O texto do Código Florestal
aprovado na Câmara irá mesmo causar
mais desmatamentos e anistiar quem descumpriu a
lei, comprometendo nossos recursos naturais e favorecendo
principalmente os grandes proprietários de
terra.
O Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) é uma fundação
pública federal vinculada à Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República. O estudo teve como objetivo
avaliar os possíveis impactos do PL 1.876/99-C
sobre as áreas de Reserva Legal (RL) no Brasil.
“Há tempos denunciamos
que os ruralistas fizeram um texto para anistiar
o crime ambiental e estimular o desmatamento. O
estudo divulgado pelo IPEA confirma e põe
números ao que vínhamos dizendo”,
afirma Marcio Astrini, coordenador da campanha da
Amazônia.
Veja abaixo alguns números apresentados pelo
Estudo e suas consequências caso o texto aprovado
entre em vigor:
Aumento do Desmatamento em 47
milhões de hectares.
O estudo considerou a hipótese
de que a mudança da lei poderá influenciar
desmatamentos futuros nas áreas isentas de
reserva legal, levando a uma perda total da vegetação
dessas áreas que deixarão de ser averbadas
e ter assim proteção legal. A perda
total de área de reserva legal, relativa
aos imóveis de até quatro módulos
fiscais, poderá chegar a 47 milhões
de hectares. A maior parte dessa área ocorrerá
na Amazônia com 24,6 milhões de há
(53%).
Anistia = 29,6 milhões
de hectares
135,7 milhões de hectares,
correspondente à área dos imóveis
de até quatro módulos fiscais, deixarão
de compor a base de cálculo para recuperação
de RL. O passivo total estimado isento de ser recuperado
é de 29,6 milhões de hectares, sendo
que a maior parte deste passivo ocorreu na Amazônia
e é de 18 milhões de ha (61%).
Premiando quem desmatou
¨... anistiar os passivos
e obrigar, sem nenhum benefício compensatório,
a manutenção das RLs daqueles que
cumpriram a lei vigente, sinalizaria que há
a possibilidade de se beneficiar, no futuro, do
descumprimento da legislação fundiária
ou ambiental.
(...)
"A alteração
do PL 1.876/99 apresenta outra implicação
relevante: a anistia de recomposição
das áreas de reserva legal pune o proprietário
rural que está cumprindo a legislação
atual, uma vez que haverá uma tendência
de desvalorização do seu imóvel"
PL dos Ruralistas – De braços
dados com o aquecimento global.
A pesquisa estimou que a quantidade
de carbono que pode deixar de ser retida, caso os
passivos de reserva legal hoje existentes nos imóveis
de até quatro módulos fiscais sejam
anistiados, é de 3.1 bi de tC. O bioma Amazônico
seria onde a maior parte do carbono deixaria de
ser incorporado à vegetação.
O documento ainda aponta que:
¨Os resultados obtidos neste estudo indicam
que a alteração proposta no PL 1876/99
para as áreas de RL impactarão significativamente
sobre a área com vegetação
natural existente nos biomas brasileiros e sobre
os compromissos assumidos pelo Brasil para redução
de emissões de carbono.¨
O texto dos ruralistas não
interessa á agricultura familiar
O estudo ainda questiona a serventia
do texto aprovado á agricultura familiar.
Segundo o texto, a lógica de permitir mais
desmatamentos para a implementação
da agropecuária convencional e de baixo valor
por área não seria a melhor solução
econômica para pequenos imóveis. Ao
contrário, aponta que o uso econômico
da floresta seria muito mais rentável á
este tipo de agricultor:
"Ao prever a possibilidade
de uso econômico das reservas legais, o Código
Florestal
reconhece a potencialidade dessas
áreas para o desenvolvimento econômico
sustentável. Em primeiro lugar, são
atividades ambientalmente adequadas, uma vez que
necessitam que a vegetação seja preservada,
o que permite seu uso permanente. Em segundo, sistemas
sustentáveis de exploração
da floresta são intensivos em mão-de-obra,
consistindo, portanto, num potencial gerador de
empregos e de desenvolvimento da agricultura familiar.
Em terceiro, fornecem mais segurança econômica
ao produtor, em virtude da diversificação
e da menor incidência de pragas, comuns na
monocultura. Em quarto, podem ser altamente rentáveis,
podendo apresentar rendimentos por área mais
elevados do que a agropecuária convencional
para o pequeno produtor.
Os estabelecimentos agropecuários,
sobretudo a pequena propriedade familiar, deveriam
ser estimulados a conservar e recuperar suas reservas
legais de forma a auferir rendimentos mediante o
uso sustentável da floresta. Esse incentivo
poderia vir por meio de políticas de estímulo
ao uso sustentável da reserva legal."
UNB
Nesta segunda feira, pesquisadores
do Centro de Desenvolvimento Sustentável
da UnB apresentaram projeções sobre
o aumento do desmatamento para o ano 2020 também
levando em consideração o texto dos
ruralistas aprovado na Câmara. Resultado:
do jeito que está, o texto poderá
provocar um desmatamento 47% maior que o previsto
para 2020. Já se a legislação
atual fosse mantida e o Estado aumentasse a fiscalização,
o desmatamento seria 25% menor que o projetado para
os próximos 10 anos.
Desde o início dos debates
sobre o Código Florestal, a bancada da motosserra
sempre lutou para manter cientistas e estudiosos
fora deste debate. Agora sabemos o porquê:
eles colocam no papel a verdade sobre as reais intenções
dos ruralistas , completa Marcio Astrini.
+ Mais
Pesos-pesados pela floresta
Um grupo de organizações
representativas da sociedade lançaram ontem,
em Brasília, o Comitê Brasil, para
buscar a ampliação do debate sobre
a reforma do Código Florestal no Senado.
Composto por órgãos
como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) e Central Única
dos Trabalhadores (CUT), além de ONGs ambientalistas
como o Greenpeace, ele parte do princípio
que a defesa das florestas é essencial para
que o Brasil possa ser um modelo de desenvolvimento
sustentável para o mundo.
Um manifesto divulgado no lançamento
dos trabalhos, em evento na sede da OAB em Brasília
com a presença de políticos e de personalidades,
como Marina Silva e a atriz Cristiane Torloni, foi
o ponto de partida e deu o tom do comitê:
o projeto de lei aprovado na Câmara, que agora
será analisado no Senado, do jeito que está
é ruim para os brasileiros e vai contra o
que determina a Constituição. Um ambiente
saudável é direito de todos, e é
dever compartilhado entre cidadãos e poder
público mantê-lo.
As consequências de deixar
o Código Florestal ser aprovado do jeito
que os deputados deixaram equivalem a colocar uma
espada sobre as cabeças de todos nós:
mais 47 milhões de hectares podem ser desmatados,
além dos 29,6 milhões de hectares
já destruídos que seriam anistiados,
segundo estudo divulgado hoje pelo Ipea.
Leia abaixo a íntegra do
manifesto:
Manifesto do Comitê Brasil
em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável
do Brasil
Por que tanta polêmica em
torno da manutenção do que resta das
nossas florestas? Será possível que
ambientalistas, cientistas, religiosos, empresários,
representantes de comunidades, movimentos sociais
e tantos cidadãos e cidadãs manifestem
sua indignação diante do texto do
Código Florestal, aprovado pela Câmara
dos Deputados, apenas por um suposto radicalismo
ou desejo de conflito sem cabimento? Será
justo afirmar que os defensores das florestas não
levam em conta as pessoas e suas necessidades de
produzir e consumir alimentos? Do que se trata,
afinal? O que importa para todos os brasileiros?
Importa, em primeiro lugar, esclarecer
a grande confusão sob a qual se criam tantas
desinformações: não está
se fazendo a defesa pura e simples das florestas.
Elas são parte dos sonhos de um país
com mais saúde, menos injustiça, no
qual a qualidade de vida de todos seja um critério
levado em conta. Um Brasil no qual os mais pobres
não sejam relegados a lugares destruídos,
perigosos e insalubres. No qual a natureza seja
respeitada para que continue sendo a nossa principal
fonte de vida e não a mensageira de nossas
doenças e de catástrofes.
A Constituição Brasileira
afirma com enorme clareza esses ideais, no seu artigo
225, quando estabelece que o meio ambiente saudável
e equilibrado é um direito da coletividade
e todos – Poder Público e sociedade – têm
o dever de defendê-lo para seu próprio
usufruto e para as futuras gerações.
Esse é o princípio
fundamental sob ataque agora no Congresso Nacional,
com a aprovação do projeto de lei
que altera o Código Florestal. 23 anos após
a vigência de nossa Constituição
quer-se abrir mão de suas conquistas e provocar
enorme retrocesso.
Há décadas se fala
que o destino do Brasil é ser potência
mundial. E muitos ainda não perceberam que
o grande trunfo do Brasil para chegar a ser potência
é a sua condição ambiental
diferenciada, nesses tempos em que o aquecimento
global leva a previsões sombrias e em que
o acesso à água transforma-se numa
necessidade mais estratégica do que a posse
de petróleo. Água depende de florestas.
Temos o direito de destruí-las ainda mais?
A qualidade do solo, para produzir alimentos, depende
das florestas. Elas também são fundamentais
para o equilíbrio climático, objetivo
de todas as nações do planeta. Sua
retirada irresponsável está ainda
no centro das causas de desastres ocorridos em áreas
de risco, que tantas mortes têm causado, no
Brasil e no mundo.
Tudo o que aqui foi dito pode
ser resumido numa frase: vamos usar, sim, nossos
recursos naturais, mas de maneira sustentável.
Ou seja, com o conhecimento, os cuidados e as técnicas
que evitam sua destruição pura e simples.
É mais do que hora de o
País atualizar sua visão de desenvolvimento
para incorporar essa atitude e essa visão
sustentável em todas as suas dimensões.
Tal como a Constituição reconhece
a manutenção das florestas como parte
do projeto nacional de desenvolvimento, cabe ao
poder público e nós, cidadãos
brasileiros, garantir que isso aconteça.
Devemos aproveitar a discussão
do Código Florestal para avançar na
construção do desenvolvimento sustentável.
Para isso, é de extrema importância
que o Senado e o governo federal ouçam a
sociedade brasileira e jamais esqueçam que
seus mandatos contêm, na origem, compromisso
democrático inalienável de respeitar
e dialogar com a sociedade para construir nossos
caminhos.
O Comitê Brasil em Defesa
das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável,
criado pelas instituições abaixo assinadas,
convoca a sociedade brasileira a se unir a esse
desafio, contribuindo para a promoção
do debate e a apresentação de propostas,
de modo que o Senado tenha a seu alcance elementos
para aprovar uma lei à altura do Brasil.