01 Março 2011
Bruno Taitson, de Brasília
O país conheceu a tão aguardada posição
de duas das mais importantes entidades da ciência
brasileira no debate sobre as mudanças na
legislação ambiental brasileira. A
Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência
(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências
(ABC) apresentaram, em seminário
dia 22 de fevereiro na Câmara dos Deputados,
os resultados de sete meses de estudos sobre o assunto.
Uma das conclusões a que se chegou é
que o atual Código Florestal precisa ser
reformado, mas que as mudanças ideais passam
longe do substitutivo proposto pelo deputado Aldo
Rebelo e aprovado em Comissão Especial na
Câmara em julho de 2010.
Os cientistas apresentaram dados
que demonstram o caráter imprescindível
das áreas de preservação permanente
(APPs) e da Reserva Legal (RL)* para conservar a
biodiversidade e os recursos naturais, viabilizar
melhorias na produtividade do agronegócio
brasileiro e evitar tragédias como as que
ocorreram neste verão no Rio de Janeiro e
em outras localidades. “O Código atual precisa
ser revisto, mas não nos padrões do
substitutivo que está em tramitação
na Câmara”, resumiu o professor Ricardo Rodrigues,
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq-USP).
O professor Gerd Sparovek (Esalq-USP)
lembrou que o Código Florestal é o
principal mecanismo de proteção das
vegetações nativas no Brasil, uma
vez que as áreas de uso privado superam em
extensão as unidades de conservação(UCs)
e terras indígenas (TIs). São 211
milhões de hectares em pastagens, 57 milhões
em agricultura e 170 milhões em UCs e TIs.
De acordo com a secretária-geral
do WWF-Brasil, Denise Hamú, há muito
o Brasil ansiava por uma análise da proposta
de reforma do Código Florestal, porém
balizada por critérios técnicos. “Esperamos
que o estudo apresentado por entidades como SBPC
e ABC dê um novo tom às discussões
deste tema de enorme relevância nacional.
A ciência havia sido ignorada no processo
de elaboração do substitutivo que
encontra-se em pauta na Câmara. Felizmente
ainda há tempo de corrigir esse grave equívoco”,
salientou.
Denise Hamú defende a proposição
de novas bases para a discussão da reforma
do Código Florestal. “É necessário
formular um documento a partir da proposta que vem
sendo elaborada de forma extremamente criteriosa
pelo Ministério do Meio Ambiente, agregando-se
as valiosas contribuições apresentadas
pelos pesquisadores da SBPC e da ABC”, sugere a
secretária-geral do WWF-Brasil.
APP, biodiversidade e abastecimento
de água
O professor Carlos Alfredo Joly,
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
lembrou que as áreas situadas às margens
de cursos d’água e os topos de morro são
insubstituíveis na função de
conservar a biodiversidade. Ele destacou que as
ameaças criadas pelo substitutivo do deputado
Aldo Rebelo às APPs ciliares, podem gerar
aumento de erosões, assoreamento de rios
e outros impactos negativos. “Podemos ter perdas
de até 50% das espécies de anfíbios
em cursos d’água que tenham reduzidas suas
APPs conforme o substitutivo”, alertou o cientista.
Joly também enfatizou que
o plantio em áreas muito próximas
de rios pode gerar um aumento da contaminação
da água, com sérias complicações
para a saúde e a qualidade de vida dos cidadãos,
especialmente aqueles que vivem em áreas
urbanas à jusante dos cursos d’água.
Ele citou estudos que demonstram que tratar um litro
de água não contaminada custa até
R$ 3, ao passo que o tratamento de igual volume
que sofreu contaminação por fertilizantes
ou defensivos agrícolas pode chegar a R$
300. “A bacia hidrográfica é uma só,
não se pode separar áreas urbanas
de áreas rurais”, afirmou.
O professor Ricardo Rodrigues
(Esalq-USP) acrescentou se tratar de equívoco
reduzir as áreas de preservação
permanente em torno de rios com largura inferior
a cinco metros, conforme proposto pela bancada ruralista.
“Os rios menores, que representam 70% do recurso
hídrico do Brasil, precisariam na verdade
de mais proteção, por serem mais vulneráveis”,
argumentou.
Extinção de reserva
legal
O advogado Gustavo Trindade, diretor
do Instituto Direito por um Planeta Verde, analisou
aspectos jurídicos da proposta de modificação
da legislação ambiental. Ele lembrou
que o substitutivo apoiado pelos ruralistas não
só prevê que as áreas de proteção
às margens de rios sejam estipuladas a partir
do mais baixo nível atingido pelas águas,
durante as épocas de seca. Atualmente a medida
é feita na cheia. “Topos de morro, de montanhas
e de serras também deixarão de ser
APPs”, acrescentou.
Trindade salientou que as mudanças
no substitutivo eximem de reserva legal propriedades
de até quatro módulos rurais. Também
criam diversas situações em que se
pode reduzir substancialmente as RLs com base em
zoneamento ecológico-econômico. “Essas
mudanças poderão causar a extinção
da reserva legal em várias propriedades,
inclusive naquelas que excedam os quatro módulos”,
afirmou o jurista.
Ineficiência na pecuárica
Os pesquisadores que participaram
do seminário concordaram que a atual legislação
ambiental não representa empecilho ao desenvolvimento
da agropecuária no Brasil. O professor Gerd
Sparovek informou que existem 103 milhões
de hectares que podem ser desmatados no país
sem violar o Código Florestal em vigor. Porém,
de forma geral, é feita a opção
por desmatar em lugar de investir em eficiência.
O Censo Agropecuário de
2006 – o mais recente – demonstra que a taxa de
ocupação das pastagens na pecuária
extensiva brasileira é muito baixa, com cerca
de 1,1 animal por hectare. O documento publicado
por SBPC e ABC informa que “um pequeno investimento
tecnológico, especialmente nas áreas
com taxas de lotação inferiores a
meia cabeça por hectare, pode ampliar essa
capacidade, liberando terras para outras atividades
produtivas e evitando novos desmatamentos”.
O sumário executivo do
documento “Contribuições da Academia
Brasileira de Ciência e da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) para o
debate sobre o Código Florestal” pode ser
acessado na íntegra no link http://www.sbpcnet.org.br/site/home/home.php?id=1437.
A íntegra do documento será disponibilizada
nas próximas semanas.
*Reserva Legal é o percentual da propriedade
que não pode ser desmatado.