19/05/2011 - O acordo obscuro
firmado para aprovar na próxima terça-feira
(24/5) uma desastrosa emenda ao relatório
já predatório do deputado Aldo Rebelo
escancara o grau de irresponsabilidade
ambiental de parlamentares e líderes do PMDB,
PSDB e outros partidos acumpliciados. E deveria
servir de alerta aos ministros e autoridades de
governo que lavarem as mãos diante da proposta,
bem como aos órgãos de comunicação
para que se aprofundem mais na discussão
dessa iminente calamidade.
Se o processo de revisão
do Código Florestal já vinha sendo
muito mal conduzido no âmbito da Câmara
dos Deputados, a partir de ontem (18/5) ficou pior.
Um acordo ainda mal explicado, liderado pelo PMDB,
que teria sido feito entre líderes de partidos
políticos e ministros de estado, poderá
levar a um resultado muito mais danoso ao meio ambiente
do que o que já vinha sendo delineado pelo
relatório apresentado pelo deputado Aldo
Rebelo.
Por este acordo, seria aprovado
o texto do relatório já apresentado
na quarta-feira da semana passada (11/5) e, sobre
ele, seria votada uma emenda de plenário
(número 164) que conta com o apoio dos líderes
do PMDB, PSDB, DEM, PPS, PP e PR, que, na prática,
acaba com as áreas de preservação
permanente (APPs) previstas no atual Código
Florestal.
Vale lembrar que o texto do relatório
já havia provocado grande polêmica
e o adiamento da votação em plenário,
pois o relator havia alterado e suprimido vários
dispositivos anteriormente acordados com o governo,
no que ficou conhecido como “pegadinhas”, que fragilizaram
de várias formas a proteção
ao meio ambiente. Assim, se supõe que seja
sobre esta base piorada que se procederá
a votação da desastrosa emenda parlamentar,
mas, assim como já vem ocorrendo desde o
início do processo de apreciação
da matéria em plenário, ninguém
sabe qual será exatamente o texto submetido
à votação. Para que o leitor
tenha uma ideia da aberração em que
se constitui a tal emenda 164, vou transcrevê-la
literalmente e comentá-la ponto a ponto,
esclarecendo que as impropriedades linguísticas
e de técnica legislativa dos seus dispositivos,
aqui citados entre aspas, são de reponsabilidade
exclusiva dos seus autores:
Caput. “A intervenção
ou supressão de vegetação em
Área de Proteção Permanente
e a manutenção de áreas consolidadas
até 22 de julho de 2008, ocorrerá
nas hipóteses de utilidade pública,
interesse social e de baixo impacto ambiental previstas
em Lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris,
ecoturismo e turismo rural, observado o disposto
no parágrafo 3”;
Significa dizer que a supressão
da cobertura vegetal em margens de rios, topos de
morros e áreas com alta declividade, prevista
no Código Florestal em vigor nas hipóteses
de utilidade pública e interesse social,
poderá passar a ocorrer também para
a implantação de pastagens, plantações
agrícolas e atividades de turismo, além
de outras como se verá abaixo. Com isso,
fica claramente desmascarada a retórica ruralista
de que a reforma pretendida do CF não implicará
novos desmatamentos.
Parágrafo 1. “A existência
das situações previstas no caput deverá
ser informada no Cadastro Ambiental Rural para fins
de monitoramento, sendo exigidas nestes casos a
adoção de técnicas de conservação
do solo e de água que visem a mitigação
dos eventuais impactos”;
Significa que serão os
próprios proprietários ou ocupantes
das áreas rurais que informarão, através
de mera declaração, as áreas
situadas em APPs que estão desmatadas e ocupadas
com essas várias atividades, para fins de
registro no mencionado CAR, que hoje existe apenas
em alguns estados. Não há qualquer
indicação de quais sejam as “técnicas
de conservação do solo e de água”
a serem observadas nas áreas já desmatadas
(“consolidadas”) ou ainda por desmatar.
Parágrafo 2. “Antes mesmo
da disponibilização do Cadastro Ambiental
Rural de que trata o parágrafo 1, no caso
das intervenções já existentes,
fica o proprietário ou possuidor responsável
pela conservação do solo e água,
conforme determinação agronômica”;
Aqui se afirma que o próprio
agrônomo contratado pelo proprietário
da área que deve determinar quais seriam
as providências de conservação
do solo e da água.
Parágrafo 3. “O Programa
de Regularização Ambiental previsto
nesta Lei, atendidas peculiaridades locais, estabelecerá
outras atividades não previstas no caput,
para fins de regularização e manutenção,
desde que não estejam em áreas de
risco e sejam observados critérios técnicos
de conservação de solo e água”;
Um programa de regularização
(que significa manutenção como tal
de áreas ilegalmente desmatadas antes) previsto
no texto do relator poderá definir outras
atividades, além daquelas já mencionadas
no caput da emenda, que poderão ser mantidas
em APPs, desde que fora de áreas de risco
(que só em situações excepcionais
se encontram já definidas) e observando os
tais critérios indefinidos de conservação
de solo e de água. Com esse artigo, toda
e qualquer atividade pode ser permitida em APP.
Parágrafo 4. “O PRA regularizará
a manutenção de outras atividades
consolidadas em Áreas de Preservação
Permanente, vedada a expansão das áreas
ocupadas, ressalvados os casos em que haja recomendação
técnica de recuperação da referida
área”;
É quase uma repetição
do parágrafo anterior. Praticamente qualquer
outra atividade além das já explicitadas
deverá ser regularizada através do
referido programa, supostamente ficando vedada a
sua expansão, embora o caput preveja novas
supressões para atividades agrossilvopastoris
e outras. Somente quando o poder público
previamente determinar a recuperação
da área de APP já desmatada ela não
será “regularizada”.
Parágrafo 5. “A supressão
de vegetação nativa protetora de nascentes,
de dunas e restingas somente poderá ser autorizada
em caso de utilidade pública”;
Aqui se limita à hipótese
de utilidade pública a supressão de
vegetação em novas áreas de
proteção de nascentes, dunas e restingas,
cuja extensão já está sendo
reduzida no texto do relator. As áreas ilegalmente
desmatadas até 2008 podem continuar assim.
Parágrafo 6. “A intervenção
ou supressão de vegetação nativa
em Área de Preservação Permanente
de que trata o inciso VI do artigo 4, poderá
ser autorizada excepcionalmente em locais onde a
função ecológica do manguezal
esteja comprometida, para execução
de obras habitacionais e de urbanização,
inseridas em projetos de regularização
fundiária de interesse social, em áreas
urbanas consolidadas ocupadas por populações
de baixa renda”.
Aqui se estende a possibilidade
de supressão definitiva de manguezais situados
em áreas urbanas que estejam com a sua função
ecológica comprometida. Ou seja, se estimula
a degradação dos mesmos para a sua
posterior supressão. É a parte final
da emenda citada.
Se alguém ainda tinha dúvidas
sobre o grau de irresponsabilidade ambiental de
parlamentares e líderes do PMDB, PSDB e outros
partidos acumpliciados, que agora se pronuncie sobre
o crime que está sendo planejado para ser
sacramentado na próxima terça-feira
(24/05). Quem se calar, consentirá.
Esta observação
se aplica aos ministros e autoridades de governo
que lavarem as mãos diante deste (suposto)
acordo espúrio. E também deveria servir
de alerta aos órgãos de comunicação,
que vêm dando destaque ao debate sobre a reforma
do CF, mas sem se aprofundar suficientemente pelos
meandros dessa iminente calamidade.
+ Mais
Novo Código Florestal destruirá
plano de recuperação da Mata Atlântica
23/05/2011 - Estudo do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra
que isenção de reserva legal em imóveis
de até 4 módulos fiscais atingirá
67% da área que deveria ser recuperada no
bioma mais ameaçado do país. Caatinga,
que já sofre com desertificação,
seria o bioma mais afetado.
Há dois anos um grande
conjunto de organizações da sociedade
civil, empresas privadas e universidades públicas
selaram um pacto pela restauração
do bioma Mata Atlântica, um dos hotspots brasileiros
(junto com o Cerrado) em função da
sua altíssima biodiversidade e do elevado
grau de ameaça a sua sobrevivência.
A meta traçada foi de restaurar, até
2050, 15 milhões de hectares de florestas,
recuperando áreas protegidas ilegamente desmatadas
e locais de baixa aptidão agrícola.
Até o momento, no entanto, apesar dos esforços,
foram recuperados pouco mais de 40 mil hectares,
e, se o projeto de alteração do Código
Florestal for aprovado como está, a meta
se tornará não só difícil,
mas impossível de ser alcançada.
O IPEA fez um estudo para avaliar
qual seria o impacto - na restauração
dos biomas brasileiros - da aprovação
da regra que isenta todos os imóveis de até
4 módulos fiscais de recuperarem suas reservas
legais. Essa regra, presente no relatório
aprovado na comissão especial da Câmara
dos Deputados em 2010, vem sendo defendida por vários
representantes do agronegócio e pelo relator
Aldo Rebelo (PCdoB-SP), como uma medida de justiça
social com os pequenos agricultores, que não
teriam terras suficientes para poder plantar e ainda
preservar. Os defensores dessa ideia alegam que
o impacto ambiental seria pequeno, já que
os pequenos imóveis, embora numerosos, representariam
pequena parcela do território nacional.
O estudo do IPEA, no entanto,
joga luzes sobre essa questão, mostrando
que o impacto ambiental não é tão
pequeno assim. Pelo contrário. Intitulado
“Código Florestal: implicações
do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal”,
ele calcula que 67% das áreas de reserva
legal ilegalmente desmatadas na Mata Atlântica
estariam isentas de recuperação. Ou
seja, apenas 1/3 do passivo atual seria, na melhor
das hipóteses, recuperado. Isso significaria
uma anistia de 3,9 milhões de hectares.
Mas há situações
piores. A caatinga, bioma que vem sofrendo acelerado
processo de desertificação justamente
por perda da cobertura vegetal nativa, perderia
70% das áreas a serem recuperadas. No país
todo, segundo o estudo, seriam quase 48 milhões
de hectares de desmatamentos ilegais anistiados.
Organizações ambientalistas
e ligadas à agricultura familiar vêm
defendendo que, se houver algum tipo de anistia
desse tipo, que seja direcionado exclusivamente
aos agricultores familiares, e não a todo
e qualquer proprietário de imóveis
com até 4 módulos. A diferença
é que, para um agricultor ser considerado
como familiar, ele só pode possuir um único
imóvel, onde trabalha e ganha seu sustento.
Com uma regra que abre genericamente para 4 módulos,
um proprietário que tenha cinco ou seis fazendas
dentro desse tamanho (que pode ser de até
320 ha em Goiás, 160 ha em São Paulo
ou 440 ha no Mato Grosso do Sul) estaria isento
de recuperar a reserva legal em todos eles. Além
disso, por não haver um controle maior, um
imóvel de 600 ha em Goiás poderia
facilmente dividir sua matrícula no Registro
de Imóveis em duas e passar a ser, aos olhos
da lei, duas fazendas isentas de reserva legal.
Apesar de todos esses argumentos, e do apelo dos
movimentos ligados à agricultura familiar,
o relator Aldo Rebelo vem insistindo em manter a
regra.