Paula Sampaio/MPEG - Parte da
coleção de animais estudadas por pesquisadores
do Museu Goeldi.
30/11/2010 - 14:57
O rio Madeira não representa apenas uma linha
de quebra na separação de espécies
de lagartos, mas uma faixa de transição.
A questão que persiste, então, é
se o rio é a principal barreira, diante da
existência de uma fauna de lagartos a leste
e outra a oeste da Amazônia, diz Ávila-Pires
quando se refere aos estudos sobre répteis
desenvolvidos na região. Essas e outras informações
respondem a questões de fundo para a pesquisa
sobre a chamada herpetofauna (termo que inclui os
répteis e anfíbios) da Amazônia.
Sejam pesquisas científicas, inventários
estruturados ou resultados de consultoria ambiental,
diversos são os estudos sobre répteis
e anfíbios amazônicos que foram desenvolvidos
em tempos recentes com a participação
de pesquisadores do Museu Paraense Emílio
Goeldi (MPEG/MCT), de Belém (PA), como Marinus
Hoogmoed. Porém, mesmo reconhecendo a grande
contribuição dos estudos, o pesquisador
admite que “muito ainda deve ser feito”.
História da pesquisa
Segundo Hoogmoed, os estudos herpetológicos
na região remontam ao século 17, quando
se registraram os primeiros exemplares de répteis
e anfíbios amazônicos na Europa, resultantes
de coletas feitas ocasional ou sistematicamente
por naturalistas viajantes, como Alexandre Rodrigues
Ferreira, que esteve na região já
no fim do século 18.
Após esse período,
as pesquisas continuaram de forma mais freqüente,
com os trabalhos de Johann Baptist von Spix sobre
serpentes (com Wagler, 1824), quelônios e
sapos (1824) e lagartos (1825), que foram a “base
da herpetologia amazônica”, segundo o pesquisador.
A partir de então, foram vários os
estudos na área, chegando às pesquisas
desenvolvidas por algumas das principais instituições
de pesquisa da região, como o Museu Goeldi,
as universidades Federais do Pará (Ufpa),
Amazonas (Ufam) e Acre (Ufac), e o Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT).
Nesse período, houve uma
evolução nos estudos e nos métodos
de amostragem que, hoje, já incluem a coleta
de tecidos dos animais como procedimento padrão.
Além disso, hoje também são
utilizadas, “em combinação com a coleta
livre, armadilhas de interceptação
e queda, com bons resultados para animais fossoriais
(escavadores) e de serrapilheira (folhas soltas
sobre o solo)”, afirma Hoogmoed.
Cobras e lagartos
Mesmo assim, grande parte dos “inventários
faunísticos ainda são pontuais e de
curto prazo, sendo sua maior parte resultante de
consultorias ambientais ou de projetos científicos
de graduação e pós-graduação”,
diz a pesquisadora do Goeldi, Ana Prudente, que
já participou de diversos projetos de pesquisa
e levantamentos nessa área.
Especialista nos estudos sobre
serpentes, Ana lembra que a Lista de Répteis
do Brasil apresentou, em 2009, 365 espécies
de serpentes, sendo 149 já registradas na
Amazônia em estudo de 2007. No Projeto Juruti,
por exemplo, localizado em município do mesmo
nome, foram registradas 69 espécies de serpentes
entre os anos de 2002 e 2007 e, posteriormente,
entre 2008 e 2009, ocorreram mais seis novos registros.
Outro projeto lembrado por Ana foi o Calha Norte,
que “registrou 49 espécies de serpentes em
um total de sete áreas estudadas”.
Em relação aos estudos
com os lagartos na Amazônia, foram duas as
questões levantadas pela pesquisadora do
Goeldi, Teresa Cristina Ávila-Pires, no Simpósio
Temático sobre a erpetologia na Amazônia:
qual a importância do Rio Madeira (afluente
do Rio Amazonas que banha os estados de Rondônia
e Amazonas) com divisor de fauna? E o sudeste da
Amazônia é um vazio em relação
a lagartos endêmicos? A partir de levantamentos
bibliográficos, a pesquisadora respondeu
às questões no simpósio, que
foi realizado dentro das programações
do 28º Congresso de Zoologia, ocorrido em Belém,
em fevereiro último.
Herpetologia na Amazônia
São diversos os resultados
das pesquisas sobre répteis e anfíbios
na Amazônia. Hoogmoed aponta o aumento das
coleções das instituições
da região Amazônica; dos inventários
publicados, como os realizados nos municípios
paraenses de Juruti, Carajás e Porto Trombetas;
dos planos de manejo e dos artigos científicos
publicados.
Mas ainda “é necessária
uma integração dos estudos faunísticos,
aprimorando os dados sobre distribuição
geográfica, amostragem de tecidos e conhecimento
sobre história natural; estudos filogeográficos,
filogenéticos e geológicos, com as
relações entre áreas, identificação
e datação de eventos tectônicos”,
enumera Ávila-Pires.
Além desses, o coordenador
de Pesquisa e Pós-Graduação
do Museu Goeldi, Ulisses Galatti, lembra que também
é necessário um conhecimento mais
completo da situação taxonômica
de muitas das espécies, especialmente de
anfíbios, assim como da situação
das populações em áreas com
perda ou fragmentação dos habitats
naturais.
Ainda “falta uma análise
para toda a Amazônia”, diz Galatti, ao que
Hoogmoed acrescenta ênfase aos inventários
completos para serpentes, lagartos e anfíbios.
No caso dos últimos, por exemplo, ainda é
necessário preparar estudos taxonômicos,
já que muitas espécies são
identificadas apenas como sp. De acordo com Hoogmoed,
a primeira lista de anfíbios amazônicos
é de 1979 e, ao longo do tempo, foram feitas
muitas descrições, mas poucas revisões.
Dessa forma, ainda faltam ser
coletados dados ecológicos e de história
natural para conclusões zoogeográficas;
mais inventários de longo prazo em locais
de difícil acesso na região; fazer
a digitalização de dados, trabalhos
e coleções já publicados; além
da formação de mais especialistas
estabelecidos na região. “Melhorar a legislação
para que a pesquisa não fique prejudicada,
e formar mais taxonomistas, que trabalhem ativamente
em campo” são algumas soluções
sugeridas pelo pesquisador. “Por isso, é
um longo caminho a ser percorrido”, conclui Hoogmoed.
Impactos ambientais
“Os maiores impactos sobre a herpetofauna na Amazônia
brasileira aparecem como consequência da perda
e da fragmentação de seus habitats
naturais, causadas pelo desmatamento em larga escala”,
é o que diz Galatti, que desenvolve pesquisas
sobre ecologia de anfíbios no Goeldi.
Uma das formas de se avaliar o
efeito da perda de habitats sobre a herpetofauna
é por meio da sobreposição
de mapas da distribuição geográfica
das espécies com de desmatamento, o que tem
sido feito, por exemplo, no projeto Biotapará,
que resultou na indicação das espécies
ameaçadas do Pará, num trabalho em
parceria do Goeldi com a Secretaria de Meio Ambiente
do Estado e a Conservação Internacional
(CI).
“Estas análises, entretanto,
dependem do conhecimento da situação
taxonômica e da distribuição
geográfica das espécies, assim como
da situação de perda dos seus habitats
em escalas apropriadas. Análises mais detalhadas
podem ser feitas ao nível de comunidades,
populações e indivíduos, mas
ainda dependem de desenhos amostrais adequados,
além de um grande número de grupos
de pesquisa atuando nesta área”, conta Galatti.