Em uma sessão da Câmara
dos Deputados que foi da
manhã de ontem à madrugada, o projeto
de lei do deputado neoruralista Aldo Rebelo (PCdoB-SP),
que desfigura o código em prol do agronegócio,
não foi votado apenas porque o governo se
sentiu traído e poderia ser derrotado em
plenário.
“O resultado mostra como grande
parte da Câmara atuou de forma irresponsável
com o país e com o planeta, pois passaram
o dia discutindo um texto que não existia
e que seria votado à revelia dos interesses
de todos os brasileiros”, afirma Paulo Adario, diretor
de campanhas da Amazônia. “O texto do deputado
não foi construído com base em dados
científicos, nem com amplo debate com a sociedade,
mas em cima unicamente de interesses dos ruralistas.”
O texto é um ataque ao
arcabouço legal que hoje protege as florestas
brasileiras para beneficiar o agronegócio.
Dá anistia a quem desmatou acima do que a
lei permite e abre espaço para mais desmatamentos;
transfere para o Congresso – apinhado de ruralistas
– e para os órgãos estaduais – que
são mal aparelhados e sensíveis a
pressões locais - a responsabilidade de regulamentar
a legislação, que hoje está
com o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente).
Há outras pegadinhas nessa
reforma do Código Florestal, como:
- fim do embargo ao crédito
para as fazendas localizadas em municípios
na Amazônia marcados com desmatamentos ilegais,
que é um dos pilares do Plano Nacional de
Combate ao Desmatamento;
- permissão de criação
extensiva de gado em encostas, hoje delimitada como
área de preservação permanente
(APP);
- extensão da isenção
de reserva legal (área que cada propriedade
rural precisa preservar) para todos os fazendeiros
em propriedades de até quatro módulos
até 2008 – nesse ponto, Aldo foi ainda mais
maldoso, retirando a data do texto e abrindo espaço
para que fazendas maiores sejam fragmentadas e beneficiadas;
- fim da proteção
aos mangues, para permitir criação
de camarão e construções de
mansões a portos.
A atuação do governo
ontem à noite, segurando a votação,
não o exime da culpa de ter alimentado o
monstro. A inércia dos últimos dois
anos, quando essa reforma começou a ser operada,
permitiu que a aliança entre Aldo e os ruralistas
gerasse uma proposta de retrocesso na lei, atribuísse
às ONGs que lutam pela preservação
do ambiente a pecha de inimigos do país e
criasse um constrangimento para a presidente.
Dilma é a fiel depositária
dos compromissos internacionais de Lula de derrubar
o desmatamento, principal contribuição
brasileira para o aquecimento global, e dos votos
dos brasileiros que acreditaram em sua promessa
de campanha de não permitir retrocessos na
proteção ambiental ou anistiar crimes
ambientais. O Congresso e Aldo Rebelo (que é
da base aliada) preparam para Dilma uma arapuca.
O Greenpeace espera que ela a desarme enquanto é
tempo e desligue a motosserra do Parlamento.
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de tsunami
Não faz nem um ano, o governo
anunciou o número mais baixo do desmatamento
já registrado na Amazônia. Nesta quarta-feira,
a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira,
voltou a público, dessa vez para anunciar
que a crise está de volta. A disparada nas
derrubadas anunciadas na véspera pelo Imazon,
por meio do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD),
foi confirmada agora pelo governo. Segundo o Inpe,
mais de 590 quilômetros quadrados foram ao
chão nos últimos dois meses, num incremento
de mais de 570% em relação ao mesmo
período do ano passado. Desse total, cerca
de 80% ocorreu no Mato Grosso. A situação
classificada como “grave e atípica” pela
ministra fez com que o governo montasse um gabinete
de crise para cuidar do assunto.
Após seguidas quedas na
taxa de desmatamento, a curva subiu drasticamente
nos últimos meses, ao mesmo tempo em que
a proposta dos ruralistas de mudar o Código
Florestal corria em Brasília. Izabella preferiu
não associar os números a esse debate,
mas algumas fontes ouvidas pelo Greenpeace confirmam
o burburinho no campo: as promessas de anistia a
quem desmatou e de redução tanto das
áreas de proteção quanto das
punições a crimes ambientais têm
gerado uma corrida pelo desmatamento.
Segundo informações
de campo, há até fazendeiros licenciados
optando por voltar para a ilegalidade e desmatar
sem autorização. Os dados do Inpe
também mostram que não houve aumento
do desmatamento em áreas protegidas: ou seja,
as derrubadas são para consolidar áreas
privadas de produção.
O cenário, apesar de grave,
deve ser ainda pior. Os números anunciados
são do sistema de Detecção
de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que, pelo
resolução do sensor, não consegue
enxergar desmatamentos menores que 25 hectares,
o que se tornou coisa comum de uns tempos para cá.
Além disso, o monitoramento por satélite
da região sempre fica prejudicado nessa época,
pois a alta concentração de nuvens
não permite uma visualização
completa do campo. Desmatamentos no Pará
e no Amazonas, por exemplo, ficaram quase invisíveis.
Os números, portanto, provavelmente são
maiores que os divulgados.
Por conta disso, semana passada
o Ibama desmobilizou suas fiscalizações
em todo o país para concentrar seu pessoal
no Mato Grosso. Foi o sinal de que a coisa lá
andava feia, como confirmam agora os dados do Inpe
e do Imazon. O comparativo de abril de 2010 e abril
de 2011 mostra aumento de 800% no desmatamento.
“Quem está em campo sabe
que essa explosão do desmatamento não
é comum nessa época. A devastação
geralmente começa no período da seca.
E, no entanto, esse ano o Ibama já apreendeu
40 tratores que estavam desmatando em plena temporada
de chuvas”, observa Paulo Adario, diretor da campanha
Amazônia do Greenpeace. “Há uma clara
corrida pelo desmatamento, e isso pode comprometer
a tendência de queda que existia até
agora.”
Há, ainda, outro entrave
que vem na esteira da mudança da legislação:
os produtores não querem registrar suas propriedades
no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que tornam públicos
os limites da fazenda e dá condições
de órgãos de fiscalização
identificar os responsáveis por crimes ambientais.
A rejeição ao CAR também vem
a reboque da promessa de acabar com a obrigatoriedade
de recuperar áreas desmatadas e do próprio
cadastro. Isso coloca na berlinda o compromisso
de setores do mercado de limpar sua produção
do desmatamento. “Sem o cadastro, as empresas que
compram carne, couro e soja produzidos na Amazônia
não têm como saber se seus fornecedores
estão envolvidos com desmatamento”, diz Adario.
Justamente por ser atípico,
o aumento do desmatamento nessa época pode
indicar uma tendência ainda maior para os
próximos meses. A ministra se mostrou preocupada,
e admitiu que se a situação continuar
nesse rumo, o compromisso que o Brasil assumiu internacionalmente,
de reduzir suas emissões, pode ficar prejudicado.
“Quem apostar no desmatamento para colocar pasto
para boi ou alimentação vai ter tanto
alimento quanto boi produzido apreendido”, avisou
ela.
A fiscalização,
porém, não está sendo suficiente.
Na última semana, o Ibama suspendeu as fiscalizações
por todo o Brasil para concentrar seus fiscais em
Mato Grosso. Hoje, há mais de 500 agentes
no estado. E mesmo assim, a motosserra continua
ligada. “Dilma tem que acabar com o mal pela raiz:
ela precisa desligar a motosserra no Congresso,
pois é de lá que estão saindo
promessas irresponsáveis de anistia para
quem desmatar”, diz Paulo Adario. “Estamos às
vésperas da Rio +20, e são esses os
números que Dilma vai apresentar para o mundo?
É a imagem do Brasil que está em jogo”.