25 Maio 2011 - A expectativa de
anistia aos desmatadores oferecida pela votação
da reforma do Código Florestal na Câmara
dos Deputados, nesta terça (24), abre espaço
para o aumento do desmatamento no Brasil, a exemplo
do que já vem acontecendo nos últimos
meses, principalmente no Mato Grosso. Mas
as mudanças propostas no relatório
ainda não estão valendo.
A aprovação é
apenas um passo da reforma proposta pelo deputado
ruralista Aldo Rebelo (PC do B/SP). O texto segue
para o Senado e, se for alterado, retorna para a
Câmara, onde pode ser modificado novamente.
Depois disso, a Presidência da República
ainda poderá vetar trechos ou a íntegra
do relatório. O Judiciário também
poderá modificar o texto se entender que
ele fere a Constituição.
“Este processo está apenas
começando. Por isso é importante as
pessoas se engajarem e manterem a mobilização
contra esse retrocesso. O Movimento SOS Florestas
propõe uma série de manifestações,
como a que dá “voz” às árvores.
Essa e outras ações serão decisivas
para levar aos parlamentares a mensagem da sociedade
contra o desmanche do Código Florestal”,
diz o superintendente de Conservação
do WWF-Brasil, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza.
De acordo com Scaramuzza, a eventual
aprovação final da versão votada
na Câmara não garante que os produtores
serão “legalizados”, embora as exigências
de proteção de florestas sejam bem
menores. “Esse é o pior dos mundos, pois
o nível de exigências foi enfraquecido
sem assegurar que a lei seja implementada, que os
produtores terão apoio ou condições
reais para atingir a regularização
ambiental”, disse.
“A aprovação da
atual proposta de reforma do Código Florestal
é uma imensa oportunidade perdida para assegurar
uma produção brasileira em bases mais
sustentáveis. Esse seria um diferencial decisivo
para a aceitação de nossos produtos
no mercado internacional. Mas, se forem associados
ao aumento do desmatamento e ao aquecimento global,
perderemos acesso a mercados”, prevê o superintendente
do WWF-Brasil.
“A Câmara dos Deputados
votou olhando para o retrovisor, olhando para o
passado e não para o futuro. Deveríamos
olhar para o promissor mercado verde, para a economia
de baixo carbono”, completa Scaramuzza.
Votação
A aprovação do texto
na Câmara dos Deputados teve apoio da oposição
e de partidos da base do Governo. Apenas PSOL e
PV mantiveram votação contra o texto
do deputado ruralista Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Os
líderes do PT, Paulo Teixeira (SP), e do
Governo, Cândido Vacarezza (PT-SP), orientaram
as bancadas a votarem a favor do texto, ainda que
a presidente Dilma Roussef tivesse posição
divergente e tivesse dito inclusive que vetaria
o projeto, de acordo com relatos de diversas fontes.
Com ou sem o aval da presidente,
uma série de encontros de lideranças
políticas ao longo do dia resultou em acordo
que permitiu a votação do relatório.
O destino do Código Florestal ficou expresso
horas antes da aprovação, por meio
das declarações de parlamentares da
base governista, que passaram a pender para a “conciliação”.
O deputado Vacarezza, líder
do governo na Câmara, disse que a presidente
Dilma “não hesitará em usar de suas
prerrogativas constitucionais para proteger o meio
ambiente”.
Na prática, porém,
o governo desistiu da disputa na Câmara e
manteve o discurso de que o relatório pode
ser melhorado no Senado ou vetado pela presidente.
“Trata-se de uma aposta muito perigosa, que coloca
em risco toda a reputação ambiental
acumulada nos últimos anos com a diminuição
do desmatamento na Amazônia e a liderança
necessária para a Rio +20, que será
realizada em 2012”, avalia Scaramuzza.
“No fim das contas, o governo
está colhendo o que plantou ao permitir que
a proposta de reforma do Código Florestal
fosse relatada pelos ruralistas, desvirtuando completamente
os objetivos históricos da legislação.
Ao contrário do que se espera de um relator,
Aldo Rebelo escolheu setores atrasados do agronegócio,
enfraqueceu dispositivos de controle e tornou o
Código praticamente impossível de
ser implementado, pois está repleto de armadilhas
e pegadinhas que resultarão apenas em mais
degradação ambiental”, disse.
“Agora é hora de o Executivo
entrar em campo, deixar de ser refém de um
jogo de interesses menores e exercer sua influencia
para que a escolha do relator do Senado seja compatível
com o papel de encontrar soluções
e modernizar o Código Florestal”, disse Scaramuzza.
A secretária-geral do WWF-Brasil,
Denise Hamú, confia numa solução
razoável para o caso.
"A votação
na Câmara dos Deputados foi uma etapa. O WWF-Brasil
continua mobilizado para atuar junto ao Senado,
próxima instância do processo. Esperamos
que o Senado eleja um relator à altura da
complexidade e da sensibilidade do tema, e que seja
competente e isento. Também vamos manter
a mobilização da sociedade e temos
confiança de que a Presidente Dilma Roussef
exerça o seu poder de veto, caso seja necessário,
para honrar os compromissos feitos à sociedade
brasileira de proteção ambiental a
e à comunidade internacional com os compromissos
de redução das emissões gases
de efeito estufa e de conservação
da biodiversidade", completou.
Impactos
Além de estimular mais
desmatamentos em nome do avanço insustentável
da fronteira agropecuária, o relatório
ruralista aprovado ontem para o Código Florestal
inviabilizará o cumprimento de acordos internacionais,
prejudicará a produção e a
exportação brasileiras e a própria
liderança global do país na área
ambiental. Um retrocesso.
A simples possibilidade da aprovação
de uma lei que reduza a proteção das
florestas brasileiras associada a duplicação
da lucratividade da soja provocou, apenas no Mato
Grosso e entre março e abril deste ano, a
derrubada de 477,4 quilômetros quadrados (Km2)
de Amazônia. Já entre agosto do ano
passado e abril último, houve 43% mais desmatamento
naquele estado. Em toda a Amazônia, no mesmo
período, o aumento da área desmatada
foi de 27%, chegando a 593 Km2.
O Brasil se comprometeu junto
às Nações Unidas em cortar
cerca de um bilhão de toneladas de suas emissões
de gases de efeito estufa até 2020. A grande
maioria das emissões nacionais vem do desmatamento.
Estudo do Observatório do Clima demonstra
que podem ser lançadas na atmosfera mais
de 25 bilhões de toneladas de gases do efeito
estufa com os desmatamentos que serão provocados
pelas alterações aprovadas ontem na
Câmara. O montante é mais de 13 vezes
superior às emissões do Brasil em
2007.
Desmatamento em alta, metas climáticas
comprometidas e produção insustentável
são um trio perigoso para um país
com economia dependente do bom uso de recursos naturais
e do balanço de exportações.
Grande quantidade de água e clima favorável,
entre outros fatores, tornou o país uma das
potências no mercado internacional de commodities
como soja e carne. Tudo isso está em jogo
no médio e longo prazos se o Congresso aprovar
um Código Florestal centrado na fórmula
simplória do mais desmatar para mais produzir.
Mercados globalizados exigem cada vez mais itens
certificados e produzidos com sustentabilidade.
Confira as principais alterações
aprovadas pela Câmara dos Deputados:
1. Produtores que degradaram ou
desmataram áreas de preservação
permanente (topos de morro, encostas e beiras de
rio, por exemplo) até 22 de julho de 2008
não precisarão recuperá-las
e ficam isentas de multas, com condições.
2. Desmatamentos em áreas de nascentes, mangues,
várzeas, veredas, dunas e restingas também
poderão ser autorizados.
3. Produtores com imóveis de até quatro
módulos fiscais, que podem somar até
400 hectares, ficam dispensados de restaurar a reserva
legal desmatada ilegalmente.
4. Plantações de café, maçã,
uva e fumo já existentes podem ser mantidos
em topos de morro e encostas com inclinação
acima de 25 graus.
5. Desmatadores ficam desobrigados a restaurar na
integridade áreas de mata ciliar, devendo
recuperar apenas a metade da faixa. Na prática,
trata-se da eliminação das áreas
de preservação permanente às
margens dos rios e ao redor de nascentes.
6. Ficam canceladas as multas por crimes ambientais
para os produtores que se alistarem no programa
de regularização ambiental dos estados
e do Distrito Federal, e os prazos para eles regularizarem
sua situação podem ser prorrogados
pelos governadores.
7. Desmatadores que derrubaram mais que o permitido
na Amazônia ficam dispensados de recuperar
toda a área desmatada ilegalmente, bastando
reflorestar apenas para atingir 50% da propriedade.
+ Mais
Ex-ministros do meio ambiente
pedem NÃO ao texto de Aldo Rebelo
23 Maio 2011 - Por Bruno Taitson
- O público presente no plenário 8
da Câmara dos Deputados assistiu a um momento
histórico nesta segunda-feira (23/05). Dez
ex-ministros do Meio Ambiente, que foram titulares
da pasta entre 1973 e 2010, manifestaram extrema
preocupação diante da possibilidade
de se aprovar o substitutivo apresentado pelo deputado
Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que poderá ser votado
na Câmara esta semana. “A aprovação
seria um suicídio adiado em nome de ganhos
de curto prazo. Não se pode votar de maneira
açodada algo com implicações
tão graves para o futuro do Brasil”, afirmou
Rubens Ricúpero, ministro do Meio Ambiente
no governo Itamar Franco no período 1993-1994.
Os ex-ministros foram unânimes
ao salientar a nocividade do texto que tramita na
Casa e em defender que a votação do
projeto seja adiada, para dar à sociedade
brasileira uma chance de discutir de forma ampla
a questão. “O substitutivo de Aldo Rebelo
é tão ruim que conseguiu reunir ministros
do Meio Ambiente de épocas tão diferentes
e de distintas correntes políticas para pedir
que o texto não seja aprovado”, resumiu Carlos
Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente de
conservação do WWF-Brasil.
Para a secretária-geral
do WWF-Brasil, Denise Hamú, a iniciativa
dos ex-ministros demonstra a gravidade do impacto
das mudanças propostas. "É mais
um passo e uma demonstração de que
a proposta de alteração do Código
Florestal deve ser revista com cautela e com olhar
no futuro, para que o Brasil possa se tornar uma
verdadeira liderança ambiental. Da forma
como está proposto, o texto é uma
ameaça", afirmou.
A ex-ministra Marina Silva (governo
Lula) destacou que não gostaria que fosse
preciso pressionar a presidente Dilma Rousseff para
vetar o projeto caso seja aprovado, e sim contribuir
para que a chefe do Executivo aprove uma política
florestal que ajude a proteger as florestas e dê
condições adequadas para a produção
agrícola.
“O desmatamento aumentou mais
de 400% na Amazônia nas últimas semanas
exatamente por causa da perspectiva de perdão
das dívidas e de permissão de atividades
incompatíveis com a conservação
em áreas de preservação permanente
geradas pelo substitutivo”, avaliou Marina Silva,
em referência ao substancial aumento dos desmates
em áreas de fronteira agrícola na
Amazônia entre março e abril deste
ano, anunciado pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
O ex-ministro José Carlos
de Carvalho (governo FHC) criticou o texto defendido
pelos ruralistas, destacando ser muito mais um substitutivo
que versa sobre o uso da terra do que uma política
para florestas, como deveria ser um Código
Florestal. “É preciso ter em mente que estamos
discutindo uma legislação inter-geracional.
Não se trata apenas de uma política
de governo, e sim de uma política de Estado”,
avaliou.
Carlos Minc, ministro durante
o governo Lula, expressou que o substitutivo contém
tantas excepcionalidades que dificultam sua aplicação
e que por isso a proteção de florestas
acabou se transformando em exceção
no texto. “A aprovação seria um enorme
retrocesso que destruiria a autoridade moral do
Brasil em questões ambientais pouco tempo
antes da conferência Rio + 20”, avaliou Minc.
Outro ministro que se manifestou
foi Sarney Filho (governo FHC), atualmente deputado
federal (PV-MA), no sentido de condenar a anistia
de desmatamentos ilegais feitos por grandes proprietários
e a possibilidade de novos desmatamentos, aberta
pelo substitutivo. “Esse novo código é
perverso. Os ruralistas estão buscando atender
às aspirações dos setores nocivos
do agronegócio, prejudicando os interesses
da sociedade brasileira”, destacou. Sarney Filho
expôs a necessidade de a sociedade brasileira
se envolver mais com o tema, pressionando deputados
a rejeitarem as mudanças.
Paulo Nogueira Neto, titular da
Secretaria Especial do Meio Ambiente entre 1973
e 1985 e presidente emérito do Conselho Diretor
do WWF-Brasil, lembrou que a legislação
deve levar em conta o grave problema do aquecimento
global. “O conhecimento técnico e profissional
existe e precisa ser posto em prática”, analisou
o também professor titular aposentado de
Ecologia da USP, hoje com 89 anos.
A fragilização de
reserva legal e áreas de proteção
permanente (APPs), a anistia aos desmatamentos ilegais
cometidos até julho de 2008, a redução
dos poderes do Conama e a suspensão das restrições
de crédito para desmatadores, entre outros
aspectos, são os principais pontos de críticas
dos ex-ministros do Meio Ambiente ao substitutivo.
Eles anunciaram, para esta segunda,
reuniões com os presidentes do Senado e da
Câmara, José Sarney e Marco Maia, e
nesta terça-feira (24/5), com a presidente
Dilma Rousseff. Será entregue carta pedindo
o adiamento da votação das mudanças
no Código Florestal e a discussão
de um texto com base na ciência, que contemple
os interesses da sociedade e não atenda apenas
às vontades dos grandes proprietários
de terra, como ocorre no atual substitutivo apresentado
por Aldo Rebelo.
Assinaram a carta os seguintes
ex-ministros: Carlos Minc (2008-2010), Marina Silva
(2003-2008), José Carlos Carvalho (2002-2003),
José Sarney Filho (1999-2002), Gustavo Krause
(1995-1999), Henrique Brandão Cavalcanti
(1994-1995), Rubens Ricupero (1993-1994), Fernando
Coutinho Jorge (1992-1993), José Goldemberg
(1992) e Paulo Nogueira Neto (1973-1985). Gustavo
Krause e José Goldemberg não puderam
comparecer à reunião desta segunda-feira
(23/5) na Câmara dos Deputados.