27/05/2011
Carine Corrêa
Ecorregião mais devastada do País,
a Mata Atlântica possui atualmente apenas
cerca de 8% de sua cobertura vegetal original. A
ameaça não é apenas para a
biodiversidade, pois o abastecimento de água
para 123 milhões de brasileiros, por exemplo,
depende da conservação da cobertura
vegetal nativa da região.
A área é classificada como o segundo
conjunto de ecossistemas mais ameaçados de
extinção do mundo, perdendo apenas
para as quase extintas florestas da Ilha de Madagascar,
na África.
Apesar de ser uma das regiões
ecológicas mais ricas do Planeta em termos
de biodiversidade, o desmatamento, a exploração
madeireira, a agricultura, as obras de infraestrutura
e a ocupação inadequada de áreas
de preservação permanente, dentre
outros fatores, ocasionaram uma perda de quase 92%
de sua cobertura vegetal original.
Preservação - A
importância da preservação da
região vai além da conservação
de espécies da fauna e flora e das paisagens
naturais. O abastecimento de água para uma
população de 123 milhões de
brasileiros e para diversas atividades produtivas
de três grandes regiões do País
depende da proteção efetiva das matas
ciliares e dos recursos hídricos da ecorregião.
Outros serviços ecossistêmicos, como
regulação do clima, proteção
de encostas e garantia do regime de chuvas também
dependem da conservação adequada da
área.
Além disso, inúmeras
Áreas de Preservação Permanente
(APPs) da Mata Atlântica - que incluem todas
as formas de vegetação situadas nas
margens de corpos d'água, topos de morro,
encostas íngremes, manguezais e nascentes
- correm o risco de sofrer mais degradação
com as alterações que podem ser promovidas
no Código Florestal.
Código - De acordo com
a analista ambiental Fátima Guedes, do Núcleo
Mata Atlântica do MMA, a elaboração
adequada do Código Florestal é fundamental
para a preservação da Mata Atlântica,
especialmente os pontos da legislação
que orientam sobre a necessidade de se manter áreas
com vegetação nativa, como é
o caso das APPs e das áreas de Reserva Legal
(porcentagem das propriedades que devem manter a
vegetação nativa).
"Numa região onde
os diferentes ecossistemas estão muito fragmentados,
a conservação do que sobrou e a recuperação
desses espaços permitirá a recomposição
e a formação de corredores ecológicos",
afirma. Os corredores ecológicos são
extensões significativas de ecossistemas
que aumentam a probabilidade de sobrevivência
de diferentes espécies em longo prazo e asseguram
a manutenção de processos evolutivos
em larga escala.
Desastres - De acordo com levantamento
feito pelo MMA na região serrana do Rio de
Janeiro, afetada pelas chuvas no início deste
ano, a maioria dos deslizamentos ocorreu em APPs.
O estudo foi realizado para comprovar a relação
entre as APPs e as áreas de risco, e constatou
que aproximadamente 90% dos locais mais afetados
eram de Áreas de Preservação
Permanente ocupadas de maneira irregular.
"Fomos verificar se as áreas
atingidas pelas enchentes ou deslizamentos eram
ou não consideradas APPs pelo Código.
Indevidamente ocupadas por razões diversas
no passado, essas áreas ficaram disponíveis
para diferentes usos, mas os locais deveriam ser
preservados pela sua importância ambiental
e por uma questão de segurança da
própria população", afirma
Wigold Schaffer, consultor do Núcleo Mata
Atlântica do MMA e coordenador do estudo.
Schaffer ressalta que o mesmo
padrão de ocupação se repetiu
no Paraná, em Alagoas, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e em outras regiões onde enchentes
resultaram em tragédias no Brasil. Ele explica
que as áreas mais próximas dos rios
costumam ser as mais atingidas.
"Verificamos que em áreas
rurais a agricultura muito próxima à
área do rio deixa o solo suscetível
à erosão, e a enxurrada leva não
só a plantação, mas também
parte do solo, que sem fixação de
florestas e de vegetação agrava as
enchentes em centros urbanos localizados logo abaixo
dos rios, entupindo pontes, bueiros e provocando
a destruição a que todos temos visto",
esclarece.
O consultor explica, ainda, que
o afastamento de 30 metros em cada margem para a
implementação de qualquer atividade
produtiva ou de infraestrutura é a faixa
mínima de preservação necessária
para garantir a segurança e o bem estar da
população e a proteção
da biodiversidade e dos recursos hídricos
na Mata Atlântica.
Desta forma, mesmo que haja uma
chuva forte e o nível do rio suba, o fluxo
da água terá um espaço maior
para escoar. "Se a área já estiver
ocupada, a destruição é inevitável.
Ocorrem perdas de vidas humanas, de safra agrícola,
de infraestrutura e de patrimônio. Se eliminarmos
as APPs do Código Florestal vamos potencializar
e agravar estes problemas no futuro. Isto é
prejuízo certo", prevê Schaffer.
Alternativa - O Pagamento por
Serviços Ambientais (PSA) é uma iniciativa
que já está sendo implementada na
região. É uma alternativa que contribui
para o aumento da renda de famílias locais
e, também, para a queda do desmatamento e
de outras atividades predatórias.
O instrumento funciona de maneira
a complementar ações relacionadas
ao manejo de recursos naturais ou usos sustentáveis
da terra, como manejo sustentável de recursos
não madeireiros, sistemas agroflorestais,
restauração de matas ciliares e estabelecimento
de corredores ecológicos.
Em um estudo coordenado pelo MMA,
foram levantadas, ao todo, 79 iniciativas de PSA
em diferentes fases de desenvolvimento. São
33 projetos na categoria de fixação
e retenção de carbono na atmosfera,
41 relativos à água e outros cinco
que tratam de conservação da biodiversidade.
O projeto Produtor de Águas
e Florestas na Bacia do Rio Guandu, no Rio de Janeiro,
por exemplo, estimula 18 pequenos proprietários
rurais - que em sua maioria possuem áreas
menores que 100 hectares - a realizarem a restauração
florestal de APPs e de áreas interceptoras
de água, além da conservação
de florestas e do saneamento rural.
Esses agricultores estão
contribuindo para a recuperação de
uma grande área degradada localizada entre
os maiores remanescentes de Mata Atlântica
da região Sudeste, situada entre a área
da reserva biológica Rio Claro e o Parque
Nacional da Bocaina. A reconexão entre os
trechos remanescentes dessa grande área vai
possibilitar a formação de um grande
corredor ecológico. Esse território
abriga, ainda, diversas unidades de conservação
e Reservas Privadas do Patrimônio Natural
(RPPNs).
A verba total destinada ao projeto,
por ano, é de R$ 1,9 milhão, e a primeira
fase (prevista para cinco anos) deve ser finalizada
em 2013. O sistema Guandu abastece cerca de oito
milhões de pessoas na região metropolitana
do Rio de Janeiro.
Área original
A área original de Mata
Atlântica cobria aproximadamente 15% do território
brasileiro. A parte da ecorregião reconhecida
pela Lei 11.428, de 2006, foi delimitada pelo IBGE
e compreende um conjunto de formações
florestais e ecossistemas associados, abrangendo
total ou parcialmente 17 estados e 3.410 municípios.
Características
A Mata Atlântica possui
aproximadamente 20 mil espécies de flora
(entre 33% e 36% das existentes no País).
Em relação à fauna, os levantamentos
indicam que a região abriga 849 espécies
de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis,
270 de mamíferos e cerca de 350 de peixes.
Das 472 espécies brasileiras ameaçadas
de extinção, 276 são da Mata
Atlântica.
Composta por um conjunto de tipos
de vegetação, a ecorregião
abrange faixas litorâneas do Atlântico,
florestas interioranas e de araucária, campos
de altitude e encraves florestais no Sudeste, Centro-Oeste
e Nordeste. Sua extensão está presente
também em diferentes biomas, e chega a abranger
parte do território da Argentina e do Paraguai.