20 de dezembro de 2010
O índios Xavante de Marãiwatsédé,
no estado do Mato Grosso, recebem, nesta terça-feira,
21 de dezembro, representantes do Ministério
da Pesca para discutir a viabilidade da criação
de peixes de maneira autossustentável e adaptada
às condições locais e à
cultura do povo. A comunidade
propôs um projeto de piscicultura na aldeia
por não ter a opção de pesca
tradicional e a Fundação Nacional
do Índio (Funai) está viabilizando
a proposta.
A Funai realiza fiscalizações
e faz investimentos de forma contínua na
Terra Indígena Marãiwatsédé.
Em 2010, até 15 de dezembro, foram destinados
R$ 160 mil para ações de fiscalização
da área e R$ 317 mil para projetos autossustentáveis
e promoção social, incluindo o fornecimento
de cestas básicas às famílias
com carência alimentar e apoio aos indígenas
na regularização de documentos, a
fim de que possam ter acesso aos benefícios
do governo federal, como aposentadoria, auxílio
maternidade, bolsa família, auxílio
moradia.
A aldeia local sofre com o desmatamento
realizado por posseiros e não tem conseguido
viver de acordo com os costumes do povo. Por esse
motivo, está prevista, para 2011, a intensificação
das ações de segurança alimentar
e desenvolvimento sustentável, como agricultura
e até criação de gado em áreas
já transformadas em pasto pelos posseiros.
Segundo o coordenador regional
da Funai em Marãiwatsédé, Denivaldo
Roberto da Rocha, “os projetos sugeridos pela associação
indígena local Böiu Marãiwatsédé,
em parceria com os ministérios do Desenvolvimento
Social (MDS) e do Meio Ambiente (MMA), preveem atividades
de recuperação de áreas degradadas,
adensamento de quintais, criação de
galinha caipira e apicultura”. Neste primeiro momento,
a recuperação de áreas degradadas
se dá com espécies alimentares de
consumo imediato, perto das casas, o que contribui
para a nutrição da comunidade.
O adensamento dos quintais está
sendo feito pela Funai em parceria com a “Carteira
Indígena”, do MMA, com o plantio de palmeiras,
que fornecem a palha para construção
de casas e artesanato, e árvores frutíferas,
como cítricas, pequi, buriti e outras espécies
locais que complementam a alimentação,
principalmente das crianças.
As árvores são plantadas
numa área próxima à aldeia,
mas não tão perto das casas. Os indígenas
coletam sementes das matas para o adensamento dos
quintais e para o reflorestamento, com a criação
de Sistemas Agroflorestais. “Um dos principais problemas
atualmente é o grande índice de desnutrição
e mortalidade infantil, e as frutas ao alcance dos
meninos e meninas é fundamental como fonte
de vitaminas”, explica o coordenador de Articulação
Intersetorial da Coordenação-Geral
de Promoção ao Etnodesenvolvimento
da Funai, Ivan Abreu Stibich. O índice de
mortalidade infantil entre os indígenas é
duas vezes maior do que a taxa nacional: 41 mortes
para cada mil nascidos vivos (Funasa/2009) contra
19 por mil na média nacional (Ripsa/2007).
Em Marãiwatsédé o problema
é ainda maior.
No mês de outubro o solo
começou a ser preparado para o plantio de
roça de toco, uma roça tradicional
onde a comunidade cultiva arroz, mandioca, milho
Xavante, cará, inhame, abóbora, melancia,
banana e outras culturas. Além do cultivo
tradicional, há também o trabalho
da lavoura mecanizada para o plantio de arroz, milho
e mandioca, numa área de 50 hectares, utilizada
anteriormente para o plantio por não índios.
Costumes – Tradicionalmente, durante
a época das chuvas, os Xavante têm
suas roças produzindo, e um convívio
mais intenso na aldeia. No período da seca
eles fazem o “zomori”: andam pelo território,
acampando e se alimentando da coleta de alimentos
e da caça. Essa alternativa não existe
mais em Marãiwatsédé, por conta
do confinamento a que estão submetidos. Os
recursos do entorno logo se esgotam.
As roças tradicionais são
feitas em área de mata. Para manter o costume,
é necessário ter a floresta em pé
e fazer rodízio das áreas de agricultura.
Eles trabalham com a queima, que fornece os nutrientes
para o plantio. A roça, dessa forma, produz
durante dois ou três anos, dependendo da qualidade
do solo. Após esse período, os indígenas
partem para outra área, deixando esta se
recuperar por alguns anos. Atualmente existem pouquíssimas
áreas propícias para a forma tradicional
de plantio, mantida somente por uma questão
cultural e para cultivar os alimentos que são
mais adaptados à roça de fogo. Um
deles é o “nodzo”, milho tradicional que
tem 5 variedades, com cores diferentes.
“Existem maneiras de controlar
o fogo e manter a cultura sem prejudicar a natureza.
Dependendo do manejo, do que você queima,
do que corta ou derruba, ela é aceitável”,
explica Stibich. A agroecologia ensina várias
técnicas de controle, mantendo as árvores
maiores, com a queima só das árvores
menores e da biomassa. “A gente está discutindo
com os indígenas essa forma mais controlada”,
complementa o coordenador.
Sobrevivência - As aldeias
tradicionais Xavante são em forma de ferradura
e costumam ficar espalhadas pela Terra Indígena.
No caso de Marãiwatsédé, depois
que o povo começou a retomar as terras, em
2003, formou-se uma única grande aldeia,
hoje com cerca de mil habitantes. A estratégia
é necessária para a segurança
dos indígenas, que vivem constantemente ameaçados
pelos posseiros e invasores.
Hoje não há oferta
de caça, e a roça tradicional também
não é suficiente para alimentação
do povo. As duas tradições são
mantidas somente para rituais e festas, como casamentos
e furação de orelha, quando o jovem
se prepara para a vida adulta. Para ter alimentação
durante o ano, os Xavante de Marãiwatsédé
mantém roça mecanizada, criação
de gado e de galinha. São condições
de sobrevivência. Eles precisam de uma produção
grande para acumular, nas casas, o milho e outros
alimentos que durem o ano inteiro, uma vez que não
possuem condições de perambular pelo
seu território.
Apesar de todo esse esforço,
várias inciativas dos índios, inclusive
a recuperação de áreas degradadas
com plantio de pequi e outras espécies nativas,
estão sendo dificultadas por conta de incêndios,
conforme relatos da comunidade. Há denúncias
de que posseiros colocam fogo para impedir que qualquer
coisa prospere. Por esse motivo, os projetos apoiados
pela Funai já incluem um planejamento de
contenção de incêndio.
O gado que existe na terra Indígena
também deverá ser criado de forma
a contribuir para a recuperação da
mata. Como a área de pastagem é superior
à necessidade do atual rebanho, será
feito o manejo do rebanho dentro de uma técnica
de rodízio de pasto. Caso a técnica
seja adotada, o gado confinado em determinada área
esgotará o capim, ao mesmo tempo em que contribuirá
para adubação do solo. Quando ele
for direcionado para outra pastagem, o solo estará
pronto para o plantio de roças, frutíferas
e sementes nativas, como pequi, baru, jatobá,
caju e macaúba. Depois da colheita, a área
é abandonada e as árvores crescem,
atraem a caça e fazem sombra, impedindo o
capim de crescer. É o que se chama de plantio
consorciado, dando início aos Sistemas Agroflorestais
(SAF). Os animais atraídos contribuem para
a dispersão das sementes e o ambiente se
recupera.
O plano de recuperação
da área degradada é desenvolvido pela
Funai, em parceria com o Ministério do Meio
Ambiente. De acordo com o Coordenador Regional de
Ribeirão Cascalheira, Denivaldo Roberto da
Rocha, “a Funai está acertando novas parcerias
com a Opan, com um fazendeiro da região que
apoia as questões ecológicas e com
outras instituições, procurando estabelecer
maior sustentabilidade para a comunidade”. A ação
inclui a formação de técnicos
locais e indígenas para cada atividade e
gestão dos projetos. “A ideia é romper
aos poucos com a dependência e atuar de forma
autossustentável”, complementa.
Monitoramento territorial - De
2008 para cá, a Funai, a Polícia Federal
e o Ibama, têm realizado várias ações
contínuas de fiscalização e
contra o desmatamento nas áreas invadidas
da Terra Indígena Marãiwatsédé.
Entre elas:
Junho de2008 - Operação
Roncador, do Ibama em parceria com a Funai, multa
um fazendeiro em mais de R$ 20 milhões pelo
corte de 4 mil hectares de vegetação
de floresta em Área de Preservação
Permanente (APP). Na ocasião, 10 fazendas
foram autuadas e 5 embargadas. Índios e servidores
da Funai receberam ameaças de morte para
cessar as ações de retirada.
De 21/7 a 01/8/2008 – Operação
da Funai, com apoio da Polícia Federal e
do Ibama, identifica 761 posseiros, autua os que
estavam depredando o meio ambiente e promovendo
a retirada de madeira. Estima-se que haja 3 mil
pessoas somente na vila Posto da Mata, dentro da
Terra Indígena.
Junho de 2009 - Funai inicia a
Operação I'rehi, por período
indeterminado, instalando um posto fixo de vigilância
na Terra Indígena de Marãiwatsédé,
a fim de realizar o monitoramento constante do território.
3/7/2009 – Operação
Pluma prende pessoas envolvidas com grupo que extraía
insumos vegetais e praticava a grilagem na Terra
Indígena Marãiwatsédé.
Há informações de que o grupo
era responsável pela devastação
de 60% da TI.
26/7/2009 - Operação
I'rehi, da Funai, flagra 12 tratores agrícolas,
nas fazendas Colombo e Conquista, em plena atividade
de desmatamento e preparo de solo para plantio mecanizado
no interior da área indígena.
27/7/2009 – Operação
Curuá, do Ibama, autua, em flagrante, os
ocupantes da fazenda Conquista e da fazenda Colombo
por impedir regeneração em área
de especial recuperação do cerrado
e apreende 10 tratores. A Polícia Federal
também foi acionada para combater a invasão.
29/7/2009 – Ibama notifica a empresa
cerealista Tanguro a apresentar licença de
funcionamento e relação de fornecedores
de grãos. O objetivo, com a relação
dos fornecedores, era identificar se a Tanguro havia
adquirido produtos de regiões embargadas,
como é o caso das fazendas Conquista e Colombo.
De acordo com o Decreto nº 6.514, de 2008,
a beneficiadora de grãos adquiridos de regiões
embargadas pode ser multada por contribuir para
a reincidência do dano ambiental.
9/9/2009 – Ibama autua a empresa
cerealista Tanguro por funcionar sem licença
do órgão ambiental competente e embarga
suas atividades. A licença não foi
apresentada, assim como a lista de fornecedores.
31/3/2010 – Operação
Soja Pirata prende dono de uma fazenda do grupo
Capim Fino, que plantava grãos na Terra Indígena
Marãiwatsédé. O Ibama recolheu
todo maquinário da propriedade que estava
embargada e a colheita de soja ilegal feita em 5,2
mil hectares.
30/08 a 10/12/2010 - Operação
I'rehi, da Funai, com participação
de lideranças indígenas, identifica
uma série de irregularidades na Terra Indígena
Marãiwatsédé. Entre elas: queimadas
na fazenda Agropecuária Dois Irmãos;
construção de cercas, piquetes e barracão,
além de maquinários agrícolas,
na fazenda do senhor Alemão; arma ilegal,
provas de arrendamento de pastagens e plantio de
novos pastos, na fazenda Velho Oeste. Em outras
posses foi constatada criação de gado,
construção de novas cercas, além
de localização de equipamentos de
motosserra. A Coordenação Regional
da Funai encaminhou ofício ao Ibama, Polícia
Federal e Ministério Público, denunciando
as irregularidades.
+ Mais
Funai assina convênio para
construção de casas Xavante
28 de dezembro de 2010 A Fundação
Nacional do Índio (Funai) vai construir,
em parceria com a Cooperativa de Habitação
Indígena da Região Sul (Coophirs),
40 casas indígenas, com arquitetura diferenciada,
na aldeia Marãiwatsédé, estado
de Mato Grosso. O convênio para a construção
das moradias foi assinado no dia 27 e publicado
nesta terça-feira, 28 de dezembro, no Diário
Oficial da União.
De acordo com o documento, a Funai
repassará R$ 575,9 mil, e a Coophirs entrará
com uma contrapartida de R$ 5,8 mil, perfazendo
um total de R$ 581,7 mil. O repasse vai complementar
os recursos do Programa Nacional de Habitação
Rural (PNHR), do governo federal, e viabilizar a
primeira etapa do Projeto Intercultural Xavante,
com a construção das primeiras 40
unidades. O valor da segunda etapa, para a construção
de mais 45 casas deverá ser repassado em
2011, com a assinatura de um Termo Aditivo.