15 de junho - O I Festival de
Cultura Xinguana, em comemoração aos
50 anos do Parque Indígena do Xingu, mobilizou
as comunidades para discussões sobre a influência
dos costumes do “homem branco”
e a necessidade de união entre os povos para
uma ação conjunta pela preservação
do território e da cultura. Cerca de 500
indígenas dos diferentes povos estiveram
reunidos, entre os dias 10 e 13 de junho, para relembrar
a história da criação do parque,
comemorar a data, avaliar a situação
atual e planejar os próximos 50 anos.
Foram três dias de atividades
culturais e rodas de conversa, para uma avaliação
política da vida do Parque até os
dias de hoje e os anseios das comunidades para o
futuro. Como resultado, a Associação
Terra Indígena Xingu (Atix) solicita que
governo avalie a viabilidade de um encontro anual,
ou pelo menos de 4 em 4 anos, que reúna as
principais lideranças, mulheres e jovens
dos 16 povos indígenas da região para
discutir as demandas das comunidades, informou o
presidente da Atix, Pikuruk Kayabi.
Segundo ele, essa união
é fundamental para manter a cultura e a preservação
do Parque Indígena. “Será um encontro
para debater sobre fiscalização, cultura,
alternativas econômicas e manter a união
entre as etnias do Xingu. Este primeiro Festival
permitiu que cada um se conhecesse melhor, pudemos
ouvir a opinião de antigas lideranças,
o que fortaleceu os jovens que estão nessa
luta pela preservação e desenvolvimento
da cultura xinguana”, avaliou Pikuruk.
O coordenador regional da Funai
no Xingu, Nhonkoberi Suya, avaliou o encontro como
muito positivo. “O parque foi pensado para proteger
a tradição e manter o xinguano com
a cultura sempre viva. Com a chegada de tecnologia,
televisão, motor, internet, tem mudado um
pouco, mas a gente quer manter o Xingu com a tradição
muito forte. O encontro contribuiu para isso, por
estarem ali as 16 etnias representadas, com suas
tradições diferentes”, disse.
Nhonkoberi se preocupa com os
indígenas que têm ido para a cidade
e considera que o evento também foi importante
no sentido de levantar essa questão e encontrar
uma solução para frear essas saídas
e a entrada de não índios na Terra
Indígena sem o acompanhamento da Funai. “Como
coordenador regional tenho preocupação
com saída dos jovens, com as pessoas morando
na cidade e os problemas que possam vir a acontecer”,
ressaltou.
Uma das principais preocupações
levantadas foi a influência que os jovens
sofrem ao sair das aldeias para estudar nas cidades.
Aru Trumai, que conviveu com os irmãos Villas
Bôas até os 27 anos, diz que os jovens
hoje estão saindo muito e trazendo doenças.
“Hoje sai, não fala mais com chefe, com cacique.
Daqui a pouco vai querer morar na cidade, trabalhar
para fazendeiro. Não é bom”, avalia.
A preocupação foi
confirmada por Managu Ikpeng, que questiona a educação
que ensina a ter dinheiro. “Tem índio pedindo
na cidade. Está dando vergonha”, observa,
lembrando que “Orlando (Villas Bôas) orientava
que se um dia eles saíssem da aldeia, o branco
ia oferecer coisas: açúcar, café,
fumo, em troca de alguma coisa. Se aceitar, eles
vão destruir tudo e vocês vão
ficar doentes”.
Além da influência
das cidades, há a preocupação
com a nascente do rio Xingu. “A cabeceira do rio
fica fora do parque. Peço aos ambientalistas
um meio de preservar a nascente. Podiam deixar uma
área de 5 Km em torno da nascente”, reivindicou
o líder Pirakumã Yawalapiti.
Cultura – As comemorações
de 50 anos do Parque Indígena do Xingu incluíram
danças, jogos e cinema feito pelos indígenas
do parque. Os filmes do cineasta Kamikia Kinsêdjê
foram bastante aplaudidos pelo público. Os
filmes foram realizados pelo projeto Vídeo
nas Aldeias. São documentários sobre
a cultura e também histórias de ficção.
Para Kamikia, “a diferença
é grande quando o branco vem fazer matéria
sobre os povos indígenas, porque ele não
tem uma visão ampla sobre o cotidiano da
aldeia. A gente sente falta de mais informações”.
Ele considera que a tecnologia pode ser uma aliada
para a preservação da cultura indígena.
“O vídeo pode ajudar a preservar. A produtora
tem sede na aldeia e a comunidade tem gostado do
nosso trabalho. Conseguimos resgatar cantos com
antropólogos e, com isso, os jovens estão
aprendendo as músicas”, comemora. Os filmes
de Kamikia – A Festa do Rato, Mulheres Guerreiras,
A História do Monstro Kátpy (filme
e making off) e Os Kinsêdjê Contam sua
História - podem ser assistidos no site do
Vídeo nas Aldeias.
+ Mais
Operação Tekohá
desencadeia ações positivas nas aldeias
de Dourados/MS
13 de junho - Parecia uma manhã
normal na Reserva Indígena Dourados, porém
o clima de tranquilidade e esperança por
dias melhores entre os Guarani era uma novidade.
Isso porque a Operação Tekohá,
articulada pela Funai, começou no dia 10
de junho, as 5 da manhã, com efetivo da Polícia
Federal, Força Nacional de Segurança
e agentes da Fundação, combatendo
a cooptação e exploração
de indígenas, na maioria jovens, por traficantes
da região. A presença das forças
policiais foi aprovada por unanimidade pelas comunidades
indígenas, em reuniões de anuência
realizadas nas aldeias.
Em seu primeiro dia, a Operação
Tekohá resultou na apreensão de drogas,
dinheiro e uma arma calibre 38 na aldeia Jaguapiru,
além de um veículo gol e uma moto,
que apesar de não haver registro de roubo,
estavam em nome de terceiros. Três traficantes
foram presos e encaminhados para a Delegacia de
Polícia Federal. O efetivo policial permanece
na região por tempo indeterminado. Paralelamente,
a Fundação Nacional do Índio
conduz articulação para firmar Acordo
de Cooperação Técnica com o
Governo do Mato Grosso do Sul, a fim de promover
a atuação contínua das forças
policiais nas aldeias.
A estratégia de proteção
social da população indígena
inclui a formação de um Grupo de Trabalho
com capacidade de articulação com
os órgãos locais, para sensibilização
de agentes do estado para as especificidades da
cultura indígena. Duas sociólogas
foram convocadas para a função, devendo,
portanto, avaliar a situação de vulnerabilidade
das famílias indígenas e promover
os direitos sociais coletivos e individuais.
As situações de
violência nas aldeias Guarani estão
associadas ao confinamento territorial e, por consequência,
à desorganização da estrutura
social do povo. Somente na Terra Indígena
Dourados, que tem 3600 hectares, vivem mais de 14
mil indígenas. A superpopulação
altera a dinâmica de relacionamento entres
as famílias. Tradicionalmente, os Guarani
estão organizados por família extensas
com uma liderança em cada. Quando surge uma
nova liderança na aldeia, é comum
que essa família se desloque e crie um novo
aldeamento, o que fica impossível diante
do território diminuto.
Esse confinamento, associado à
falta de policiamento, ao consumo de bebida alcoólica,
comercializada na cidade e na aldeia, e ao tráfico
e uso de drogas, envolvendo crianças e jovens,
agrava o quadro de violência na região.
Prioridade para o papel da Funai na proteção
territorial, a demarcação das terras
indígenas Guarani no Mato Grosso do Sul depende
de uma solução definitiva que assegure
segurança para indígenas e fazendeiros.
Judicialização do
processo administrativo de demarcação
das Terras Indígenas
A falta de terras para reprodução
do modo de vida tradicional é a principal
razão para a exploração, discriminação
e violência sofrida pelo povo Guarani, no
Mato Grosso do Sul. O diagnóstico da Funai
foi ratificado pelo relatório do Comitê
para Eliminação da Discriminação
Racial da Organização das Nações
Unidas (ONU), divulgado em 2010. O documento, entretanto,
deixa de citar que a judicialização
das demarcações de terras indígenas
é, hoje, o principal entrave para o cumprimento
da responsabilidade constitucional do órgão
indigenista.
Quase todo processo de identificação
e demarcação de terras indígenas
que se inicia é acompanhado por vários
processos judiciais que o questionam. Assim, para
concluir o trabalho de identificação
e demarcação das terras indígenas
do povo Guarani no MS, a Funai tem que enfrentar
ações populares, ações
diretas de inconstitucionalidade, mandados de segurança,
pedidos de liminares e inúmeros recursos
contra os trabalhos de levantamento fundiário.
E não para por aí, pois todo o procedimento
de regularização das terras indígenas
do Estado, incluindo as Portarias Declaratórias
do Ministério da Justiça, os Decretos
Homologatórios do Presidente da República
e, até mesmo, o Decreto 1.775/96, que estabelece
o procedimento administrativo de demarcação,
são freqüentemente impugnados por instrumentos
do Poder Judiciário que, aliados ao contexto
político estadual, impedem a finalização
dos trabalhos da Funai, acentuando o clima de insegurança
e de hostilidade em relação aos Guarani.