20 Junho 2011 - O projeto de reforma
do Código Florestal que tramita no Senado
traz péssimas notícias para agricultores,
para o Brasil e para o mundo: novos desmatamentos
em milhões de hectares,
liberação de estoques de carbono e
manutenção de sistemas de produção
atrasados e concentradores. As conclusões
estão em estudo divulgado pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão
ligado ao Governo Federal.
O Ipea estimou a área de vegetação
nativa que deixará de ser recuperada se for
mantida a anistia ao desmatamento das parcelas de
reserva legal nas propriedades de até quatro
módulos fiscais.E estimou, também,
outros cenários, considerando novos desmatamentos
em função da anistia.
Reserva legal é a porção
da propriedade em que a vegetação
natural deve ser mantida, de acordo com o Código
Florestal em vigor. Ela é de 80% das propriedades
na Floresta Amazônica, 35% nas manchas de
Cerrado na Amazônia e de 20% nas demais regiões
do país.
O módulo fiscal é
a área mínima que o agricultor precisa
para desenvolver atividade econômica que garanta
seu sustento e de sua família. O tamanho
do módulo fiscal, diferente para cada município
do País, é determinado considerando-se,
entre outros fatores, as atividades econômicas
comuns na região. O módulo fiscal
varia de cinco hectares, no Distrito Federal, a
110 hectares na Amazônia.
O texto em tramitação
no Congresso Nacional prevê anistia a quem
desmatou ilegalmente, estimulando novos desmatamentos.
O projeto estabelece que os fazendeiros que têm
até quatro módulos fiscais (até
440 hectares na Amazônia) e desmataram, até
2008, mais do que a lei permite, ficam desobrigados
de recuperar a vegetação nativa nas
reservas legais.
Os técnicos concluíram
que, num cenário otimista – considerando
que não haverá novos desmatamentos
em áreas de reserva legal - pelo menos 29
milhões de hectares de mata nativa – área
semelhante à da Itália - deixarão
de ser recuperados. Em outro cenário – considerando
que haverá desmatamento futuro nas fazendas
isentas de manter as reservas legais - o total de
área desmatada pode chegar a 47 milhões
de hectares – uma Espanha. Cerca de 60% da área
que não precisaria ser recuperada se encontra
na Amazônia.
Nos outros biomas, grandes áreas
desmatadas deixariam de ser recuperadas. Na Caatinga
e na Mata Atlântica, metade de tudo o que
foi derrubado ilegalmente em reservas legais não
precisaria ser recuperado. No Pampa, 30%. No Cerrado,
22%. Na Amazônia, 14% e, no Pantanal, 3%.
Em uma terceira hipótese,
considerando que as reservas legais referentes a
quatro módulos nas médias e grandes
propriedades também sejam derrubadas, a devastação
chegaria a 79 milhões de hectares – área
maior que o Chile.
Gases de efeito estufa
A proposta de reforma do Código Florestal
também coloca em risco as metas brasileiras
de corte nas emissões de gases de efeito
estufa. Se não forem recuperadas as áreas
de reserva legal que deveriam existir, de acordo
com a legislação atual, e prevendo
novos desmatamentos incentivados pelas anistias,
deixarão de ser estocadas quantidades entre
17 e 28 vezes a meta brasileira de redução
das emissões de gases estufa.
“A proposta em tramitação no Congresso
é uma verdadeira bomba de carbono”, avalia
o coordenador do programa de mudanças climáticas
do WWF-Brasil, Carlos Rittl. “Trata-se de uma enorme
ameaça para a biodiversidade brasileira,
para as florestas e para o clima do planeta”, diz
o especialista.
O Brasil assumiu o compromisso
de reduzir a curva de crescimento de suas emissões
de gases estufa em entre 36,1% e 38,9% até
2020. O compromisso foi estabelecido na Lei 12.187/2009,
que institui a Política Nacioinal sobre Mudança
do Clima e foi também informado à
Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima.
Como a anistia aos desmatadores
funciona como incentivo a novas devastações
e como a maior parte das emissões brasileiras
é proveniente de desmatamentos e alterações
no uso da terra, as metas brasileiras provavelmente
não serão cumpridas. “As mudanças
do Código Florestal tornam praticamente inviável
ao Brasil atingir suas metas de redução
de emissões”, avalia Rittl.
O texto em discussão coloca em risco, ainda,
outro compromisso internacional do Brasil, de reduzir
o desmatamento da Amazônia em 80% e do Cerrado
em 40% até 2020, com base na média
registrada entre 1996 e 2005.
“A Rio+20, em 2012, irá
tratar de caminhos para o desenvolvimento global
sustentável. A Câmara dos Deputados,
ao aprovar as mudanças no Código Florestal,
agiu na contramão da história. E deixou
o anfitrião da cúpula global, o Brasil,
sob o risco de dar um péssimo exemplo ao
mundo, ao aprovar a anistia aos crimes ambientais
e a permissão a imensos desmatamentos”, diz
o ambientalista.
A secretária-geral do WWF-Brasil, Denise
Hamu, avalia que o Senado tem agora a oportunidade
de mudar este quadro. “O Senado deve finalmente
trazer para o debate as instituições
de pesquisa, como SBPC, ABC, Embrapa, Ipea, representantes
da agricultura familiar, da sociedade civil, todos
extremamente preocupados com as propostas aprovadas
na Câmara, para que se possa melhorar o Código
Florestal, em vez de destruí-lo”.
De acordo com Rittl, o Brasil
deve corrigir o rumo de seu desenvolvimento: “Sustentabilidade
e crescimento econômico baseado em baixas
emissões de carbono são um caminho
inevitável em nossa era. Isto deve ser visto
como oportunidade para um país como o Brasil,
com tantas riquezas naturais, e para os diferentes
setores de sua economia. Pessoas, instituições,
empresas e governos que não perceberem isso
correm o risco de ficar à margem da história”,
avalia.
+ Mais
"Legislação
ambiental não é obstáculo à
agropecuária", diz produtor no Acre
Paulo Sérgio Peres, médio
produtor agrícola no Acre, tem elevada produtividade
na fazenda de 1.250 hectares, respeita integralmente
APPs e reserva legal e queixa-se da anistia dada
a quem desmatou ilegalmente
Por Bruno Taitson, de Bujari (AC) - O fazendeiro
Paulo Sérgio Peres chegou ao Acre em 1973,
vindo do Paraná com o pai. Instalou-se a
pouco mais de 50 quilômetros da capital Rio
Branco, no município de Bujari. Ele se dedica
à pecuária leiteira e de corte, à
produção de borracha de seringueiras
plantadas e à piscicultura, além de
desenvolver cultivos de subsistência em sua
propriedade de 1.250 hectares, considerada de médio
porte.
Para ele, a argumentação
apresentada por ruralistas para justificar as mudanças
na legislação, de que o Código
Florestal é um empecilho à atividade
agropecuária, não condiz com a realidade.
“O problema não está, de jeito nenhum,
nas leis. Os problemas da agricultura brasileira
estão na carência por estradas, na
demora para a concessão de licenças
e na falta de financiamento. O que o produtor quer
é estrada e escola para ter a família
perto dele”, analisa.
A forma como Paulo Sérgio e os irmãos
administram a propriedade é exemplar. Na
pecuária, é praticado um sistema de
rotação de pastagens para não
degradar o solo. Também são feitos
investimentos em melhoramento genético para
o rebanho. “Enquanto a média da Amazônia
é de menos de uma cabeça de gado por
hectare, a minha já superou 2,5”, destaca.
Ele investiu em um plantio de seringueiras que já
começa a dar resultados e, que em 2012, poderá
produzir 80 toneladas de borracha por ano. Os tanques
de pirarucus também já apresentam
bons resultados e o produtor projeta vendas anuais
de até 60 toneladas do pescado em um futuro
próximo. “A chave está em diversificar
a produção”, ensina Paulo Sérgio,
com experiência de quase 40 anos de atividade
agropecuária no Acre.
O fazendeiro também considera
de fundamental importância a conservação
dos percentuais de reserva legal e das áreas
de preservação permanentes (APPs)
na propriedade. “O bom produtor tem consciência
de que é preciso manter essas reservas”.
O resultado se manifesta não apenas na produtividade,
mas também na biodiversidade local: pássaros
de diversas espécies e animais como pacas,
cotias, veados, macacos e até onças
são vistos por lá.
A fazenda é considerada modelo de produção
sustentável no Acre. Frequentemente, a família
de Paulo Sérgio recebe estudantes universitários
e pesquisadores, inclusive de instituições
estrangeiras, para observar os métodos de
manejo empregados, que alcançam resultados
de produtividade e conservação da
biodiversidade.
Paulo Sérgio Peres, que
sempre respeitou a legislação ambiental,
teceu severas críticas à anistia dada
a quem desmatou ilegalmente até 2008, pelo
substitutivo ao Código Florestal aprovado
na Câmara dos Deputados em maio deste ano.
“Confesso que me senti injustiçado com esse
perdão. Fui seguir a lei e outros derrubaram
tudo, ganharam muito dinheiro e agora vai ficar
por isso mesmo. Falaram várias vezes para
eu derrubar tudo e eu decidi respeitar a lei”, conclui.