem um balanço da diversidade biológica
no Brasil, destacando a proeminência do país,
bem como a importância, situação
de conservação, principais ameaças,
desafios e os serviços ambientais que derivam
dos recursos naturais. Os autores são profissionais
atuantes na academia, no terceiro setor e no governo,
em diferentes regiões do país. Dentre
eles, 12 são do quadro da Conservação
Internacional. Eles analisaram a crise da biodiversidade,
a situação e o risco de extinção
da fauna e da flora, refletiramm sobre o arcabouço
legal, avaliaram o papel das áreas protegidas,
indicaram o estado atual dos biomas do país
e as principais ameaças e iniciativas pela
sua proteção, chamaram a atenção
para a importância despercebida dos micro-organismos
e ainda abordaram temas críticos e correlatos
como mudanças climáticas, desmatamento,
obras de infraestrutura e negócios sustentáveis.
Crise da biodiversidade - Na avaliação
de Fábio Scarano, diretor executivo da Conservação
Internacional, a combinação de consumo
insustentável nos países desenvolvidos,
com a persistência da pobreza nos países
em desenvolvimento, tem resultado em taxas de destruição
do mundo natural sem precedentes na história
do planeta. “Estamos vivendo uma crise da biodiversidade.
Áreas silvestres são substituídas
pela expansão agrícola, urbanização
e desenvolvimento industrial, enquanto muitas espécies
estão sujeitas à sobre-explotação,
ao impacto de espécies invasoras ou mesmo
aos riscos decorrentes da poluição
química de solo, ar e água. Como se
não bastasse, a biodiversidade se vê
também ameaçada pelas mudanças
do clima, cujos efeitos podem levar ao deslocamento
geográfico de espécies e biomas inteiros,
ou mesmo extinções em massa”, explica
Scarano. A saída para essa crise, segundo
ele, deve perpassar a complexidade dos fatores sociais,
econômicos e ambientais que impactam e são
diretamente atingidos pela biodiversidade. “Temos
que contrapor a noção vigente de que
a natureza é um obstáculo ao desenvolvimento.
Esses dois lados começam a reconhecer que
precisam dialogar, pois sustentabilidade - palavra-chave
quando se pensa em modelos alternativos de desenvolvimento
-, demanda conciliação entre conservação,
produção e bem-estar humano”, esclarece.
O protagonismo do Brasil megadiverso
– Campeão absoluto de biodiversidade terrestre,
o Brasil encabeça a lista dos países
megadiversos, ou seja, as 17 nações
que, em conjunto, abrigam cerca de 70% das espécies
animais e vegetais do planeta. Sendo assim, quando
o assunto é biodiversidade e os serviços
ambientais a ela associados, não há
outro papel possível para o Brasil que não
o de assumir a liderança em uso sustentável
e conservação e dar bons exemplos
para o mundo.
“O país tem cerca de 10%
das espécies do planeta, 14% da água
potável e renovável do mundo, é
um celeiro de produção de alimentos
e possui amplos estoques de carbono florestal. Por
outro lado, 55% do território nacional já
sofreu algum tipo de alteração pelo
homem, que nitidamente não se reverteu para
o bem-estar do povo brasileiro, uma vez que o Brasil
ostenta ainda um índice de desenvolvimento
humano baixo para um país com a pujança
econômica que tem, e uma péssima distribuição
de renda. O desafio deste século é
fazer com que nosso fantástico capital natural
possa se reverter em benefício para as pessoas
e efetivamente melhorar a qualidade de vida da população”,
analisa o diretor-executivo da CI-Brasil.
Otimismo cauteloso - Para além
das ameaças, dos impactos e das lacunas de
conhecimento, os artigos também apontam soluções
e oportunidades. Alguns autores destacam a importância
de se transferir os resultados científicos
para a esfera das políticas públicas,
de forma que os processos decisórios venham
favorecer a sustentabilidade ambiental e econômica
e não ganhos no curto prazo.
Já começam a surgir
no país exemplos de práticas que sinalizam
que o jogo pode virar a favor da biodiversidade.
“De um lado, onde há pouca economia e muito
verde, como na região Amazônica, a
qualidade de vida das pessoas tem começado
a melhorar por conta da criação de
mercados para produtos de origem natural. De outro,
onde há pouco verde e muita economia, como
no sudeste do Brasil, já existem grandes
esforços para restauração da
floresta atlântica, tanto para proteger corpos
hídricos e cumprir determinações
legais, como para investir em uma economia de carbono”,
aponta Scarano.