29 Março 2011
Aldem Bourscheit
Muitas vezes marcada por atritos, a relação
entre áreas protegidas e produtores rurais
pode melhorar com a aplicação de pesquisas,
respeito à legislação e boas
doses de debate. No entorno do parque nacional Grande
Sertão Veredas (MG), dados sobre a movimentação
de onças e outros predadores levaram uma
fazenda a adequar plantios de eucalipto e a formar
um corredor de florestas nativas junto a uma das
mais importantes áreas protegidas do Cerrado
brasileiro.
Os planos originais da Sete Veredas
eram de cobrir com pastagens parte de seus oito
mil hectares, para alimentar boiadas. Mas, com apoio
de uma consultoria e do parque nacional, desistiram
da pecuária e adotaram o eucalipto. Também
mantiveram o cerrado em pelo menos um quinto da
propriedade e nas margens de córregos, como
pede a legislação. A vegetação
nativa foi conservada junto à área
protegida federal e forma um corredor até
veredas que dão nome à fazenda.
“Posicionamos a reserva legal
para que ela se tornasse uma extensão do
parque. Isso exigiu um investimento inicial de tempo
e dinheiro, mas no longo prazo a fazenda será
valorizada por sua regularidade. Ela terá
tranqüilidade e segurança para operar”,
disse o engenheiro florestal Sérgio Vita,
da Água e Terra Planejamento Ambiental. E
ele projeta uma redução de até
15% nos custos de implantação e de
manutenção dos plantios. “A vegetação
nativa ajudará no controle de pragas e doenças”,
comentou.
Conforme a chefe do parque nacional,
Paula Leão Ferreira, a adequação
da fazenda foi possível graças à
iniciativa dos proprietários e à qualidade
das informações disponíveis.
“O mais interessante na formação do
corredor ecológico e na alocação
da reserva legal é que não foram ‘tirados
da cartola’. Foram posicionados onde realmente havia
o deslocamento de animais. Mesmo sem esses dados,
sempre sugerimos que a reserva forme uma zona tampão
com os limites da área protegida”, ressaltou.
Os corredores foram ajustados
com base nos passos de felinos cujo comportamento
é pesquisado desde 2004 pelo Instituto Biotrópicos,
com a ajuda de colares que emitem sinais de rádio.
No parque nacional são encontradas as sete
espécies descritas para o Cerrado: onças
pintada e parda, jaguatirica, gato-mourisco, gato-do-mato,
gato-maracajá e gato-palheiro. “Eles são
caçadores extremamente eficientes e dependem
de boas condições naturais para sobreviver.
Por isso, indicam quais e quantas áreas devem
ser protegidas e como deve ser seu gerenciamento”,
comentou o biólogo Edsel Amorim Moraes Junior,
coordenador da entidade.
Conforme vem mostrando o estudo,
os felinos costumam cruzar os limites do parque,
mas procuram evitar pastagens com gado e plantações.
Uma suçuarana pode cobrir até 30 quilômetros
numa noite. “Por isso a regularização
fundiária do parque é uma ação
urgentíssima que garantirá um ambiente
mais favorável à conservação”,
lembrou Edsel. O parque tem menos de 8% da área
regularizada. Como a unidade de conservação
felizmente não está isolada como uma
ilha de “Cerrado”, a pesquisa indicará caminhos
para um desenvolvimento regional associado à
proteção da biodiversidade, incentivando
a formação de áreas protegidas
e de corredores em propriedades privadas.
O estudo do Biotrópicos
integra planos federais para conservação
da onça pintada, está atrelado à
formação de corredores sul-americanos
para a proteção da espécie
e será aproveitado na redefinição
de áreas a serem preservadas no Cerrado.
A pesquisa também será estendida a
outras unidades de conservação no
norte de minas, como a reserva particular Porto
Cajueiro, o parque estadual Veredas do Peruaçu
e o parque nacional Cavernas do Peruaçu.
"É importante que
o desenvolvimento da região realmente integre
áreas naturais e de produção,
resultando em paisagens mais sustentáveis.
Isso é fundamental para o mosaico de áreas
protegidas Sertão Veredas-Peruaçu,
onde estão inseridas essas unidades e o parque
nacional Grande Sertão Veredas", lembrou
o engenheiro ambiental e coordenador do Programa
Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil, Michael Becker.
Adequação - Segundo
Paula Ferreira, as informações sobre
a movimentação dos felinos são
imprescindíveis na hora de sentar à
mesa com os produtores rurais que atuam no entorno
do parque nacional. “Assim temos argumentos para
negociar, pois a pesquisa aponta áreas que
de fato precisam ser conservadas e não fica
aquele peso de ‘deixar tudo intocado’ que alguns
produtores detestam”, destacou.
Além disso, ela conta que
a Sete Veredas optou pelo eucalipto para resguardar
do gado sua única fonte de água, a
nascente da vereda da Estiva. “Isso foi decisivo
para a mudança de planos do empreendedor,
a inviabilidade do fornecimento de água para
a pecuária. Em outras áreas, com mais
água, o gado pode até ser menos impactante.
O importante é possibilitar nesses casos
o tráfego da fauna nativa”, ressaltou a bióloga.
Para Michael Becker, do WWF-Brasil,
ampliar ações conservacionistas a
partir de pesquisas sérias é crucial
para a sobrevivência do Cerrado, bioma ameaçado
pelo avanço desregrado da fronteira produtiva
e carente de maior proteção oficial.
“Informações técnicas qualificadas
ajudarão a preservar e recuperar regiões
estratégicas do Cerrado, mantendo sua rica
biodiversidade e fontes de água importantes
para a economia brasileira”, ressaltou.
Com 230 mil hectares entre o norte
de Minas Gerais e o sul da Bahia, o parque nacional
Grande Sertão Veredas é hoje uma das
principais áreas protegidas do Cerrado, mantendo
animais e vegetação típicos,
inúmeras nascentes e veredas de beleza incomum.
Ainda é fechado à visitação
pública e sofre com ilegalidades como caça,
invasões, desmatamento e presença
de carvoarias. Em seu entorno, ao sul e ao norte,
predominam lavouras de soja ou capim, a oeste e
leste, há gado, eucaliptos e agricultura
familiar.
A pesquisa conduzida pelo Instituto
Biotrópicos é apoiada pelo governo
federal, Instituto Estadual de Florestas e Universidade
Federal de Minas Gerais, Idea Wild, National Grassland
Society, Wildlife Conservation Society, SeaWorld
& Busch Garden Fund, Panthera Foundation, Fundação
Pró-Natureza (Funatura), Secretaria de Meio
Ambiente e Turismo de Chapada Gaúcha, Instituto
Rosa e Sertão, Conservação
Internacional do Brasil e Fundação
O Boticário.