10/11/2010 - Militantes de movimentos
dos atingidos pela construção de usinas
hidrelétricas e especialistas que pesquisam
o tema consideram um avanço a assinatura
do Decreto 7.342, de 26 de outubro, mas criticam
ausência da sociedade civil nos debates e
no comitê de cadastramento.
O objetivo do decreto, assinado
pelo presidente Lula, é facilitar a indenização
da população atingida pelos empreendimentos.
Para isso, cria o cadastro socioeconômico
para identificação, qualificação
e registro público da população
atingida.
Uma das associações
mais importantes de defesa dos interesses das vítimas,
o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), recebeu
o texto com elogios e otimismo. Luiz Dalla Costa,
da coordenação nacional do MAB destacou
que o decreto reconheceu uma reivindicação
histórica. "Até hoje, primeiro
se fazia o leilão, depois ia ver quem seriam
os atingidos. Quando se regulamenta isso, já
obriga o Estado e as empresas a fazerem o levantamento
da situação real antes de iniciar
o processo de construção das usinas.
O que dá uma certa garantia de que todas
as pessoas que têm direito possam fazer a
sua reivindicação."
Mas o decreto só vale para
as vítimas das hidrelétricas licenciadas
a partir de janeiro de 2011. Não faz qualquer
referência aos milhares de atingidos pelas
obras anteriores. Também cria o Comitê
Interministerial de Cadastramento Socioeconômico,
que será integrado pela Secretaria-Geral
da Presidência da República e pelos
ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente
e da Pesca e Aquicultura. Não está
prevista a participação da sociedade
civil e não há referência ao
controle social no processo de cadastramento e cumprimento
dos direitos.
O texto obriga a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a incluir
nos editais de leilão e nos contratos de
concessão das usinas hidrelétricas
cláusulas específicas sobre a responsabilidade
das concessionárias da obra na realização
do cadastro. Ou seja, o empreendedor será
responsável por cadastrar os atingidos, o
que é questionável segundo a antropóloga
Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos
em Temáticas Ambientais da Universidade Federal
de Minas Gerais (Gesta/UFMG). "Sob a lógica
da viabilidade econômica capitalista, o empreendedor
vai buscar reduzir drasticamente suas despesas,
o que inclui o número de atingidos com direito
a indenização. Quem vai fiscalizar
o cumprimento das cláusulas pelo empreendedor?
Não me parece muito claro isso."
O maior equívoco
O professor Carlos Vainer, do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ)considera
que deixar o cadastramento sob responsabilidade
do empreendedor é o maior equívoco
do decreto. "Por ser, ao fim de contas, um
registro dos portadores de direitos a reparação,
o cadastro deveria ser de responsabilidade de um
órgão público – Aneel, Ibama
ou órgão ambiental competente. Afinal,
estas agências públicas autorizaram
a uma empresa privada impor perdas a um conjunto
de comunidades, famílias e pessoas",afirma.
"Caberia, a meu ver, a estes mesmos órgãos
o estabelecimento daqueles que são portadores
de direito a reparação. Note-se que
o caráter público do cadastro é
reconhecido pelo decreto, ao determinar seu registro
em cartório público, mas, infelizmente,
não se tiraram todas as consequências
deste reconhecimento."
O militante José Rodrigues,
que também participou da direção
nacional do MAB por 10 anos e hoje é vereador
em Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, destaca a
falta de discussão com a sociedade no processo
de preparação do decreto. "Se
o processo não abrir espaço no comitê
para participação de entidades que
representam as vítimas, creio que poderemos
questionar a validade desse comitê no Judiciário."
À espera da regulamentação
Dalla Costa entende que essa lacuna
poderá ser preenchida na fase de regulamentação
do decreto: "A regulamentação
poderá abrir o comitê interministerial
à participação da sociedade
na elaboração do diagnóstico,
da listagem das vítimas e até na discussão
sobre política energética. Não
queremos ficar discutindo apenas os prejuízos.”
Mesmo assim, Dalla Costa define o decreto como “uma
conquista extraodinária".
Para Vainer, parece insuficiente
deixar o Comitê Interministerial do Cadastro
Socioeconômico apenas no âmbito dos
ministérios. "É indispensável
assegurar a presença de representação
da sociedade civil e da comunidade acadêmico-científica
neste comitê."
O pesquisador do IPPUR/UFRJ também
aguarda que a regulamentação defina
de maneira mais clara alguns de seus dispositivos.
"Pelo que entendo, o artigo 5º estabelece
que os contratos de concessão deverão
indicar explicitamente as obrigações
do concessionário em termos do cumprimento
de todas as regras relativas ao cadastramento. Penso
que isso ainda é insuficiente: na verdade,
se o cadastro é quem vai definir os atingidos,
ele deveria anteceder o processo licitatório,
ser realizado e divulgado como parte do EIA/Rima
ou como seu anexo. Fica a pergunta: a quem deveria
caber a realização do cadastro? Em
minha opinião, o cadastro é uma responsabilidade
pública."
Carlos Vainer destaca pontos que,
a seu ver, fazem o decreto inovador e positivo.
"De um lado, ele fixa legalmente quem deve
ser cadastrado, o que significa que ele define quem
são os atingidos e quem são os portadores
de direito a reparação. Isto saiu
do arbítrio da empresa ou do órgão
ambiental."
A antropóloga Andréa
Zhouri, no entanto, observa que o texto não
diz como será conduzido o cadastro: "Quais
são os mecanismos políticos, institucionais,
regulatórios para assegurar a implementação
desse cadastro? Quem vai monitorar, em que instância
do licenciamento ele será feito? Como se
vai fazer cumprir e de que forma executar isso?"
E acrescenta: "Com aval de
quem foi definido que o cadastro tem de ser exclusivamente
socioeconômico? Ele não contempla a
diversidade cultural dos povos atingidos , as tradições
de povos indígenas e populações
tradicionais? Isso não pode ser recomposto
por indenizações, por compensações
materiais."
Obra já chega como "realidade
inexorável"
Para ela, o decreto é insuficiente
para garantir os direitos dos atingidos por barragens.
Antes de se discutir a identificação
de quem deve ser indenizado, deveria haver um processo
transparente de análise do empreendimento,
para saber se ele é realmente necessário
e se deve ser feito naquele local. "Mas ocorre
o contrário. A obra já chega ao conhecimento
dos futuros atingidos como uma realidade inexorável,
e o decreto vem como uma migalha, uma forma de adequar
as vítimas e suas circunstâncias socioambientais
ao tal projeto inexorável."
O futuro incerto das vítimas
de barragens, apesar dos avanços identificados
no decreto, pode ser resumido no discurso do diretor
de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal,
na audiência que moradores da área
a ser atingida pela hidrelétrica de Belo
Monte tiveram com o presidente Lula, em 22 de julho
de 2009: "Quinze ou vinte mil pessoas não
podem impedir o progresso de 185 milhões
de brasileiros", disse o engenheiro da Eletrobrás.
Mesmo exaltando os pontos positivos
do decreto, o MAB não pretende se acomodar.
"Muito importante é que a gente faça
agora uma série de debates sobre o texto
e aponte essas lacunas para que no instante da regulamentação
sejam corrigidas as falhas", diz Dalla Costa.
Vainer também prega continuidade
no acompanhamento do processo: "O decreto diz
respeito apenas ao que chamo de "identificação
das comunidades, famílias e indivíduos
portadores de direitos à reparação".
Há, porém, um outro tema que, infelizmente,
não tem sido adequadamente tratado: uma vez
estabelecido quem tem direito à reparação,
falta definir como deve ser feita tal reparação.
Assim, também por isso, insisto, a luta continua."
(Leia no quadro abaixo, a íntegra da entrevista
de Vainer ao ISA).
O MAB informa que não há
estimativas sobre a população atingida
por barragens no País, mas estudos apontam
que nos próximos 30 anos o número
pode chegar a 1 milhão.
O ISA encaminhou por escrito ao
Ministério de Minas e Energia, conforme solicitado
pela assessoria de imprensa do ministério,
algumas perguntas para esta matéria. Mas
o MME não respondeu.
Carlos Vainer: “A luta continua”
O professor Carlos Vainer, do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identifica
avanços e lacunas no decreto que cria o cadastro
dos atingidos por barragens. Ele destaca um tema
que não tem sido adequadamente tratado: “Uma
vez estabelecido quem tem direito à reparação,
falta definir como deve ser feita tal reparação.
Assim, também por isso, insisto, a luta continua.”
Veja abaixo a íntegra da entrevista de Vainer
ao ISA:
O que existe de novidade no decreto?
Já não era necessário fazer
cadastro dos atingidos para fins de indenização?
Se já era, o que mudou?
Vainer - A luta dos atingidos
por barragens, desde anos 1980, tem focalizado dois
eixos centrais: a) a definição de
quem é “atingido”, isto é, quem deve
ter reconhecido o direito a reparação;
b) a forma, natureza e, em alguns casos, os valores
associados às reparações aos
atingidos. O que é o cadastro? Essencialmente
ele registra quem é reconhecido como "atingido",
isto é, quem faz jus a alguma reparação.
Até hoje os critérios de quem deveria
ou não ser cadastrado eram do arbítrio
do empreendedor da barragem. Via de regra, os estudos
de impacto operavam com os problemáticos
conceitos de “área atingida diretamente”
e de "área atingida indiretamente".
Embora não estivesse dito claramente em nenhum
lugar, os responsáveis pelos EIAs/Rimas,
assim como os órgão ambientais (Ibama
e órgãos estaduais), trabalhavam com
uma noção territorial segundo a qual
entendia-se: a) por "área atingida diretamente"
a área inundada, e b) por "área
atingida indiretamente", a área não
inundada dos municípios com área inundada.
Assim, por exemplo, via de regra, os impactos a
jusante não eram considerados e as populações
impactadas que viviam a jusante da barragem não
eram reconhecidas como impactadas.
Por outro lado, muitas vezes só
se reconheciam como efetivamente atingidos os detentores
de propriedade, indenizando-se a propriedade e,
em caso de ocupantes ou posseiros, apenas suas benfeitorias
(e não a posse) – o que significava, quase
sempre, a inviabilização de sua reprodução
enquanto produtor. Não se considerava a perda
dos meios de vida, mas a indenização
da "propriedade".
A esta dupla concepção
qualifiquei em alguns trabalhos de territorial patrimonialista.
Territorial porque define um "território
atingido" independentemente do estudo dos impactos
e seu alcance, independentemente dos circuitos econômicos
e sociais; patrimonialista porque reconhece como
passíveis de reparação apenas
os bens (propriedade e benfeitorias). Esta concepção
dominou largamente a “impactologia de barragens”
desde a Resolução 01/86.
Deste ponto de vista, o decreto
é inovador, e positivo. De um lado, ele fixa
legalmente quem deve ser cadastrado, o que significa
que ele define quem são os atingidos, o que
significa dizer, quem são os portadores de
direito a reparação. Isto saiu do
arbítrio da empresa ou do órgão
ambiental.
De outro lado, ele supera a visão
patrimonialista, indicando que todos aqueles que
tiverem "prejuízos comprovados às
atividades produtivas locais a jusante e a montante
do reservatório, afetando a renda, a subsistência
e o modo de vida de populações"
(Artigo 2º, item VII).
O item II do mesmo artigo indica
a necessidade de cadastrar os que tiverem "perda
da capacidade produtiva das terras de parcela remanescente
de imóvel que faça limite com o polígono
do empreendimento e por ele tenha sido parcialmente
atingido". Isto significa reconhecer que mesmo
que a propriedade ou estabelecimento não
sejam inundados, pode ter reduzida sua capacidade
produtiva e, em consequência, conferir direito
a uma reparação.
Ele é explícito
quanto à perda da capacidade pesqueira. Ora,
é sabido que comunidades ribeirinhas muitas
vezes dependem, seja para sua alimentação,
seja para a pesca comercial, do potencial pesqueiro.
Até agora, quase todas as empresas, a partir
do conceito acima explicitado de "área
diretamente e indiretamente atingida", desconhecia
o impacto a jusante.
O item IV é um relevante
avanço, na medida em que chama a atenção
para os circuitos produtivos. Assim, por exemplo,
o proprietário de um armazém que vendia
para uma comunidade que vai ser deslocada passa
a ser reconhecido como sendo, ele também,
atingido, e, por consequência, fazendo jus
a reparação. Seu armazém continua
onde sempre esteve, mas seus clientes não
existem mais. Outro exemplo: o proprietário
de um caminhão que recolhia o leite de um
conjunto de estabelecimentos na região inundada:
seu caminhão continua intacto, mas sua atividade
foi comprometida.
O item V reconhece o direito à
reparação a todos os que, de alguma
maneira, dependiam do rio para sobreviver. Pode
ser o barqueiro que fazia a travessia; pode ser
aquele artesão que utilizava juncos que nascem
na beira do rio para fazer cestos; artesão
de pedra sabão cuja jazida foi inundada,
etc.
Quais dúvidas o decreto
ainda suscita? Por exemplo, quais definições
serão necessárias constar na cláusula
específica a respeito das responsabilidades
do concessionário (Art. 5º)?
Vainer - Pelo que estou informado,
deverá sair uma regulamentação
deste decreto, definindo de maneira mais clara alguns
de seus dispositivos. Pelo que entendo, o artigo
5º estabelece que os contratos de concessão
deverão indicar explicitamente as obrigações
do concessionário em termos do cumprimento
de todas as regras relativas ao cadastramento. É
isso que entendo. Penso que isso ainda é
insuficiente: na verdade, se o cadastro é
quem vai definir os atingidos, ele deveria anteceder
o processo licitatório, ser realizado e divulgado
como parte do EIA/Rima ou como seu anexo. Fica a
pergunta: a quem deveria caber a realização
do cadastro?
Em minha opinião, o cadastro
é uma responsabilidade pública; senão
vejamos: a) é o poder público que
vai conceder o uso de um patrimônio público
(potencial hidrelétrico); b) este mesmo poder
público é quem autoriza, por meio
de documento público, a desapropriação
por utilidade pública. Sendo a obra uma intervenção
que envolve, teoricamente, o patrimônio público,
a utilidade pública e, como se sabe, um conjunto
de direitos individuais e coletivos, deveria caber
a este estado a responsabilidade pelo cadastramento.
E, evidentemente, isto deveria ser feito antes do
licenciamento prévio, de modo que fique claro,
para a sociedade e para o órgão licenciador,
para os potenciamente atingidos e, também,
para aquelas empresas que concorrerão no
certame licitatório, quais os impactos sociais,
quais os indivíduos, famílias e comunidades
que serão atingidas e de que maneira. Por
isso, sou de opinião que o cadastro deve
ser responsabilidade do Estado, através de
quem concede o uso do potencial hidrelétrico,
isto é, a Aneel. Isto não quer dizer
que a Aneel diretamente execute o cadastro, mas
que responda por ele – eventualmente, através
de contratação de empresas idôneas
ou outros órgãos públicos,
universidades, IBGE, etc. Espero que a regulamentação
que está para sair indique isto de maneira
clara.
Um exemplo de dúvida que
o decreto não permite esclarecer: No processo
de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira, o cadastro não
considerou como vítimas os posseiros e meeiros.
Eles saíram das áreas sem nada, perderam
tudo. Daqui para a frente a condição
de vítima se estenderá a eles, bem
como às famílias de pescadores e ribeirinhos
que, embora não estejam na área a
ser alagada, sofrerão com as alterações
provocadas caso a hidrelétrica seja construída
(perda de peixes, de lugares turísticos,
de várzeas agricultáveis, etc)?
Vainer - No meu entendimento,
está claro que condição de
proprietário ou não proprietário
não altera o fato de que são afetados,
devem ser cadastrados e, por conseguinte, fazem
jus a reparação todos os que tiverem
prejuízos comprovados às atividades
produtivas locais a jusante e a montante do reservatório,
afetando a renda, a subsistência e o modo
de vida de populações.
Não duvido que os concessionários
tentarão, ainda e sempre, reduzir o alcance
deste dispositivo. Mas o decreto é claro
na questão. Poderão permanecer buscando
restringir os direitos dos atingidos, mas penso
que lhes será, pelo menos do ponto de vista
legal, muito mais difícil tergiversar sobre
direitos de pescadores ou populações
que se alimentavam de peixe ou de posseiros e meeiros
cuja renda, subsistência e/ou modo de vida
tenham sido prejudicados.
Penso que o decreto é claríssimo.
Agora, como sempre, haverá que impor o cumprimento
das novas regras, e garanti-las por todos os meios,
políticos e legais. A luta continua, é
claro.
A direção do Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB) foi muito elogiosa
e otimista ao analisar a assinatura do decreto pelo
presidente Lula. Mas o decreto entra em vigor em
janeiro de 2011 e se aplica apenas aos empreendimentos
a serem licenciados desse período em diante
. Como fica a situação dos atingidos
por barragens construídas anteriormente a
essa data?
Vainer - De fato, o princípio
legal da irreversibilidade da lei parece dar aos
responsáveis pelos malfeitos anteriores um
forte argumento. Mas cabe ver o aspecto político
e moral. O MAB tem permanentemente lutado para que
o Estado reconheça a dívida social
contraída com os atingidos por barragens
pelo menos desde as grandes barragens construídas
sob a égide da ditadura militar: Itaipu,
Tucuruí, Sobradinho, e tantas outras. A dívida
é enorme.
O decreto pode não dar
a base legal, mas confere grande força moral
e política à luta do MAB pelo reconhecimento
e reparação da dívida social
contraída com as populações
atingidas nos últimos 40 anos.
Penso que ao reconhecer os avanços do decreto,
o MAB não abriu mão de sua luta pela
reparação da dívida social
das barragens já construídas. Uma
das lideranças do MAB que falou na cerimônia
oficial de assinatura do decreto foi explícito
ao colocar esta questão.
Em algum momento do processo haverá
participação de representantes das
organizações populares não-governamentais?
Como se dará o controle social em todo o
processo de cadastramento dos atingidos?
Vainer - - Aqui reside, certamente,
o principal equívoco do decreto. Por ser,
ao fim de contas, um registro dos portadores de
direitos a reparação, o cadastro deveria
ser de responsabilidade de um órgão
público – Aneel, Ibama ou órgão
ambiental competente. Afinal, estas agências
públicas autorizaram a uma empresa privada
impor perdas a um conjunto de comunidades, famílias
e pessoas. Já falei anteriormente de minha
convicção de que caberia, a meu ver,
a estes mesmos órgãos o estabelecimento
daqueles que são portadores de direito a
reparação. Note-se que o caráter
público do cadastro é reconhecido
pelo decreto, ao determinar seu registro em cartório
público, mas, infelizmente, não se
tiraram todas as consequências deste reconhecimento..
Caberia, a meu ver, a estes mesmos
órgãos o estabelecimento daqueles
que são portadores de direito a reparação.
Note-se que o caráter público do cadastro
é reconhecido pelo decreto, ao determinar
seu registro em cartório público,
mas, infelizmente, não se tiraram todas as
consequências deste reconhecimento.
Na mesma linha, é essencial
assegurar que as comunidades, famílias e
pessoas atingidas, diretamente e através
de suas organizações de representação,
assim como de instituições idôneas
por estas indicadas, possam incidir diretamente:
a) na elaboração do plano cadastral,
inclusive na formulação dos questionários,
formas de registro, etc;
b) no acompanhamento e controle técnico-operacional
do cadastramento, seja na etapa de coleta de informações,
seja na etapa de seu registro, seja na etapa de
sua sistematização e agregação.
Sendo o cadastro um instrumento
que gera direitos que envolvem direitos humanos
e interesse público, há que assegurar
o máximo de e controle social sobre o cadastramento.
Também parece-me insuficiente
o escopo do Comitê Interministerial do Cadastro
Socioeconômico, no âmbito do Ministério
de Minas e Energia. É indispensável
assegurar a presença de representação
da sociedade civil e da comunidade acadêmico-científica
neste Comitê. Destaco a este respeito, que
o presidente Lula, em sua fala, fez menção
à presença da sociedade civil neste
Comitê. Talvez seja um engano, talvez seja
um desejo manifestado pelo presidente não
concretizado pelos que deram a forma final ao decreto.
De meu ponto de vista, é
essencial garantir a participação
da sociedade civil nestas duas escalas e esferas:
o cadastro singular em cada barragem e o Comitê
Nacional do Cadastro Socioeconômico.
Ainda sobre este tema, há
que acrescentar ainda duas outras necessidades essenciais
ao controle social – inclusive técnico –,
a saber:
a) o direito a toda família,
instituição, comunidade ou indivíduo
a ter acesso à ficha cadastral em que estão
registrados dados que lhe dizem diretamente respeito
(princípio constitucional do Habeas Data,
mas que seria pertinente incluir no decreto e, agora,
na sua regulamentação;
b) a obrigatoriedade de dar (sítio
da rede mundial de computadores livremente acessível)
aos dados agregados do cadastro, respeitados os
direitos à privacidade e individualidade,
da mesma forma que se dão a dados censitários
ou amostrais pelo IBGE.
Finalmente, haveria que agregar
que o decreto diz respeito apenas ao que chamo de
"identificação das comunidades,
famílias e indivíduos portadores de
direitos à reparação".
Há, porém, um outro tema que, infelizmente,
não tem sido adequadamente tratado: uma vez
estabelecido quem tem direito à reparação,
falta definir como deve ser feita tal reparação.
Assim, também por isso, insisto, a luta continua.
ISA, Julio Cezar Garcia