Primeiro estudo global sobre os
custos ambientais da aquicultura mostra que produção
de pescado é ecologicamente menos nociva
do que a pecuária - Bancoc/Washington, 14
de junho de 2011 — Uma nova e abrangente análise
publicada pelo WorldFish Center e pela Conservação
Internacional (CI), que investigou
o impacto ambiental dos principais sistemas de produção
de aquicultura no mundo, apresenta hoje um estudo
inédito das tendências e dos impactos
do pescado cultivado. O levantamento aponta que,
nos 75 sistemas produtivos de cultivo de espécies
avaliados, mais produção significa
mais impacto ecológico, mas conclui que,
se comparada a outras formas de produção
de proteína animal - como a pecuária
-, a aquicultura é mais eficiente.
O relatório “Blue Frontiers:
Managing the environmental costs of aquaculture”
(“Fronteiras azuis: gerenciando os custos ambientais
da aquicultura”) e um documento associado contendo
recomendações de diretrizes e políticas
estão sendo lançados em Bangkok, na
Tailândia, na Conferência ASEAN SEAFDEC
(da Associação das Nações
do Sudeste Asiático, Centro de Desenvolvimento
da Pesca do Sudeste Asiático) sobre Pesca
Sustentável para a Segurança Alimentar
em 2020. O documento conclui que a demanda por produtos
de aquicultura continuará a crescer ao longo
das próximas duas décadas como uma
importante fonte de proteína animal para
as crescentes populações urbanas.
E faz um alerta: essa indústria precisa atender
a demanda com melhorias significativas na eficiência
e na redução dos impactos ambientais.
Entre as principais descobertas
do relatório dois pontos merecem destaque:
(1) o impacto ambiental da aquicultura varia dramaticamente
dependendo do país, região, sistema
de produção e espécie cultivada;
e (2) uma revisão das informações
publicadas apontou que a aquicultura é mais
eficiente e menos danosa ao meio ambiente quando
comparada a outros sistemas de produção
de proteína animal, como a criação
de gados bovino e suíno, e tudo indica que
está entre as fontes mais importantes de
proteína para a saúde e a nutrição
dos habitantes de áreas urbanas em várias
regiões do mundo em desenvolvimento. Isso
significa que há um grande potencial para
seu aprimoramento, a partir da identificação
e do compartilhamento das melhores práticas,
do aumento no investimento em inovação
e do fortalecimento das políticas e regulamentações.
O que estimulou a pesquisa dos
cientistas foi o reconhecimento da aquicultura como
um dos setores de produção de alimentos
de maior crescimento no mundo. Essa indústria
tem crescido a uma taxa média anual de 8,4%
desde 1970, e a produção total atingiu
a marca de 65,8 milhões de toneladas em 2008
de acordo com a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO). Hoje, a aquicultura é uma indústria
de mais de US$ 100 bilhões que fornece mais
da metade de todos os frutos do mar consumidos no
mundo, suplantando o pescado capturado em ambiente
natural.
Usando todos os dados disponíveis
de 2008, o estudo comparou as demandas globais por
aquicultura entre uma grande variedade de grupos
de espécies (13), geografias (18 países),
tipos de alimentação (5) e inúmeros
sistemas de produção cultivada em
uso atualmente. Isso permitiu aos cientistas avaliarem
e contrastarem 75 tipos diferentes de sistemas produtivos
de pescado com o objetivo de determinar seus impactos
ambientais na acidificação, alterações
climáticas, demanda energética, ocupação
de terra e outros fatores ecológicos.
Após quase dois anos de
coleta e análise de dados, os pesquisadores
descobriram que:
• A China e o resto da Ásia
fornecem, coletivamente, a maioria esmagadora do
pescado mundialmente cultivado disponível
no mercado mundial, com 91% do suprimento global.
A China sozinha contabiliza 64% da produção
internacional.
• Na outra extremidade da cadeia
de suprimentos, a Europa produz 4,4%, a América
do Sul 2,7%, a América do Norte 1,9% e a
África 1,6%.
• Aquiculturas mais populares
por país: a carpa encabeça a lista
na China e no resto da Ásia; o salmão
é o número um na Europa e na América
Latina, as tilápias são os principais
na aquicultura africana.
• As aquiculturas com maior impacto
ambiental incluem: enguia, salmão, camarão
e pitu, devido ao alto consumo de energia e à
grande quantidade de peixe usado como ração;
estas são as indústrias com maior
necessidade de aprimoramento.
• As aquiculturas com os menores
impactos ambientais incluem: moluscos (mexilhões
e ostras), mariscos, algas marinhas (aquelas mais
abaixo na cadeia alimentar; não necessitam
de alimentação adicional).
• Eficiência dos métodos
de produção de salmão: embora
a produção do salmão tenda
a ocupar os níveis mais altos da escala de
impacto ambiental devido ao uso de peixes como ração,
constatou-se que os métodos de produção
do norte da Europa, Canadá e Chile são
mais eficientes do que os da China e de outros países
asiáticos (em termos de acidificação,
mudanças climáticas, demanda de energia
e ocupação do solo).
• Eficiência dos métodos
de produção de camarão e pitu:
constatou-se que o cultivo na China é muito
menos eficiente do que em outros países produtores
(por exemplo, Tailândia) em termos de acidificação,
alterações climáticas e demanda
energética.
• Aquicultura comparada à
pesca na natureza: a aquicultura contabiliza hoje
a maioria significativa das algas marinhas (99%),
carpas (90%) e salmão (73%) consumidos, e
também é responsável por metade
(50%) do fornecimento global total de tilápias,
bagres, mariscos, caranguejos e lagostas.
“Este relatório traz a
análise mais abrangente da aquicultura global,
é uma iniciativa pioneira que ilustra as
oportunidades e os desafios que estão por
vir”, afirma o Dr. Stephen Hall, autor principal
do relatório e diretor geral do WorldFish
Center. “Como o relatório mostra, deve haver
uma troca mais ampla de conhecimento e tecnologia,
com diretrizes políticas e ações
para promover a sustentabilidade e o investimento
na pesquisa para preencher as lacunas de conhecimento.
Esses esforços podem levar a uma indústria
mais sustentável ecologicamente – um objetivo
importante, caso queiramos atender a necessidade
e a demanda mundial futura por pescado”.
Com a crescente demanda por proteínas
de origem animal, o estudo mostra também
que a aquicultura é um sistema de produção
alimentar altamente eficiente, e apresenta benefícios
ambientais claros ante outras formas de produção
alimentar animal.
• Os produtos da aquicultura contribuem
menos para as emissões globais de nitrogênio
e fósforo do que a carne suína e bovina,
o que reduz o impacto nas mudanças climáticas
por quilo de alimento produzido.
• O pescado, em comparação
à carne suína ou bovina, converte
um percentual maior dos alimentos ingeridos em proteína
consumível, o que resulta em menos desperdício.
Olhando para o futuro das culturas
de pescado, o relatório “Fronteiras Azuis”
projeta que a produção global de aquicultura
continuará a crescer nas taxas atuais, com
estimativas conservadoras de 65-85 milhões
de toneladas produzidas em 2020, e 79-110 milhões
de toneladas em 2030. Para uma análise comparativa:
em 2008 foram produzidos 69 milhões de toneladas
de frutos do mar cultivados.
“A China, a Índia e o restante
da Ásia, que apresentam incremento na classe
média, são os locais onde se espera
um incremento mais significativo na demanda por
pescado”, explica o co-autor Mike Phillips, cientista
sênior do WorldFish. “As tendências
atuais indicam que a maior parte do aumento da produção
global virá do sul e do sudeste da Ásia,
com um avanço contínuo dos maiores
países produtores, como a China e o Vietnã,
em direção à exportação
para os mercados europeu e norte-americano".
De que forma esse aumento na produção
poderá ser obtido de maneira ambientalmente
sustentável é uma questão crucial,
alerta o Dr. Sebastian Troëng, vice-presidente
de conservação marinha da CI. “Há
inúmeras preocupações bem fundamentadas
sobre a aquicultura em relação aos
seus impactos nos ecossistemas marinhos e na pesca
extrativa. Entretanto, com o pescado disponível
na natureza atingindo níveis alarmantes e
sem precedentes de esgotamento, a produção
cultivada precisa ser considerada como uma alternativa.
Acreditamos que o investimento intensificado em
inovação e o compartilhamento das
melhores práticas nos ajudarão a atingir
a demanda crescente, sem necessariamente impor uma
pressão - inaceitável - nos ambientes
costeiros e de água doce”.
O diretor executivo da CI para
a Indonésia, Ketut Putra, que está
participando de palestras em Bangkok, acrescenta:
“Com os governos da região esperando que
a aquicultura atenda à demanda por proteína
animal, precisamos compreender melhor os custos
ambientais da expansão dessa indústria.
Esse relatório será extremamente útil
para nos mostrar quais espécies e sistemas
de produção devem ser favorecidos
para garantir que os custos ambientais sejam mínimos”.
O relatório oferece, em
um documento associado, várias recomendações
para os formuladores de políticas públicas,
as organizações de desenvolvimento,
entidades ambientais e para os profissionais da
indústria de aquicultura. Dentre elas, destacam-se:
apoiar a inovação no setor de aquicultura;
garantir um marco regulatório adequado que
apóie os aspectos ambientais no desenvolvimento
da aquicultura; desenvolver a capacidade necessária
nas instâncias gestoras nacionais; e monitorar
cuidadosamente o setor de forma que o apoio e o
investimento sejam apropriados às oportunidades
de mercado. As recomendações são
críticas e se aplicam globalmente, mas as
distintas realidades regionais imprimem graus diferentes
em sua importância relativa.
Aquicultura no Brasil – Segundo
informações do Ministério da
Pesca e Aquicultura, o país produziu, em
2009, cerca de 415 mil toneladas de pescado por
meio da aquicultura, sendo a maior parte peixes
de água doce. Assim como em outros países,
essa atividade tem crescido rapidamente no Brasil,
muitas vezes de forma não planejada e com
grandes impactos ambientais.
Segundo Guilherme Dutra, diretor
do Programa Marinho da CI-Brasil, o mais emblemático
desses exemplos de crescimento não sustentável
é o da carcinicultura marinha (criação
de camarões em cativeiro). Partindo de uma
produção de menos de 1.000 toneladas
por ano em 1996, o país chegou a produzir
90.000 toneladas em 2003, caindo para a casa de
60 mil toneladas nos anos subseqüentes. O rápido
crescimento da atividade se deu à custa da
ocupação e do comprometimento de áreas
de manguezais e apicuns, ambientes fundamentais
para a vida marinha, afetando a pesca artesanal
nas regiões próximas. A exemplo de
outros países como o Equador, a produção
concentrada e em larga escala propiciou a proliferação
de doenças que se espalharam rapidamente
entre as fazendas de cultivo. As doenças,
aliadas à desvalorização do
dólar frente ao real, tornaram a queda da
produção inevitável.
Como mostra o estudo apresentado,
a aquicultura pode ser uma importante alternativa
para produção mundial de alimentos,
mas precisa ainda de grandes investimentos em pesquisa
e inovação para ultrapassar o paradigma
da falta de sustentabilidade em que se desenvolveu.
A produção em larga escala de pescado
sustentável, seja por meio da pesca ou da
aquicultura, é um dos grandes desafios deste
século.
Para contatos de imprensa, contatar:
Conservação Internacional
O WorldFish Center é uma
organização internacional, não
governamental e sem fins lucrativos dedicada à
redução da pobreza e da fome a partir
do aprimoramento da pesca e da aquicultura. Trabalhando
em parceria com uma ampla gama de agências
e instituições de pesquisa, o WorldFish
efetua pesquisa em desenvolvimento para tornar a
pesca em pequena escala mais resiliente e produtiva
e para apoiar a adoção de aquiculturas
sustentáveis que beneficiem as camadas sociais
mais desfavorecidas. (www.worldfishcenter.org )
A Conservação Internacional
(CI) é uma organização não
governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1987
com o objetivo de promover o bem-estar humano fortalecendo
a sociedade no cuidado responsável e sustentável
para com a natureza – nossa biodiversidade global
-, amparada em uma base sólida de ciência,
parcerias e experiências de campo. Como uma
organização não governamental
(ONG) global, a CI atua em mais de 40 países,
distribuídos por quatro continentes. Em 1988,
iniciou seus primeiros projetos no Brasil e, em
11000, se estabeleceu como uma ONG nacional. Possui
escritórios em Belo Horizonte-MG, Belém-PA,
Brasília-DF e Rio de Janeiro-RJ, além
de unidades avançadas em Campo Grande-MS
e Caravelas-BA.