O recado não podia ser
mais claro: “Congresso, desliga a motosserra”, escrito
numa faixa de 10 por 30 metros estendida em frente
ao prédio do Legislativo em
Brasília, foi o pedido do Greenpeace para
os deputados reunidos na Câmara hoje.
O texto de Aldo, ditado pelos
ruralistas, não pode ser votado hoje. Ele
precisa ser debatido em profundidade com a sociedade
– o que não aconteceu. O Código Florestal
é peça essencial para que o país
possa se desenvolver sem destruir suas florestas.
A pressão dos ruralistas para anistiar crimes
ambientais e abrir espaço para mais destruição
levou a uma reforma que prioriza as necessidades
apenas do agronegócio.
“Votar dessa maneira, nessa correria,
quando todos pedem reflexão, é um
desrespeito com o próprio Congresso e uma
irresponsabilidade. Se aprovado, vai deixar a presidente
da República refém de um projeto que
representa apenas um setor da sociedade, o agronegócio,
sem proteger as florestas nacionais”, afirma Paulo
Adario, diretor da campanha da Amazônia do
Greenpeace. “A proposta de Código Florestal
que pode entrar em votação coloca
o governo na fogueira.
O ministro da Casa Civil, Antonio
Palocci, não referendou a proposta de Aldo
– mesmo após dois meses de diálogo
com o deputado, para que refletisse menos desmatamento
no texto. Pela manhã, em uma conversa com
o Greenpeace e outras organizações
ambientalistas, representantes da agricultura familiar
e de movimentos sociais, e da iniciativa privada,
o ministro afirmou: “Não há discussão
de percentagem em política. O governo é
100% contra [a proposta].”
Aldo poderia ter evitado a situação,
mas seu comprometimento com a bancada ruralista
foi maior. Ele manteve grande parte da anistia aos
crimes ambientais cometidos até 2008, inclusive
em áreas sensíveis como margens de
rios. Além disso, quem destruiu a natureza
ilegalmente, e lucrou com isso, pode abater o custo
da recuperação no Imposto de Renda
– o que interessa apenas aos grandes, pois os pequenos
agricultores sequer ganham o suficiente para declararem
imposto.
O texto classifica qualquer produção
de alimentos como de interesse social. Isso descaracteriza
a agricultura familiar e estende exceções
previstas na lei a qualquer propriedade rural, inclusive
as dos maiores empresários. Aldo também
isentou todos a terem floresta em até quatro
módulos fiscais (que pode chegar a 400 hectares,
dependendo da região). É um “bônus”
válido para qualquer um, independente do
tamanho da propriedade – e do bolso do seu dono.
O Brasil abriga 20% de todas as
espécies do planeta e 12% das reservas hídricas.
Desligar a motosserra empunhada pelos ruralistas
no Congresso é essencial para preservar esse
bem, para os brasileiros de hoje e do futuro.
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Dilma desliga a motosserra
Dilma se comprometeu a não
dar as costas para as conquistas ambientais do governo
Lula. Agora é hora de frear o trator ruralista
que atua no Congresso.
Na última quarta-feira
(4), a farra da motosserra que se instalou na Câmara
dos Deputados freou com a pressão da sociedade
civil e principalmente a aparição
do governo. Antes tarde do que nunca. A ação
foi fundamental para que o trator ruralista não
enterrasse, na calada da noite, mais de 78 anos
da legislação que protege as florestas
brasileiras.
O governo do ex-presidente Lula,
antecessor e mentor da agora presidente Dilma, comemorou
os últimos anos, de forma quase consecutiva,
recordes de queda da taxa de desmatamento, especialmente
na Amazônia. Em 2010, foi divulgado o menor
índice já registrado: 6.451 km2. O
índice ainda é injustificado, mas
muito melhor do que os quase 30 mil km2 perdidos
em apenas um ano visto antes.
Ao ser eleita, Dilma se comprometeu
a não dar as costas para tais conquistas
e continuar o trabalho herdado do governo Lula.
Na época da eleição, Dilma
já se colocou contra os principais pontos
do texto de reforma do Código Florestal escrito
pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e seus amigos
ruralistas, em especial a anistia a quem desmatou
ilegalmente.
Em setembro, o Greenpeace e outras
11 organizações socioambientalistas
protocolaram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
o posicionamento de Dilma e outros três presidenciáveis.
No texto, Dilma Rousseff disse:
“Discordo da conivência com o desmatamento
e da leniência e flexibilidade com os desmatadores”.
Ela ainda citou o Programa Mais Ambiente, do governo
federal, como um caminho seguro para a regularização
ambiental das propriedades agrícolas.
Dilma também afirmou não
acreditar que a atual legislação ambiental
seja um entrave à expansão agropecuária.
“O Brasil pode expandir sua produção
agrícola sem desmatar. Hoje existem 60 milhões
de hectares de pasto mal utilizados ou subutilizados
que precisam ser recuperados.”
Além disso, preservar as
florestas é peça fundamental da política
externa brasileira. Foi após assumir uma
série de compromissos intermacionais de diminuição
do desmatamento que o Brasil tornou-se protagonista
nas discussões ambientais mundiais. Como
lembrou a presidente na promessa feita à
sociedade, "a redução do desmatamento
da Amazônia foi um compromisso que o presidente
Lula assumiu junto ao povo brasileiro, antes de
qualquer compromisso internacional. A preservação
deste bem é um dever do Brasil para com os
brasileiros do futuro."
Já está mais do que na hora de Dilma
agir e desligar a motosserra que, hoje, ronca alto
no Congresso.
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O Código invisível
Nesta quarta-feira, o dia começou
cedo no Congresso. Às 9h da manhã,
o plenário já estava cheio: foi quando
teve início a sessão extraordinária
na qual seria votada a proposta dos ruralistas para
o Código Florestal. Deputados, jornalistas
e sociedade civil estavam lá em peso, e os
parlamentares começaram a subir, um a um,
no palanque para discursar sobre o assunto. Só
uma ausência chamou atenção:
a do próprio projeto que seria votado. Ninguém
ali tinha a mais vaga ideia do que estava escrito
no texto final.
A cena fala por si só:
pouco importa o que está escrito na proposta.
Maioria na Câmara, a bancada ruralista arbitrariamente
deu por encerrado o debate sobre o Código
Florestal e tentou, mais uma vez, votar na marra
a lei que vai definir o futuro do Brasil. Construída
por seus pares e redigido pelo neoruralista deputado
Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a proposta original abre
espaço para mais desmatamento e garante impunidade
a quem cometeu crimes ambientais.
Olhando de longe, parece que todos
os lados conseguiram um acordo. Mas basta chegar
mais perto para ver que o assunto ainda gera infinitas
perguntas e críticas de todos os lados. Inclusive
do governo. Desde a semana passada, alguns braços
direito da presidente Dilma Rousseff são
vistos com frequência pelos corredores da
Câmara. Os ministros Antônio Palocci,
da Casa Civil, Izabella Teixeira, do Meio Ambiente,
e o vice-presidente Michel Temer entram e saem de
reuniões tentando um consenso na proposta.
A ciência fez seu papel.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências
(ABC) entregaram aos parlamentares um extenso estudo
que mostra como a produção agropecuária
depende da preservação das florestas.
A agricultura familiar também se posicionou,
pedindo o fim do desmatamento e o tratamento diferenciado
a eles.
Relator do projeto, Aldo Rebelo
encontrou com cada um desses atores. Mas, ao que
parece, as conversas entraram por um ouvido e saíram
pelo outro. Ele reescreveu umas linhas na proposta,
mas continuou recebendo uma saraivada de críticas:
a anistia aos desmatadores e as brechas para mais
destruição não saem das entrelinhas.
A teimosia de Aldo fez com que o processo emperrasse
uma série de vezes. Uma mostra clara de que
essa discussão atropelada está para
lá de imatura e que o país está
sendo vítima de uma temeridade, com a Câmara
aprovando de forma açodada uma mudança
na legislação ambiental que pode trazer
impactos negativos ao Brasil pelos próximos
1000 anos.
Muito mais que um emaranhado de
artigos, parágrafos e letras, o Código
Florestal diz respeito ao Brasil que queremos ser
no futuro: uma nação que devastou
seus recursos naturais em nome do lucro de poucos
ou a primeira potência econômica e ambiental
do planeta?
Nos últimos anos, demos
alguns sinais de que podemos alcançar a segunda
opção. O desmatamento na Amazônia
teve uma queda jamais vista, e assumimos internacionalmente
o compromisso de reduzir nossas emissões
– que vêm principalmente da destruição
das nossas florestas.
Caso o Código Florestal
dos ruralistas seja aprovado e o desmatamento volte
a subir, Dilma vai ter que se explicar não
só para os brasileiros, mas para o mundo.
Ela já percebeu isso, tanto que enviou seus
ministros para acompanhar a discussão no
Congresso. Mas não adiantou. É hora
de a presidente desligar, de vez, a motosserra do
Congresso e puxar o Brasil para um futuro verde,
limpo e rico. Para nós mesmos e para as próximas
gerações.