25/02/2011 - No momento
em que a Organização das Nações
Unidas (ONU) anuncia 2011 como o Ano Internacional
das Florestas, a discussão sobre o Código
Florestal Brasileiro gira em torno de propostas
como anistia a desmatadores, redução
nas áreas de preservação permanente,
ocupação de encostas e topos de morros,
entre outras agressões à legislação
ambiental em vigor.
Essas ameaças, reunidas
no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB),
levaram pesquisadores da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia
Brasileira de Ciências (ABC) a participar
de um seminário na Câmara dos Deputados,
terça-feira, 23 de fevereiro, para divulgar
um estudo sobre os inevitáveis danos que
tais mudanças provocarão. (Saiba mais.)
“O Código de 1965 precisa,
sim, de modificações, mas a solução
não está nesse substitutivo”, afirmou
José Antônio Aleixo da Silva, coordenador
do trabalho e professor da Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE). Para o deputado Ivan
Valente (Psol-SP), que foi um dos coordenadores
da mesa do seminário, o resultado foi positivo.
“Pela qualidade das informações e
pela quantidade de pessoas presentes, ficou muito
claro que o Relatório Aldo Rebelo foi elaborado
em função dos interesses de uma corporação,
do agronegócio, enquanto a ciência
está a serviço dos grandes projetos
de Nação, do interesse público.”
Valente defende que é preciso
impedir a votação apressada do relatório.
“Temos de ampliar a discussão porque todo
dia aparecem fatos novos, desde as tragédias
da região serrana do Rio até este
seminário, onde a SBPC assumiu publicamente
uma posição mais clara e incisiva
contra o relatório do Aldo.”
O substitutivo de Rebelo ao Código
Florestal já foi aprovado em julho por uma
comissão especial e agora deve passar pela
votação dos 513 deputados em plenário.
A bancada ruralista vem promovendo reuniões
com os partidos na tentativa de fortalecer a pressão
sobre a presidência da Casa para que coloque
o relatório em votação ainda
em março. Para Ivan Valente, os ruralistas
aceitarão votar o substitutivo até
meados de abril. “Mas nós podemos adiar isso,
se contarmos com a capacidade de pressão
da sociedade.”
Preocupação ultrapassa fronteiras
A preocupação com
os danos ambientais, caso seja aprovado o relatório
do deputado Rebelo, ultrapassou as fronteiras brasileiras.
A Rede Latino-Americana de Ministério Público
Ambiental, que representa 17 países, em apoio
à Associação Brasileira do
Ministério Público de Meio Ambiente
(Abrampa) e organizações da sociedade
civil, entregou à presidência da Câmara
uma moção em que pede a rejeição
do projeto.
Da mesma forma, o Instituto O
Direito Por um Planeta Verde, que reúne magistrados,
promotores de justiça, procuradores, advogados
e membros de instituições universitárias,
definiu como grave a ameaça às florestas
contida na proposta. “A pretexto de uma revisão
e de uma adequação da legislação
florestal, o que estamos vislumbrando é um
retrocesso muito significativo que vai ter e já
está tendo repercussões, com o aumento
do desmatamento, sobretudo na Amazônia”, afirmou
o presidente do Instituto, Carlos Teodoro Irigaray.
O relatório de Rebelo, aprovado em 6 de julho
de 2010 por 13 a 5 na comissão especial que
discutiu o tema gerou uma enorme polêmica.
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS),
propôs a criação de uma comissão
de entendimento para tentar promover uma negociação
que permita a votação da matéria
ainda nesse semestre.
Deputado diz que relatório
é imprestável
“A presidente Dilma Rousseff não
pode iniciar seu governo com um retrocesso dessa
magnitude na nossa legislação ambiental.
Vamos discutir a criação de uma comissão
mista de ruralistas e ambientalistas, que permita
um parecer mais equilibrado sobre a necessidade
de mudanças e atualização no
Código Florestal”, disse ao ISA o deputado
Ricardo Trípoli (PSDB-SP).
“Vamos reavaliar tudo. O relatório
do Aldo é imprestável. Precisamos
partir do patamar zero. Também estou pedindo
a agenda da ministra do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira, para marcarmos uma conversa. Vi pela mídia
que existe a intenção de o MMA apresentar
proposta alternativa”, acrescentou o deputado do
PSDB.
A proposta de retomada das discussões
em um patamar mais equilibrado entre ambientalistas
e ruralistas é apoiada pelo deputado Dr.
Rosinha (PT-PR): “Acho que teremos de retomar o
debate desde o início, não só
pelas questões ambientais e os desastres
ocorridos recentemente, mas também porque
46% dos parlamentares são novos.”
O deputado apresentou uma proposta
de substitutivo ao relatório de Rebelo que,
segundo afirmou, foi construída em parceria
com setores do governo. “Não é o ideal,
é apenas reparação de danos.
Quando você tem um relatório aprovado,
como já aconteceu na comissão especial,
em julho de 2010, ou ele é aprovado no plenário
ou é rejeitado por completo. Como conheço
a Câmara, sei que será muito difícil
que seja rejeitado por completo. Meu relatório
pode desencadear uma retomada do debate que, espero,
permita avançar ainda mais, se possível,
anulando totalmente os danos causados pelo relatório
do Aldo. O MMA tem condição de refazer
esse debate.”
Alternativa é comitê
de bacias
Para o engenheiro agrônomo
Arnaldo Carneiro Filho, especialista em ecologia
de paisagens, o resultado da votação
da proposta de Aldo Rebelo pelo plenário
da Câmara dos Deputados não mudará
o objetivo das discussões: “Vamos continuar
precisando de um novo Código Ambiental. Com
o atual, só acumulamos perdas. E a chance
que tínhamos de recuperar o passivo estará
perdida com a proposta do deputado Aldo Rebelo.”
Carneiro Filho diz que prefere
evitar a discussão sobre os dois códigos:
“Tenho me abstraído porque estou convicto
de que precisamos construir uma coisa nova, um Código
que enxergue, primeiro, a realidade, que seja capaz
de fazer uma bela radiografia da situação,
e nenhum dos códigos foi feito com essa base.”
Ele discorda que o debate tenha de incluir no outro
polo os proprietários rurais. “É besteira
ficar brigando com eles. Eles são 5,2 milhões
no país e até hoje nós não
temos a questão fundiária resolvida.
Então, eu não enxergo esses proprietários
na paisagem. Não tenho como estabelecer metas
para eles, como o Código estabelece, se não
há como monitorar o cumprimento das metas.
Esse é o grande blefe do Código. Cria
obrigações, sem que se vislumbre qualquer
capacidade de controle sobre isso. Tanto no Código
velho quanto nas propostas para mudanças.
Enquanto não tivermos propriedades rurais
bem expostas nos mapas, não vamos verificar
quem cumpre e quem não cumpre.”
Para o agrônomo, o que ele
chama de “novo recorte na governança da polêmica”
passa pela proposta dos comitês de bacias
hidrográficas. “Desde a lei de gestão
de águas, criamos uma figura de governança,
os comitês de bacias, e eu gostaria de trabalhar
mais com essa ideia. Pode ser um grande ordenador
de negócios, que permitirá identificar
quem são os agentes importantes naquela bacia.
Seriam os urbanos que consomem água, seriam
as indústrias, os serviços, os agricultores?...
Ou seja, a ideia era associar água e floresta,
já que ecologicamente eles são associados,
e as metas a gente poderia estabelecer por bacias
hidrográficas.” Os comitês de bacias
teriam capacidade de gerar negócios, recompondo
os passivos industriais, o consumo de água
urbana, os serviços e as atividades dos ruralistas,
que também são parte dessa trama.
“Paralelamente, vamos praticar uma economia florestal
seriamente estimulada no Brasil. Essa é nossa
grande vocação. Não é
boi, não é soja, nada disso, mas é
plantar florestas. Defendo um modelo mais proativo,
menos jurídico, menos legalista e com mais
oportunidades econômicas. Esse é o
atrativo para quem está no campo.”
Florestas sustentam 1,6 bilhão
de pessoas
Depois de anunciar 2011 como Ano
Internacional das Florestas, as Nações
Unidas desenvolvem, desde o dia 2 de fevereiro,
atividades para “promover a consciência e
fortalecer uma gestão, conservação
e desenvolvimento sustentável”. Segundo estimativas,
1,6 bilhão de pessoas dependem das florestas
para sobreviver e, no mundo todo, as matas são
a casa de 300 milhões de indivíduos.
Esse ambiente é o habitat de 80% da biodiversidade
existente no planeta.
Apesar dos argumentos convincentes
lançados pela ONU para estimular a preservação,
o desmatamento ainda é um inimigo presente
na busca pelo desenvolvimento sustentável.
Um estudo da organização Conservação
Internacional (CI) divulgado dia 2 de fevereiro,
identificou as dez florestas mais ameaçadas
do mundo – o Brasil aparece na lista com os apenas
8% que restaram da Mata Atlântica. No dia
3 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo informou
que nos cinco meses que se seguiram à menor
taxa de desmatamento da Amazônia em 22 anos,
o ritmo das motosserras na floresta voltou a crescer.
Os satélites do Inpe indicaram aumento de
11% no abate de árvores entre agosto e dezembro
de 2010, comparado ao mesmo período do ano
anterior.
Captado pelos satélites
do sistema Deter, mais rápido e menos preciso,
os números não permitem afirmar, por
ora, que houve reversão na tendência
de queda do desmatamento, registrada por dois anos
consecutivos. Mas os dados já deixam a área
ambiental do governo em alerta, afirma o jornal.
Entre agosto e dezembro do ano passado, os satélites
registraram o abate de 1.267 quilômetros quadrados
de floresta. No mesmo período de 2009, o
mesmo sistema havia captado o desmatamento de 1.144
quilômetros quadrados, informou o Estadão.
No dia 5, o diário carioca
O Globo informou que o Ibama antecipou a temporada
de fiscalizações, que normalmente
são deflagradas em março. De acordo
com o jornal, naquela semana, o órgão
desmontou um desmatamento em área pública:
foi aberta uma clareira de 2 mil hectares em Castelo
dos Sonhos, distrito de Altamira, no Pará.
“O cerco aos contraventores no chamado cinturão
do desmatamento (Pará, Mato Grosso e Rondônia)
força os madeireiros a migrar rumo às
áreas de difícil acesso e floresta
virgem no Amazonas, o maior e mais bem preservado
estado da região”, relata a matéria.
“Depois de identificar o avanço em direção
às matas intocadas, os fiscais elegeram cinco
grandes pontos de combate aos madeireiros, guarnecidos
por patrulhamento aéreo e fluvial: o Sul
do Amazonas; o Sul de Roraima; a região de
Barra do Corda, no Maranhão; o Centro-Sul
do Pará; e a área crítica de
desmate na divisa entre Pará e Mato Grosso.
Dez ações estão em curso neste
momento.”
Em Castelo dos Sonhos, os fiscais
se surpreenderam com o tamanho da destruição
- equivalente a 2 mil campos de futebol - em pleno
período de chuvas e numa área de difícil
acesso. Além do embargo do terreno, o Ibama
já pediu à Justiça autorização
para destruir maquinário e veículos,
mas ninguém foi preso em flagrante, afirmou
o diário carioca.
ISA, Julio Cezar Garcia
+ Mais
Marco Maia, presidente da Câmara
dos Deputados, diz que vai criar “câmara”
para discutir mudanças no Código Florestal
17/02/2011 - Parlamentares da
Frente Ambientalista pedem mais tempo para discutir
relatório, que deve ser incluído na
pauta de votação na segunda quinzena
de março.
O presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT-RS), afirmou ontem que
vai criar uma “câmara de negociação”,
integrada por representantes do governo, das bancadas
ruralista e ambientalista, para discutir as mudanças
no Código Florestal. Ainda não há
informações sobre a forma de funcionamento
e os prazos da iniciativa. O anúncio foi
feito num encontro com a Frente Parlamentar Ambientalista.
Os parlamentares pediram a Maia
mais tempo para discutir o polêmico relatório
sobre o Código do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
“O texto como está não pode ser votado,
será preciso antes um debate democrático”,
argumentou o deputado Ivan Valente (Psol-SP). Aprovado
em uma Comissão Especial no ano passado,
o texto deve ser incluído na pauta de votação
do plenário na segunda quinzena de março.
O coordenador da Frente, deputado
Sarney Filho (PV-MA), afirmou que o relatório
de Rebelo contém dispositivos inaceitáveis
por permitirem mais desmatamento, a redução
de Áreas de Preservação Permanente
(APP) e a anistia a quem desmatou ilegalmente. “A
nossa prioridade número um é o Código
Florestal”, disse. Ele avaliou que, com a renovação
de cerca de 45% do Congresso, existe um interesse
maior dos parlamentares pela temática ambiental.
O encontro com o presidente da
Câmara ocorreu após o relançamento
da Frente Ambientalista, com a presença de
cerca de 300 pessoas. A avaliação
feita pelos parlamentares que participaram do evento
é que a proposta de mudança do Código
Florestal em discussão dentro do governo
reforça a necessidade de ampliar o debate
sobre o assunto.
“O setor que represento, de papel
e celulose, adaptou-se às normas existentes
e esse exemplo deveria ser seguido por outros setores
produtivos. A proposta deve ser negociada, o que
não podemos é prejudicar a imagem
do nosso País como grande potência
ambiental”, disse o empresário e presidente
da SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin.
Grupo de trabalho
Também ontem o PT anunciou
a criação de um grupo de trabalho
para discutir a posição do partido
sobre a mudança do Código. O deputado
Márcio Macêdo (PT-SE), que apresentou
requerimento para a criação do grupo
e é integrante da Frente Ambientalista, explicou
que seu objetivo é discutir pontos de consenso
e negociar com o governo uma proposta alternativa
ao relatório do deputado Aldo Rebelo. "A
ideia é buscar entendimentos para construir
uma proposta consensual, pois o relatório
do deputado Aldo Rebelo prioriza excessivamente
a agricultura”. O deputado ainda lembra que o governo
brasileiro tem assinado vários tratados internacionais
de proteção ambiental e o Código
Florestal, para ser eficiente, deve acompanhar esses
acordos.
A bancada ruralista e a Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
intensificaram as articulações para
antecipar a votação do relatório
de Rebelo. Na semana passada, aumentou o coro de
críticas ao Decreto nº7.029/2009, que
obriga os agricultores a regularizar sua situação
ambiental até junho. A senadora e presidente
da CNA, Kátia Abreu (DEM-TO), reuniu-se com
secretários estaduais de agricultura e com
o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Wagner Rossi, para defender o relatório de
Rebelo.
Com Agência Câmara.
ISA, Oswaldo Braga de Souza