07 Fevereiro 2011
por Aldem Bourscheit
Com vegetação reduzida a 8% da original1
e distribuída em milhares de fragmentos florestais,
a Mata Atlântica convive hoje com ambientes
intensamente urbanizados onde se concentram 112
milhões de brasileiros (59% da população)
e atividades econômicas que respondem
por mais de 60% do PIB nacional. Apesar das profundas
transformações que sofreu ao longo
da história, o bioma ainda abriga diversas
e raras formas de vida e fornece água, opções
de lazer, proteção de encostas e outros
serviços ambientais indispensáveis
ao desenvolvimento e à manutenção
da qualidade de vida das populações.
Logo, merece atenção especial de governos,
setor privado e sociedade.
Apresentado na última sexta-feira (4), um
diagnóstico sobre o cumprimento de metas
de conservação da biodiversidade na
Mata Atlântica, elaborado pelo WWF-Brasil
em parceria com a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
e apoio de uma série de instituições2,
aponta que o Brasil tem amplo espaço para
avançar na manutenção e principalmente
na recuperação do bioma.
Das 51 metas nacionais para proteção
da floresta, baseadas em diretrizes globais da Convenção
das Nações Unidas sobre Conservação
da Diversidade Biológica3, o país
cumpriu duas na totalidade, cinco não foram
executadas e o restante encontra-se em estágios
intermediários de cumprimento. “Planos oficias
e privados de desenvolvimento não deram a
devida prioridade ao bioma, resultando em esforços
insuficientes para sua restauração
e conservação”, disse Cláudio
Maretti, superintendente de Conservação
do WWF-Brasil.
De forma geral, os maiores avanços
se deram em produção de conhecimento
e criação de áreas protegidas.
Há grande quantidade de informações
sobre as riquezas naturais da Mata Atlântica,
como uma listagem completa de suas quase 16 mil
plantas diferentes e de suas áreas prioritárias
para conservação. A meta de se proteger
dez em cada cem hectares de sua área até
2010 foi quase atingida, com 8,9% do bioma em unidades
de conservação públicas e privadas.
Vale ressaltar que elas são em média
menores que as de outros biomas e precisam proteger
mais animais e plantas raros ou ameaçados
de extinção.
Indicadores menos satisfatórios
foram registrados em monitoramento e redução
de impactos, acesso a recursos genéticos
e repartição de benefícios,
educação e informação
pública, e fortalecimento jurídico
e institucional. O uso sustentável da biodiversidade
também não avançou, por entraves
como a alta fragmentação do que resta
do bioma, impedindo o manejo florestal, e pela falta
de projetos focados no aproveitamento de frutos,
fibras e outros recursos não-madeireiros.
“As metas brasileiras eram bastante ambiciosas e,
na média de seu cumprimento, o país
avançou na proteção da Mata
Atlântica. Todavia, há um descompasso
entre necessidades ambientais e capacidade estatal
para cumpri-las”, ressaltou Luciana Simões,
coordenadora do Programa Mata Atlântica do
WWF-Brasil.
Parques nacionais e estaduais
e outras unidades de “proteção integral”
somam apenas 2,3% da área protegida no bioma.
Na Mata Atlântica há 627 reservas particulares,
a maior concentração do país,
e muitas se interligam com outras parcelas importantes
para a conservação da biodiversidade.
“Estima-se que 80% dos remanescentes da Mata Atlântica
estejam com proprietários privados. Logo,
eles são fundamentais para se resguardar
o que resta da floresta. Mas, praticamente não
existe política pública para incentivar
a criação e manutenção
de reservas particulares”, ressaltou Luciana Simões.
Encerrado o prazo de 2010 e com
as decisões tomadas na conferência
de Nagoia (Japão)4, em outubro passado, deverão
ser protegidos ao menos 17% da Mata Atlântica
até 2020, o dobro do hoje abrigado em unidades
de conservação. Para áreas
marinhas, que têm relação estreita
com o bioma, o percentual a ser protegido permaneceu
em 10%. Hoje, há apenas 1,53% de áreas
protegidas no mar brasileiro, enquanto 80% dos recursos
pesqueiros marinhos estão super explorados.
“Hoje não temos remanescentes
em quantidade e qualidade para alcançar a
meta de 17%. Se o Código Florestal tivesse
sido respeitado, teríamos um quadro muito
melhor”, destacou Clayton Lino, presidente do Conselho
Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
(RBMA) e um dos coordenadores do estudo. “Precisamos
de um plano nacional com metas anuais até
2020, focado na restauração da mata,
formação de corredores e pagamento
por serviços ambientais”, disse. A Reserva
da Biosfera da Mata Atlântica é a maior
entre as 564 reservas semelhantes reconhecidas pelas
Nações Unidas em 109 países,
formando um grande corredor com áreas em
15 estados.
Clayton Lino, da RBMA, lembra
que as metas de conservação para 2020
exigem do Brasil um olhar mais intenso a todos os
seus biomas terrestres e para o mar, bem como um
reforço de suas instituições
públicas para licenciar e agir contra a ilegalidade.
“Este balanço aponta lacunas nas ações
nacionais pela Mata Atlântica, mas também
as correções necessárias para
melhorarmos a proteção e recuperação
do bioma, algo fundamental para o dia a dia de milhões
de brasileiros”, ressaltou.
Na contramão da conservação,
ainda são registradas agressões como
desmatamento ilegal, saque de madeira para lenha
e captura de animais para tráfico, empobrecendo
o que resta do bioma. Dos 396 animais oficialmente
ameaçados de extinção no Brasil,
350 são da Mata Atlântica. Em 1989,
eram 171. Atualmente, ela detém 65% dos animais
e mais da metade das plantas brasileiras ameaçadas
de extinção. Pelo menos 88 aves únicas
da Mata Atlântica estão ameaçadas.
“Também grave é
a ameaça de descaracterização
que paira sobre o Código Florestal e toda
a legislação ambiental brasileira.
Isso indica a necessidade de uma maior mobilização
e articulação política da sociedade
em direção a um desenvolvimento efetivamente
sustentável”, apontou Luciana Simões,
do WWF-Brasil.
1. Por volta do ano 1.500, a Mata
Atlântica ocupava 1.315.460 quilômetros
quadrados (15%) do território brasileiro,
distribuindo-se em 17 estados e cobrindo total ou
parcialmente 3.222 municípios. Levantamento
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
e da Fundação SOS Mata Atlântica,
com dados entre 2005 e 2008, mostra que restam 7,91%
(102 mil quilômetros quadrados) da Mata Atlântica
em fragmentos com mais de cem hectares, concentrados
em regiões serranas no Sul e Sudeste. Mas,
se forem contabilizados fragmentos com menos de
cem hectares, os remanescentes da floresta chegam
a 27%.
2. Secretaria de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo, Ministério
do Meio Ambiente, Universidade Federal de Minas
Gerais, The Nature Conservancy, Associação
para a Proteção da Mata Atlântica
do Nordeste, Conservação Internacional,
Fundação SOS Mata Atlântica
e Rede de ONGs da Mata Atlântica
3. A Convenção sobre
Diversidade Biológica das Nações
Unidas (CDB) foi inicialmente aprovada na Rio92.
Em 2004, a CDB define 21 metas globais de conservação
da biodiversidade e, em 2006, o Brasil aprova suas
metas nacionais.
4. 10ª Conferência
das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica das Nações Unidas.