No dia 1º de janeiro Dilma
defendeu o uso de energias renováveis. Menos
de um mês depois apóia publicamente
a inauguração de uma usina movida
a carvão. Afinal, qual é a posição
da presidente?
A política energética
brasileira, uma das meninas dos olhos da presidente
Dilma Roussef, deu, menos de um mês depois
de ela prometer no discurso de posse o incentivo
a investimentos em usinas à base de biomassa,
eólica e solar, mais um passo para trás.
O Brasil, oficialmente, coloca hoje mais uma termoelétrica
movida à combustível fóssil
em funcionamento em Candiota, Rio Grande do Sul.
Trata-se da usina Presidente Médici, ou Candiota
III como prefere, por óbvias razões,
o atual governo. A usina, parte de um complexo de
seis térmicas semelhantes, funciona a carvão,
considerado uma das fontes mais poluentes de energia.
Candiota III é o terceiro
tropeço do recém-empossado governo
na área de energia em menos de um mês
de vida. O primeiro foi o anúncio de um plano
para construir 11 megahidrelétricas na Amazônia.
O segundo, mais recente, a brutal forçada
de barra para que o Ibama desse algum tipo, aliás
qualquer tipo, de selo de aprovação
à construção da usina de Belo
Monte. E agora, Candiota III. Juntando os fatos,
pode-se muito bem supor que o discurso de Dilma
na sua posse, com declarações fortes
em favor das energias renováveis, foi apenas
papo. “Candiota III é um monumento à
geração energética do passado”,
diz Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de
Energias Renováveis do Greenpeace.
Movida a carvão – o menos
nobre e mais poluente dos combustíveis fósseis
– Candiota III promete gerar 350 MW de energia deixando
um rastro de emissões de gases responsáveis
pelo efeito estufa que ameaçam a saúde
humana e a estabilidade do clima do planeta. A usina
deve garantir uma energia firme de 315 MW e a produção
de 2,76 milhões de MWh por ano. Considerando
a emissão média de 1 tonelada de CO2
por MWh típica de térmicas a carvão,
obtém-se o espantoso montante de 2,76 milhões
de toneladas de CO2 emitidos por ano. Na prática,
toda essa numerália significa que uma única
usina – responsável por pouco mais de 0,5%
da energia gerada atualmente no Brasil - contribuirá
com o aumento de 10% das emissões atuais
do setor elétrico.
Isso, sem incluir a mineração
de carvão necessário à alimentação
de seus geradores, uma atividade que comprovadamente
causa impactos nocivos ao lençol freático
e ao solo. Dilma, fiel ao bordão do governo,
provavelmente dirá que Candiota III serve
para garantir a segurança energética
do país, assegurando que teremos energia
para continuarmos a nos desenvolver. É uma
lenda.
De acordo com o cenário
Revolução Energética, lançado
pelo Greenpeace na COP 16, em Cancun, o potencial
de energia eólica e biomassa e solar poderá
atender a boa parte da expansão energética
brasileira prevista com o crescimento econômico
das próximas décadas. A matriz elétrica
de 2050 seria, portanto, uma mescla entre o parque
hidrelétrico já instalado, com forte
participação de eólicas e cogeração
a biomassa e geração solar centralizada
e distribuída. Além dos óbvios
benefícios ambientais, os ganhos seriam sociais,
com a geração de empregos verdes,
e econômicos, com a redução
de gastos de combustíveis fósseis
para alimentar termelétricas.
Não há lugar para
termelétricas a carvão e nucleares
nessa matriz. Este tipo de usina é considerada
inflexível ou de operação ininterrupta
e não se adapta, portanto, a um modelo que
privilegia à conjunção da disponibilidade
momentânea de cada uma das renováveis.
O relatório “A Batalha das Redes” lançado
na semana passada pelo Greenpeace, mapeia o sistema
de redes necessário para conectar a geração
de energias renováveis na Europa e tornar
a matriz dessa região 100% renovável
e independente de fontes sujas até 2050.
“Se a Europa, continente de grande
geração fóssil, pode realizar
essa tarefa até meados deste século,
o Brasil, que já conta com uma matriz mais
de 80%, tem todas as condições para
chegar lá antes disso”, afirma Baitelo. A
privilegiada situação brasileira de
potencial renovável permite que apostemos
na conjunção entre os regimes de geração
das diferentes formas de energias renováveis,
que pode perfeitamente atender à demanda
nacional de forma segura.
Em suma, a presidente está
chancelando um empreendimento baseado em um modelo
energético do século retrasado. Mas
se quiser se redimir, ainda terá a oportunidade
de cumprir parte do que prometeu no ato da posse
e tirar o projeto de lei de energias renováveis
– PL 630 - do limbo na Câmara dos Deputados
em fevereiro.