Greenpeace simula
acidente nuclear na sede do banco no Rio de Janeiro
e cobra a suspensão do investimento em Angra
III para garantir a segurança do país.
Na véspera do aniversário
de 25 anos do acidente nuclear em Chernobyl, na
antiga União Soviética, uma ‘nuvem
radioativa’ cobriu a sede do BNDES, no Rio de Janeiro.
A fumaça laranja que subiu aos céus
no Largo da Carioca, endereço do banco no
centro da cidade, foi ao mesmo tempo um alerta sobre
os perigos de um acidente nuclear e um apelo para
que o BNDES suspenda o financiamento para a construção
da usina nuclear de Angra III.
Por volta das nove e meia da manhã,
ativistas do Greenpeace vestidos como equipes de
resgate em acidentes nucleares dispararam sinalizadores
de fumaça na frente do prédio do BNDES,
simulando contaminação por radiação.
Um cartaz pedia ao BNDES para não financiar
uma geração de energia tão
insegura, como provam Chernobyl e Fukushima.
O governo brasileiro tem na manga
cinco projetos de novas usinas nucleares. Quatro
ainda estão sem endereço definido.
Jacques Vagner, governador da Bahia, torce para
levar a maior parte delas para seu estado. A quinta
está para ser construída em Angra
dos Reis, no litoral Sul fluminense, no complexo
que já abriga as usinas nucleares de Angra
I e II. A nova unidade, Angra III, já custou
aos cofres públicos 1 bilhão de reais
e a estimativa do seu custo total ultrapassa 10
bilhões de reais. É muito dinheiro
para se investir em uma usina que até seus
criadores, os alemães, consideram uma espécie
de calhambeque atômico.
Os planos de Angra III datam da
década de 70 e empregam tecnologia alemã.
Seus reatores podiam ser chamados de modernos nos
anos 80, quando foram construídos. Hoje,
são peças de museu. Após o
acidente no complexo nuclear de Fukushima Daiichi,
no Japão, em 11 de março, o governo
alemão, antigo parceiro na empreitada atômica
brasileira, anunciou a revisão da fiança
de 3 bilhões de reais que havia estendido
ao projeto de Angra III. A chanceler alemã
Ângela Merkel foi apenas coerente com o que
está fazendo em casa.
Pressionada nas urnas a abandonar
os planos nucleares, Merkel cancelou as operações
de sete reatores fabricados na década de
80 em seu país, similares ao que será
instalado em Angra III. E mandou investigar a fundo
seus protocolos de segurança. Foi um claro
sinal de que a Alemanha acha que reatores fabricados
há três décadas são ultrapassados
e perigosos.
“Angra III não tem plano
de segurança adequado e não apresenta
destinação para o lixo radioativo,
a exemplo das outras duas usinas em operação
na região. Se a Alemanha, detentora da tecnologia
dos reatores, já admitiu que não considera
a tecnologia segura, por que insistimos em seguir
adiante com uma obra de alto risco?”, questiona
Ricardo Baitelo, responsável pela Campanha
de Energia do Greenpeace.
Desde o acidente no Japão,
governos de vários países como Rússia,
Bélgica, Suíça, Itália
e China já se manifestaram contrários
ao investimento em geração nuclear.
Uma pesquisa de opinião de âmbito mundial,
levada a cabo aqui no Brasil pelo Ibope, revelou
que 54% da população brasileira se
opõe às usinas nucleares. A mesma
pesquisa, que rendeu reportagem no jornal O Estado
de S. Paulo do último dia 19 de abril, mostra
que, em outros países, a oposição
à energia nuclear também é
majoritária.
“Resta ao BNDES pensar melhor
destino para o dinheiro público do que o
investimento em uma fonte insegura, altamente perigosa,
cara e desnecessária. O Brasil tem potencial
para se tornar 100% renovável com energia
limpa e totalmente segura como eólica e solar
a custo muito menor”, afirma Baitelo.
A data do protesto foi escolhida
para relembrar o pior acidente nuclear que o mundo
já assistiu, em Chernobyl, atual Ucrânia.
No dia 26 de abril o acidente completa 25 anos,
mas continua a fazer vítimas. O perigo da
energia nuclear, no entanto, parece não querer
ser esquecido. O recente acidente em Fukushima,
no dia em que completou seu primeiro mês,
foi elevado à categoria 7, mesmo nível
de gravidade de Chernobyl.
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Um tempo que nunca passa
Quase 25 anos se passaram desde
que a explosão de um reator em Chernobyl
tornou-se o maior desastre nuclear da história.
Este ano, o aniversário do acidente, lembrado
no fim de abril, poderia passar despercebido, não
fosse um novo caos nuclear assolar o Japão.
Para o Greenpeace, Chernobyl nunca foi esquecido.
Uma equipe esteve lá e revelou: o drama continua.
Nas proximidades da cidade ucraniana,
que na época da explosão ainda pertencia
à antiga União Soviética, o
leite consumido pelas crianças, algumas frutas
silvestres e cogumelos apresentaram níveis
de contaminação por césio-137
muito acima do recomendado para a saúde humana.
Foi o que detectou o time de especialistas em radiação
que esteve recentemente na cidade.
Na época do acidente, quando
uma violenta explosão destruiu o revestimento
de um reator e causou a liberação
de níveis extremos de radiação
no ar, 18 mil km2 de plantações de
alimentos foram contaminados. Nos anos seguintes
ao desastre, o governo ucraniano fez uma série
de análises nos alimentos, mas há
dois anos não volta na região, ou
publica dado novo.
Este é o principal erro
para Iryna Labunska, pesquisadora do Greenpeace
Internacional que esteve envolvida no monitoramento.
“É preciso que haja pesquisa mais aprofundada
sobre a contaminação na agricultura
ucraniana hoje”, afirma. “A radiação
dos alimentos afeta pessoas que vivem até
a quilômetros da cidade, mas que consomem
a produção local”, complementa.
Em 1986, ano do acidente, a área
afetada pelo desastre nuclear foi equivalente à
cinco vezes o território da Holanda. Sete
milhões de pessoas, destas, três milhões
de crianças, moravam em áreas próximas
à Chernobyl. Cerca de 350 mil tiveram que
abandonar suas casas. Estima-se que o número
de mortes por casos de doenças relacionadas
à radiação seja em torno de
100 mil.
“Estamos assistindo no caso de
Fukushima a uma situação muito parecida
acontecer com o leite e vegetais consumidos pelos
japoneses”, diz Labunska. Em vilarejos fora do raio
de evacuação estipulado pelo governo,
uma equipe do Greenpeace encontrou níveis
de contaminação muito elevado nos
alimentos e populações ainda não
devidamente alertadas para o perigo.
“Só há uma maneira
de evitarmos casos como estes”, alerta Labunska.
“Acabar com a produção de energia
nuclear no mundo”.