21/02/2011 - A senadora Kátia
Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
está em franca campanha
pela aprovação do relatório
do deputado Aldo Rebelo que cria o Novo Código
Florestal brasileiro. Usando dados do IBGE faz parecer
que a área de matas e florestas nas propriedades
particulares cresceu significativamente, o que não
ocorreu.
Nessa batalha, a senadora já
conversou com o ministro da agricultura, Wagner
Rossi, e com secretários estaduais de agricultura.
Os próximos na lista são os secretários
estaduais de meio ambiente. Tudo para que convençam
suas bancadas no Congresso a votar a favor da proposta
de Rebelo. Mas a senadora adota argumentos baseados
em um estudo que, supostamente, mostra um crescimento
significativo das áreas florestais em terras
particulares.
De acordo com a CNA, enquanto
as áreas dos estabelecimentos agropecuários
aumentaram 32,1% entre 1960 e 2006, as áreas
de mata e floresta dentro de propriedades privadas
cresceram 72,5%. “Em 46 anos, o crescimento das
matas e florestas localizadas dentro de áreas
privadas foi mais do que o dobro [em termos proporcionais]
do crescimento geral registrado das áreas
privadas. Estamos totalmente inseridos no processo
de melhoria das condições das matas
ciliares, protegendo a água e todas as encostas
que estiverem ferindo os aquíferos e rios
subterrâneos, porque estas são nossas
fontes de vida”, afirma Kátia Abreu. Veja
a matéria.
Após anos consecutivos
de desmatamento recorde, como pode a realidade se
apresentar tão diferente do senso comum?
Olhando de perto os dados usados pela CNA, percebe-se
que eles foram manipulados de maneira a induzir
a um grave erro de interpretação.
Revisando os dados do Censo Agropecuário
do IBGE, fonte utilizada pela CNA, percebe-se que
o aumento proporcional das áreas de florestas
nativas nos imóveis rurais é bem menor
do que o que vem sendo alardeado. A tabela abaixo
mostra a conta correta. A proporção
de matas e florestas em relação a
áreas de estabelecimentos agropecuários
(privadas) saiu de 23,19% em 1960 para 29,85% em
2006. Houve, portanto, um crescimento de 6,66% ao
invés dos 72,5% alardeados pela CNA.
Muitos poderão alegar que,
ainda assim, é um crescimento significativo.
Mas é preciso ir além da superfície
dos números e qualificar melhor o que estes
representam. Cabe lembrar que a expansão
da fronteira agrícola a partir dos anos 70
se deu basicamente em regiões florestadas
do Cerrado e da Amazônia, locais onde as áreas
passíveis de derrubada são menores
(na Amazônia desde 1965 deve-se manter 50%
da cobertura florestal nativa, percentual que aumentou
para 80% em 1998). Nesse sentido, o aumento relativo
de matas e florestas em áreas privadas se
deu principalmente pela incorporação
ao patrimônio privado de áreas públicas
florestadas, e não por uma recuperação
florestal nos imóveis já existentes.
Outro ponto que o estudo da CNA não discute
é a redução da proporção
de matas e florestas nos imóveis particulares
entre 1975 e 2006. Os mapas, abaixo, de retração
da vegetação nativa do IBGE ilustram
que as áreas de vegetação nativa
diminuíram em todo o território nacional.
É importante notar ainda
que os Censos Agropecuários, assim como os
demais censos, são autodeclaratórios,
e que mudanças nos contextos políticos
podem levar a algum tipo de viés nas respostas.
Em 1960, por exemplo, havia uma forte pressão
pela reforma agrária, o que pode ter contribuído
para uma subestimativa das áreas de florestas
em favor das lavouras com o objetivo de garantir
a posse da terra. Em 2006, a situação
já é bem diferente e poucos produtores
se arriscariam a declarar que tinham áreas
de matas e florestas menores que as estabelecidas
pelo Código Florestal.
Para além da discussão
falaciosa de números, o caminho para resolver
o impasse do Código Florestal passa por soluções
que reflitam a diversidade socioambiental do país
e que busquem inovar tanto nas velhas políticas
agrícolas de crédito, seguro e comercialização,
tanto como novos mecanismos de valorização
dos ativos florestais em propriedade privadas. Dos
números, cabe buscar a equação
de equilíbrio, do ganha-ganha, onde todos
os lados podem se beneficiar e, em especial, os
nossos filhos e netos.
ISA , Léa Vaz Cardoso
+ Mais
Banco do Brasil começa
a restringir crédito de quem não cumprir
Código Florestal a partir de junho
09/02/2011 - Candidatos a empréstimos
terão de registrar sua área de Reserva
Legal em cartório ou entrar para o Mais Ambiente,
programa federal de regularização
ambiental. Outros bancos públicos já
vem adotando a medida, considerada tendência
do mercado.
A partir de 12 de junho, o Banco
do Brasil passará a exigir de produtores
rurais candidatos ao crédito o cumprimento
do Código Florestal – ou pelo menos o compromisso
oficial de cumpri-lo. Eles precisarão aderir
ao programa federal de regularização
ambiental, o Mais Ambiente, ou comprovar a averbação
da Reserva Legal (RL) da propriedade.
Anunciada em dezembro passado,
em uma circular do banco destinada a organizações
do setor agrícola, a medida observa os prazos
definidos no decreto 7.029 de 2009, que criou o
Mais Ambiente (veja a norma). Depois de junho, quem
não tiver preservadas as áreas protegidas
por lei de sua propriedade ou não entrar
no programa poderá ser multado e sofrer embargo.
A adesão ao Mais Ambiente,
no entanto, pode ser feita até dezembro de
2012. Com ela, o proprietário compromete-se
a registrar e recuperar a RL e a Área de
Preservação Permanente (APP) de suas
terras em um período acordado com os órgãos
ambientais. Dentro desse prazo, o produtor não
pode ser autuado por infrações cometidas
até 2008. Multas já aplicadas serão
perdoadas se forem cumpridos os compromissos firmados
na adesão ao programa no prazo estipulado.
“Nossa postura em relação
a exigências ambientais é seguir exatamente
aquilo que está previsto na legislação.
Se a legislação mudar, nós
vamos mudar”, afirma Álvaro Schwerz Tosetto,
gerente executivo da Diretoria de Agronegócio
do Banco do Brasil. Ele explica que a comunicação
de dezembro teve o objetivo de alertar os produtores
sobre a data-limite para que eles oficializem o
compromisso de regularizar-se. “Apesar de o decreto
ter saído lá atrás [em 2009],
ela instituiu prazos e eles estão muito próximos.”
Tosetto confirma que o banco está tentando
se resguardar do risco de financiar quem não
está em dia com a lei e ser coresponsabilizado
por danos ambientais. Até junho, os tomadores
de crédito estão sendo obrigados a
assinar uma declaração de que conhecem
a legislação e os prazos previstos
para se adequarem (veja o documento).
O Banco da Amazônia (BASA)
e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) já vêm exigindo a
averbação. A novidade é a entrada
do Banco do Brasil nesse rol, e com uma medida que
vale para todo País. A instituição
é responsável por 63% dos financiamentos
do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR),
com mais de 1,5 milhão de produtores rurais
entre seus clientes.
A RL é a fração
de toda propriedade rural que não pode ser
desmatada. Ela é de 80% no bioma amazônico,
de 35% no Cerrado dentro da Amazônia Legal
e de 20% no resto do País. Averbar a RL significa
registrar seus limites e coordenadas geográficas
em cartório, na matrícula do imóvel.
A APP é a faixa de vegetação
situada ao longo de corpos de água, no topo
de morros e em encostas que também não
pode ser eliminada.
Iniciativa é a última
de uma série
“A medida é um passo importante
para o reconhecimento, por parte das instituições
financeiras, de que danos ambientais causados por
financiamentos são de sua corresponsabilidade”,
aponta Luciano Loubet, promotor de Justiça
em Bonito (MS) e diretor da Associação
Brasileira do Ministério Público Ambiental
(ABRAMPA). Ele acredita que a medida do Banco do
Brasil aponta para uma tendência. “Se não
houver regularização, o próprio
mercado irá recusar o produto”. Loubet defende
que os bancos adotem instrumentos para comprovar
a veracidade dos documentos apresentados pelos agricultores.
Em várias regiões, há fraudes
na averbação de áreas de RL
que, de fato, não existem.
Com uma experiência de oito
anos atuando entre agricultores no Mato Grosso do
Sul, o promotor julga que é possível
cumprir a legislação. “Na hora em
que a lei começa a ser exigida efetivamente,
há um movimento para mudá-la. Alguns
setores e pessoas não se conformam com as
exigências que existem no Código Florestal
e estão trabalhando de todas as formas para
que ele não seja implementado”.
A iniciativa do Banco do Brasil
faz parte de uma série de medidas que buscam
apertar o cerco de quem desmata ilegalmente, incluindo
a restrição ao crédito agrícola.
Em dezembro de 2007, o governo federal editou o
Decreto 6.321, que determinou o embargo das áreas
desmatadas ilegalmente e a coresponsabilização
de empresas que compram produtos originados de desmates
ilegais no bioma amazônico. Ele instituiu
a lista oficial dos municípios amazônicos
que mais desmatam e obrigou o recadastramento fundiário
das propriedades.
Em fevereiro de 2008, uma resolução
do Conselho Monetário Nacional (CMN) obrigou
bancos públicos e privados a exigir o cumprimento
da legislação ambiental dos candidatos
ao crédito no bioma amazônico, incluindo
a necessidade de apresentar declaração
de que não há áreas embargadas
no imóvel e a averbação da
RL (saiba mais).
Em julho de 2008, foi editado
o Decreto 6.514, que regulamentou a lei de crimes
ambientais. A norma possibilitou, pela primeira
vez, aplicar sanções administrativas
a quem se recusasse a recuperar a RL e APP em seu
imóvel. O decreto mencionava a perda ou suspensão
de crédito de bancos oficiais a quem cometesse
algum crime ambiental em todo País, incluindo
o desmatamento.
Em dezembro de 2009, o Decreto
7.029 ampliou os prazos para regularização
ambiental previstos no Decreto 6.514 e criou, em
âmbito federal, o programa Mais Ambiente.
Código florestal
O novo procedimento do Banco do
Brasil vem a público em meio à discussão
na Câmara da polêmica proposta de alteração
do Código Florestal. A expectativa de parte
dos produtores é de que várias exigências
impostas pela lei atual desapareçam ou diminuam.
O relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
sobre o tema prevê redução das
áreas de RL e APP, anistia a quem desmatou
ilegalmente e o fim da obrigação de
recuperar passivos ambientais. Se for aprovado como
está, parte das medidas restritivas ao crédito
também perderá eficácia. Se
não for votado no primeiro semestre, como
esperado, devem crescer as pressões pela
ampliação dos prazos do Mais Ambiente.
Há, portanto, um clima de incerteza sobre
seu futuro.
“Muita gente vai deixar de usar
o crédito rural. Eles vão buscar as
formas alternativas de autofinanciamento”, avalia
Derli Dossa, chefe da Assessoria de Gestão
Estratégica do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). Ele acredita
que a maioria dos agricultores está tentando
se regularizar, mas que as dificuldades técnicas,
a burocracia e os custos são muito grandes.
“As pessoas têm medo de que, a partir do momento
que façam um compromisso por escrito no banco,
estarão se autodenunciando se não
tiverem a RL ou a APP. Isso faz com muitos produtores
temam ser afetados, em função da possibilidade
de serem acionados na justiça por não
cumprir as normas que se comprometeram a cumprir”,
explica. Dossa julga que os prazos para a regularização
precisariam ser ampliados.
A presidente da Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
e senadora Kátia Abreu (DEM-TO) disse nesta
semana que as restrições ao crédito
agrícola vão limitar a produção
e podem causar inflação. Ela afirmou
que o Mais Ambiente “só existe no papel”
e que suas regras não estão disponíveis,
sendo impossível aderir ao programa e cumprir
suas exigências.
Álvaro Tosetto informa
que, até agora, não há desistência
de contratos. Ele acredita ainda que os financiadores
privados também devem começar a aplicar
restrições, inclusive as traders (comercializadoras
agrícolas que financiam grande parte dos
plantios).
Necessidade de incentivos
A medida do Banco do Brasil foi
aplaudida por organizações ambientalistas,
que a veem como um passo para que a lei florestal
deixe de ser uma lei “que não pega”. Mas
a avaliação é de que ela pode
não ser suficiente. “Essa nova política
do banco vai na linha de aumentar a restrição
a quem não está regularizado, o que
é necessário. Mas tão ou mais
importante é criar medidas que premiem o
produtor rural que está regularizado, criando
uma sinalização positiva que sirva
de incentivo para que todos queiram se legalizar”,
afirma Raul do Valle, coordenador adjunto do Programa
de Política e Direito Socioambiental (PPDS)
do ISA.
Para ele, os diversos instrumentos
da política agrícola – entre eles,
o crédito – deveriam diferenciar positivamente
quem cumpre com a legislação, oferecendo
juros menores, melhores condições
de pagamento ou um preço maior pelos produtos
vendidos ao Poder Público. “Por que hoje
o sujeito que cuida de sua mata ciliar e mantém
sua RL recebe o mesmo valor pelo milho do que outro
que usa essas áreas para produzir e deixa
à sociedade rios assoreados, encostas caindo
e biodiversidade extinta?”, indaga. Para ele, é
mais barato à sociedade pagar melhor quem
protege “do que conviver com enchentes, deslizamentos
e secas, cujos custos em vidas e em dinheiro são
altíssimos”. O ISA vem elaborando propostas
de vinculação da política agrícola
à ambiental que devem ser apresentadas ao
Governo Federal ainda neste semestre.
ISA, Oswaldo Braga de Souza