Pouco mais de 24 horas após
o anúncio do vazamento radioativo na usina
nuclear de Fukushima, o balanço dos fatos
já assusta. Mais de 210 mil moradores da
região onde fica a planta tiveram que ser
evacuados e outros 160 estão sendo mantidos
em quarentena pelas autoridades, que receiam o risco
de contaminação por radiação.
Ninguém escapa, crianças, adultos,
idosos, animais, plantas. Tudo e todos que estavam
ao redor da usina correm o risco de serem afetados
pelo vazamento. Isso por que, segundo informações
anunciadas pelo governo japonês,
a usina não foi planejada para aguentar tremores
superiores a 7,9 graus na escala Richter, bem abaixo
da intensidade do terremoto que atingiu o Japão,
que foi revista hoje para 9 graus.
As consequências podem ser
devastadoras. "O impacto da liberação
de radiação ao meio ambiente não
impacta apenas a população diretamente
afetada na área. A radioatividade perdura
por várias gerações, tanto
em organismos humanos, quanto em terras que deixam
de produzir alimentos ou servir de moradia a populações,
como foi o caso em Chernobyl", disse o responsável
pela campanha de energia do Greenpeace Brasil, Ricardo
Baitelo.
Em reportagem publicada no jornal
americano New York Times, especialistas já
haviam alertado que a usina não estava funcionando
adequadamente logo em seguida ao terremoto. A reportagem
relata que quantidades de césio foram detectadas,
uma indicação clara de que o combustível
que alimenta a planta já estava danificado.
Apesar disso, as autoridades se
mantiveram inertes por horas até ordenarem
a evacuação da área. Horas
essas valiosas para a vida de milhares de pessoas.
Para Baitelo, a falta de informações
claras das autoridades é um dos principais
problemas num caso como esse. "As informações
que chegam das autoridades são desencontradas.
Percebe-se clara falta de transparência quando
o governo japonês diz que a situação
está sob controle, quando na verdade ainda
há um risco ainda iminente de derretimento
do núcleo de dois reatores e a probabilidade
de mais vapores radiotivos serem liberados ao meio
ambiente para o controle da temperatura dos reatores".
No Brasil, apesar de termos "apenas"
duas usinas - número irrisório se
comparado ao Japão, que possui 55 plantas
- o problema não é diferente. Transparência
é palavra rara no vocabulário dos
administradores do complexo nuclear brasileiro,
que não assumem a responsabilidade, por exemplo,
da contaminação provocada pela mina
de urânio de Caetité. Por aqui a fiscalização
e a regulação do setor nuclear cabem
ao mesmo órgão, o Conselho Nacional
de Energia Nuclear (CNEN), trazendo uma série
de contradições entre o desenvolvimento
dessas atividades e a garantia da segurança
das operações. "A contradicao
é que o mesmo setor que promove atividades
nucleares e que quer se expandir é aquele
que tem que fiscalizar e coibir atividades ilegais
e infrações, o que obviamente acaba
nunca acontecendo", afirma Baitelo.
Ainda assim o governo brasileiro
planeja construir oito novas usinas nos próximos
20 anos. E como se não bastasse, o ilustríssimo
ministro de Minas e Energia Edson Lobão,
junto com a Eletronuclear, tem ambições
ainda maiores: a divulgação de um
estudo com 40 locais que poderiam receber plantas
nucleares. Para especialistas, está mais
do que provado que o Brasil não precisa conviver
com os riscos da energia nuclear.
Mais risco
As últimas informações
divulgadas pelo governo japonês mostram que
o receio de uma tragédia nuclear de proporções
ainda maiores está longe de ser resolvido.
Segundo a Folha de S. Paulo, outras duas usinas
apresentaram problemas em seus sistemas de refrigeração,
o que aumenta as chances de novos vazamentos radioativos
ocorrerem. De acordo com anúncio da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA), as
plantas de Tokai e Onagawa estão recebendo
atenção especial de técnicos
que tentam esfriar com água do mar os reatores
superaquecidos, o que é considerado por estudiosos
um ato de desespero. "A situação
se tornou tão crítica que não
tem mais, ao que parece, a capacidade de fazer ingressar
água doce para resfriar o reator e estabilizá-lo,
e agora, como recurso último e extremo, recorrem
à água do mar", disse Robert
Alvarez, especialista em desarmamento nuclear do
Instituto de Estudos Políticos de Washington.
E se o recurso "último
e extremo" não for suficiente para manter
a situação sob controle? E se outro
vazamento radioativo acontecer? O resultado já
pode ser visto agora: populações inteiras
sendo deslocadas, inocentes correndo o risco de
contaminação. Investir em usinas nucleares
sempre foi perigoso e o que acontece agora no Japão
é só mais um exemplo do que a insistência
dos governos pode causar à humanidade. "Infelizmente
estamos vivendo mais uma prova real de que a energia
nuclear é uma fonte extremamente perigosa,
capaz de impactar a vida de milhares de pessoas",
disse Baitelo.
+ Mais
Uma alternativa para o Japão
O caos impera no Japão.
Em meio a informações ainda desencontradas,
o mundo assiste ao país que sofreu ao pior
terremoto seguido de tsunami de sua história
viver o temor da contaminação nuclear.
Desde o dia do desastre, dois reatores do complexo
nuclear da cidade de Fukushima apresentaram problemas
e começaram a vazar radiação,
obrigando a evacuação de milhares
de pessoas.
“Ainda é cedo para determinar
a proporção dos últimos acontecimentos”,
diz Ricardo Baitelo, responsável pela Campanha
de Energia do Greenpeace Brasil. “Primeiro as autoridades
japonesas afirmam que está tudo sob controle.
No momento seguinte, as notícias dão
conta de que as estratégias de contenção
da última hora não estão sendo
suficientes. Não temos sequer como saber
se o reator derreteu ou não, já que
a temperatura interna, que é muito alta,
não permite que técnicos se aproximem
da área afetada”, explica Baitelo.
Se ainda é cedo para dimensionar
as consequências para o país da recente
crise nuclear, já é passada a hora
do Japão substituir este tipo de energia
insegura por outras. De acordo com estudo desenvolvido
pelo Greenpeace, o país das usinas nucleares
pode se ver livre desta tecnologia perigosa até
2050, sem prejuízo ao abastecimento e com
crescimento limpo e seguro.
Lançado em 2008, a versão
japonesa do relatório Revolução
Energética, estudo que traz previsões
de como os países podem se desenvolver mais
e melhor com o uso das energias limpas, mostra que
o Japão pode ter sua matriz energética
60% renovável nos próximos 40 anos.
Para isto, bastaria focar seus
investimentos em eólica, biomassa, geotérmica
e solar. Graças a seu alto potencial para
eficiência energética, com aparelhos
mais modernos que consomem menos energia e à
queda progressiva do crescimento populacional, o
Japão pode também diminuir seu consumo
em 53% nos próximos 40 anos.
O resultado deste caminho seria
uma redução de 77% de emissões
de CO2 até 2050, economia e geração
de empregos sem que nem mais uma poeira radioativa
ameaçasse a população da ilha.
Pelas projeções do relatório,
o último reator nuclear daria adeus ao país
até 2045.