23/05/2011 - Dez ex-ministros
do Meio Ambiente assinaram nesta segunda-feira uma
carta aberta em que definem como perverso o texto
da reforma do Código Florestal que deve ser
votado amanhã (24) pela Câmara. Também
amanhã eles têm um encontro com a presidente
Dilma Rousseff para manifestar a opinião
de que a proposta a ser votada representa um retrocesso
na política ambiental brasileira.
"Não vemos, na proposta
de mudanças do Código Florestal aprovada
pela Comissão Especial da Câmara dos
Deputados em junho de 2010, nem nas versões
posteriormente circuladas, coerência com nosso
processo histórico, marcado por avanços
na busca da consolidação do desenvolvimento
sustentável. Ao contrário, se aprovada
qualquer uma dessas versões, o país
agirá na contramão de nossa história
e em detrimento de nosso capital natural",
afirmam os ex-ministros na carta.
Assinaram o texto: Marina Silva
(PV), Carlos Minc (PT), Sarney Filho (PV), Rubens
Ricupero (sem partido), José Carlos Carvalho
(sem partido), Fernando Coutinho Jorge (PMDB), Paulo
Nogueira Neto (sem partido), Henrique Brandão
Cavalcanti (sem partido), Gustavo Krause (DEM),
José Goldemberg (PMDB). Segundo eles, a votação
do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) nesta
semana é prematura.
Em entrevista coletiva no plenário
8 da Câmara, oito dos dez ex-ministros fizeram
duras críticas ao relatório de Rebelo,
com destaque para a falta de proteção
dos pequenos proprietários e dos agricultores
familiares, e flexibilização da lei
para permitir mais desmatamento.
"Esse código é
perverso. Primeiro quer anistiar aqueles que estão
em débito com o ambiente, principalmente
os grandes proprietários, que estão
conduzindo a negociação se escorando
nos pequenos produtores. A questão da pequena
propriedade está resolvida. Por outro lado,
quer se flexibilizar a legislação
para que haja mais desmatamento. Toda a discussão
é permeada por essas duas grandes aspirações
do agronegócio nocivo, que em detrimento
dos direitos da sociedade querem garantir seus direitos
individuais."
"Estamos fazendo mais uma
lei para não ser cumprida. Por força
da pressão de um segmento econômico
forte", disse José Carlos Carvalho.
Ele destacou que o substitutivo se caracteriza mais
como lei de uso da terra do que de florestas.
Carlos Minc disse que a presidente
Dilma se comprometeu a vetar a questão das
APPs e da isenção dos quatros módulos
quando era candidata ao Planalto no ano passado.
"Não queremos que passe a motosserra
no código, mas queremos mais tempo para entendimentos,
para incorporar pontos importantes", comentou.
Rubens Ricúpero lembrou
que não há exemplo na história
do país de tantos ex-ministros se mobilizarem
em torno da mudança de uma lei. “O argumento
de que a lei tornará a agricultura mais competitiva
é falso. É um suicídio adiado.
Mesmo antes que as consequências ambientais
prejudiquem a agricultura, as exportações
estarão abaladas com a repercussão
da lei nos mercados externos.”
Paulo Nogueira Neto destacou que
os deputados e senadores têm de ter conhecimento
das consequências dos seus atos. Uma dessas
consequências foi apontada pela ex-ministra
Marina Silva. Ela lembrou que só a expectativa
em torno da análise do novo código
gerou aumento significativo no desmatamento nos
últimos meses. Marina propôs que a
votação não seja atrelada a
nenhuma outra discussão, devido a sua própria
relevância política e importância
para as futuras gerações.
"Se o desmatamento já
está fora de controle só com essa
expectativa, quando for aprovada, teremos uma situação
de inteiro descontrole."
Leia no boxe abaixo a íntegra
da carta dos ex-ministros.
Carta Aberta à Presidente
da República e ao Congresso Nacional
Os signatários desta Carta
Aberta, ao exercerem as funções de
Ministros de Estado ou de Secretário Especial
do Meio Ambiente, tiveram a oportunidade e a responsabilidade
de promover, no âmbito do Governo Federal,
e em prol das futuras gerações, medidas
orientadas para a proteção do patrimônio
ambiental do Brasil, e com destaque para suas florestas.
Embora com recursos humanos e financeiros limitados,
foram obtidos resultados expressivos graças
ao apoio decisivo proporcionado pela sociedade,
de todos os presidentes da Republica que se sucederam
na condução do país e do Congresso
Nacional. Mencione-se como exemplos: a Política
Nacional do Meio Ambiente (1981), o artigo 225 da
Constituição Federal de 1988, a Lei
de Gestão de Recursos Hídricos (97),
Lei de Crimes e Infrações contra o
Meio Ambiente (98), o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (2000), a Lei de Informações
Ambientais (2003), a Lei de Gestão de Florestas
Públicas (2006), a Lei da Mata Atlântica
(2006), a Lei de Mudanças Climáticas
(2009) e a Lei de Gestão de Resíduos
Sólidos (2010).
Antes que o mundo despertasse
para a importância das florestas, o Brasil
foi pioneiro em estabelecer, por lei, a necessidade
de sua conservação, mais adiante confirmada
no texto da Constituição Federal e
sucessivas regulamentações. Essas
providências asseguraram a proteção
e a prática do uso sustentável do
capital natural brasileiro, a partir do Código
Florestal de 1965. Marco fundante e inspiração
nesse particular, o Código representa desde
então a base institucional mais relevante
para a proteção das florestas e demais
formas de vegetação nativa brasileiras,
da biodiversidade a elas associada, dos recursos
hídricos que as protegem e dos serviços
ambientais por elas prestados.
O processo de construção
do aparato legal transcorreu com transparência
e a decisiva participação da sociedade,
em todas as suas instâncias. E nesse sentido,
é importante destacar que o CONAMA - Conselho
Nacional do Meio Ambiente já se constituia
em excepcional fórum de decisão participativa,
antecipando tendências que viriam a caracterizar
a administração pública, no
Brasil, e mais tarde em outros países. Graças
a essa trajetória de responsabilidade ambiental,
o Brasil adquiriu legitimidade para se tornar um
dos participantes mais destacados nos foros internacionais
sobre meio ambiente, além de hoje dispor
de um patrimônio essencial para sua inserção
competitiva no século XXI.
Para honrar e dar continuidade
a essa trajetória de progresso, cabe agora
aos líderes políticos desta nação
dar o próximo passo. A fim de que o Código
Florestal possa cumprir sua função
de proteger os recursos naturais, é urgente
instituir uma nova geração de políticas
públicas. A política agrícola
pode se beneficiar dos serviços oferecidos
pelas florestas e alcançar patamares de qualidade,
produtividade e competitividade ainda mais avançados.
Tal processo, no entanto, deve
ser desenvolvido com responsabilidade, transparência
e efetiva participação de todos os
setores da sociedade, a fim de consolidar as conquistas
obtidas. Foram muitos os êxitos e anos de
trabalho de que se orgulham os brasileiros, e portanto
tais progressos não devem estar expostos
aos riscos de eventuais mudança abruptas,
sem a necessária avaliação
prévia e o conveniente debate. Por outro
lado, não consideramos recomendável
ou oportuno retirar do CONAMA quaisquer de suas
competências regulatórias no momento
em que o país é regido pelo principio
da democracia participativa, consagrado na nossa
Carta Magna.
Não vemos, portanto, na
proposta de mudanças do Código Florestal
aprovada pela Comissão Especial da Câmara
dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões
posteriormente circuladas, coerência com nosso
processo histórico, marcado por avanços
na busca da consolidação do desenvolvimento
sustentável. Ao contrário, se aprovada
qualquer uma dessas versões, o país
agirá na contramão de nossa história
e em detrimento de nosso capital natural.
Não podemos, tampouco,
ignorar o chamado que a comunidade científica
brasileira dirigiu recentemente à Nação,
assim como as sucessivas manifestações
de empresários, representantes da agricultura
familiar, da juventude e de tantos outros segmentos
da sociedade. Foram suficientes as expectativas
de enfraquecimento do Código Florestal para
reavivar tendências preocupantes de retomada
do desmatamento na Amazônia, conforme demonstram
de forma inequívoca os dados recentemente
divulgados pelo INPE.
Entendemos, Senhora Presidente
e Senhores congressistas, que a história
reservou ao nosso tempo e, sobretudo, àqueles
que ocupam os mais importantes postos de liderança
em nosso país, não só a preservação
desse precioso legado de proteção
ambiental, mas, sobretudo, a oportunidade de liderar
um grande esforço coletivo para que o Brasil
prossiga em seu caminho de nação que
se desenvolve com justiça social e sustentabilidade
ambiental.
O esforço global para enfrentar
a crise climática precisa do ativo engajamento
do Brasil. A decisão de assumir metas de
redução da emissão dos gases
de efeito estufa, anunciadas em Copenhagen, foi
um desafio ousado e paradigmático que o Brasil
aceitou. No próximo ano, sediaremos a Conferencia
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, e o Brasil poderá
continuar liderando pelo exemplo e inspirando os
demais países a avançar com a urgência
e a responsabilidade que a realidade nos impõe.
É por compreender a importância
do papel na luta por um mundo melhor para todos
e por carregar esta responsabilidade histórica
que nos sentimos hoje na obrigação
de dirigirmos a Vossa Excelência e ao Congresso
Nacional nosso pedido de providências. Em
conjunto com uma Política Nacional de Florestas,
o Código deve ser atualizado para facilitar
e viabilizar os necessários esforços
de restauração e de uso das florestas,
além que de sua conservação.
É necessário apoiar a restauração,
não dispensá-la. O Código pode
e deve criar um arcabouço para os incentivos
necessários para tanto. O próprio
CONAMA poderia providenciar a oportunidade para
que tais assuntos sejam incorporados com a devida
participação dos estados, da sociedade
civil e do mundo empresarial. De nossa parte, nos
colocamos à disposição para
contribuir a este processo e confiamos que sejam
evitados quaisquer retrocessos nesta longa e desafiadora
jornada.
Brasília, 23 de maio de
2011
Carlos Minc (2008-2010)
Marina Silva (2003-2008)
José Carlos Carvalho (2002-2003)
José Sarney Filho (1999-2002)
Gustavo Krause (1995-1999)
Henrique Brandão Cavalcanti (1994-1995)
Rubens Ricupero (1993-1994)
Fernando Coutinho Jorge (1992-1993)
José Goldemberg (1992)
Paulo Nogueira Neto (1973-1985)