27/10/2010 - Informações
revelam queda nas emissões nos últimos
cinco anos, decorrência do decréscimo
na taxa de desmatamento na Amazônia. Fato
é considerado trunfo político pelo
governo Lula
A quatro dias das eleições,
com presença do presidente Lula, o governo
apresentou ontem, em Brasília, o novo inventário
nacional de emissões de gases de efeito estufa.
Foi anunciada uma diminuição nas emissões
nos últimos cinco anos. Entre 11000 e 2005,
o Brasil lançou na atmosfera uma média
anual de quase dois bilhões de toneladas
de carbono equivalente. No ano passado, as emissões
ficaram em 1,77 bilhão de toneladas, uma
queda de cerca de 10%. A tendência acompanha
o decréscimo nos últimos anos na taxa
do desmatamento na Amazônia, principal responsável
pelas emissões nacionais. Os dados vieram
a público numa reunião do Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas
(FBMC).
Ao contrário do que aconteceu
recentemente, segundo o inventário, entre
11000 e 2005 as emissões brasileiras subiram
de quase 1,4 bilhão de toneladas de carbono
para 2,2 bilhões de toneladas no período.
Dados para 2005 apontam que o desmatamento e as
queimadas foram responsáveis por 61% das
emissões brasileiras. A agropecuária,
por 19%; o setor energético responde por
15%; a indústria, por 3%; e o tratamento
de resíduos, por 2%. O levantamento faz parte
da segunda comunicação do Brasil à
Convenção das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Também foram apresentados os sumários
dos planos de mudanças climáticas
para energia, agricultura, siderurgia e desmatamento
na Amazônia e no Cerrado.
No mesmo evento, foi assinado
o decreto de regulamentação do Fundo
Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC),
que terá disponíveis R$ 226 milhões
para 2011. O fundo deve apoiar ações
de combate à desertificação,
capacitação, desenvolvimento e difusão
de tecnologias, entre outros. Desse total, R$ 200
milhões deverão ser disponibilizados
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) na forma de empréstimos
e o restante ficará a cargo do Ministério
do Meio Ambiente (MMA) para investimentos em projetos
de estados, prefeituras e organizações
não governamentais. O fundo poderá
receber doações. A expectativa do
MMA é que ele possa movimentar R$ 1 bilhão
por ano.
Em sua fala, o ministro de Ciência
e Tecnologia, Sérgio Rezende, destacou a
queda de um terço das emissões totais
do País na comparação entre
2004 e 2009, de 2,6 bilhões de toneladas
de carbono equivalente para 1,77 bilhão de
toneladas. O número é bem maior do
que aquele obtido a partir da comparação
com a média histórica de emissões,
mais importante para comprovação de
uma redução contínua dessas
emissões. E indica que os próximos
governos teriam pouco a fazer no combate às
mudanças climáticas: a meta brasileira
é reduzir em até 39% as emissões
projetadas até 2020.
A queda recente nas emissões
é considerada um trunfo pela diplomacia brasileira
para a próxima Conferência das Partes
sobre Mudanças Climáticas, em Cancúm,
no México, daqui um mês. Com ela, o
Brasil estaria numa posição vantajosa
para negociar um acordo internacional sobre clima.
“Podemos afirmar que nossas metas
já estão sendo cumpridas e até
superadas. A economia está crescendo e temos
o índice mais baixo de desmatamento dos últimos
20 anos”, comemorou Lula. Segundo o presidente,
o objetivo de reduzir o desmatamento na Amazônia
em 80%, na comparação com 2005, poderá
ser alcançado quatro anos antes do previsto,
em 2016. Lula repetiu que o Brasil tornou-se um
protagonista nas negociações sobre
mudanças climáticas.
Meta não tão ousada
Algumas organizações
da sociedade civil já vinham avaliando que
a meta brasileira não é tão
ousada quanto parece. O ano de referência
para o corte de emissões (2005) foi um dos
picos históricos da taxa de desmatamento
na Amazônia. Grande parte da meta estaria
pegando carona num processo de queda do desmatamento
já em curso.
“Ficou claro que nossa meta não
é um desafio tão grande assim. Também
ficou a impressão de que prometemos uma coisa
que já fizemos”, avalia Karen Suassúna,
especialista em Políticas Públicas
de Mudanças Climáticas e representante
do WWF no FBMC. Ela concorda que a queda nas taxas
de desmatamento na Amazônia deve ser comemorada,
mas que a partir de agora a estratégia do
governo para setores como energia e transporte,
por exemplo, terá de ficar mais clara. Karen
lembra que, enquanto o governo julga que o desmatamento
na Amazônia está controlado, a taxa
no Cerrado vem crescendo - entre 2002 e 2008, em
média 14 mil quilômetros quadrados
do bioma foram devastados ao ano.
“Os EUA estavam querendo propor
– e não estão conseguindo – uma redução
de 17% em relação a 2005. Nossa meta
é, sim, uma meta ousada”, defendeu Luiz Pinguelli
Rosa, secretário executivo do FBMC. Ele esperava
um aumento das emissões do País desde
2004 e considerou surpreendente o resultado divulgado
ontem. Pinguelli disse que o consumo de energia
deverá crescer nos próximos anos por
causa da inclusão social que o Brasil precisa
fazer e que isso precisa ser considerado na negociação
internacional das metas de redução
de cada país.
“A meta brasileira não
é tão ousada quanto parece porque
está assentada na redução do
desmatamento, que já está ocorrendo,
mas é significativa em relação
às metas irrisórias propostas por
outras nações”, julga Márcio
Santilli, coordenador do Programa de Política
e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA.
O inventário mostra que
o perfil das emissões brasileiras começa
a mudar. A participação do desmatamento
está caindo, enquanto sobe a dos outros setores.
Em 11000, as emissões totais da agropecuária,
indústria, energia e tratamento de resíduos
eram de pouco mais de 500 milhões de toneladas
de carbono equivalente. Em 2008, a estimativa é
de quase um billhão de toneladas. “O Plano
Nacional de Mudanças Climáticas terá
de ser aperfeiçoado para levar em conta essa
nova realidade”, defende Santilli.
Planos setoriais
A condução dos planos
setoriais de mudanças climáticas,
que deveriam estar concluídos até
o final do ano, também vem recebendo críticas
das organizações ambientalistas. A
Casa Civil organizou grupos de trabalho com representantes
da administração pública, de
empresários, pesquisadores e sociedade civil,
mas, de acordo com essas organizações,
faltam informações e engajamento de
setores do governo. O Itamaraty também pretende
capitalizar politicamente em Cancúm a apresentação
dos planos setoriais, considerados peças
importantes para viabilizar o cumprimento da meta
nacional. Só a discussão do plano
da área de agricultura, no entanto, conseguiu
avançar. Tanto que foram apresentados ontem
apenas sumários executivos dos documentos.
“Para fazer uma preparação
do país para um desenvolvimento de baixo
carbono, precisamos de um planejamento coerente.
Para isso precisamos de tempo, método, informação
e organização para trabalhar”, aponta
Karen Suassúna. Ela avalia que falta coordenação
à discussão dos planos setoriais.
Outra crítica da sociedade
civil recai sobre o tratamento superficial dado
à camada pré-sal na política
de mudanças climáticas. Pesquisadores
e ambientalistas apontam que é necessária
uma estratégia mais robusta para monitorar
e controlar as emissões que podem ocorrer
com a expansão da produção
petrolífera. “Não é o pré-sal
que vai aumentar o consumo de óleo”, respondeu
Pinguelli. Ele informou que a Petrobrás e
algumas universidades têm investido na pesquisa
para reinjetar nos poços de petróleo
o gás carbônico liberado durante a
sua exploração.