08 Julho 2011 - Por Aldem Bourscheit
- Hoje um dos maiores pólos do agronegócio
no Centro-Oeste, com cerca de 1,5 mil pivôs
centrais para irrigação de monoculturas,
o município goiano de Cristalina também
abriga uma dezena de assentamentos onde agricultores
familiares vindos de vários pontos do país
fazem crescer hortaliças e grãos que
chegam a grandes centros consumidores.
À frente do sindicato local
de produtores rurais, William Souto é um
dos agricultores que dividem o assentamento Poço
Grande, onde lotes com até vinte hectares
produzem quase 15 mil toneladas anuais de milho,
feijão, mandioca, sorgo, arroz, soja, mel,
leite, abóbora, hortaliças e temperos.
Os alimentos alcançam feiras
e supermercados no Distrito Federal, Rio de Janeiro,
Espírito Santo e Paraná. Parte da
produção é orgânica e
abastece escolas, creches e asilos regionais.
O assentamento mantém a vegetação
em sua reserva legal e nas margens do belo rio São
Marcos, que naquele trecho forma um poço
com quase 40 metros de profundidade. Tudo dentro
da lei e sem nenhum prejuízo à agricultura.
“As áreas verdes são
uma necessidade, não prejudicam a produção,
oferecem sombra, lazer, descanso e melhoram o clima.
Todas as 800 famílias ligadas ao sindicato
mantêm as matas, não têm problemas
de convivência entre produção
e conservação”, ressaltou Souto.
Todavia, em breve parte das matas do assentamento
será derrubada e replantada, devido ao alagamento
provocado pela barragem da hidrelétrica de
Batalha (Furnas), cem quilômetros ao sul.
Poço Grande é conhecido pela riqueza
em peixes como surubim, barbado, dourado e pintado.
“Haverá impactos e teremos
o trabalho de replantar o que for degradado. Mas
também temos a oportunidade de vender alimentos
diretamente para hotéis e outros empreendimentos
que devem se instalar com o enchimento do lago”,
comentou Souto.
Lagoa recuperada – Com as margens desmatadas para
produção de carvão e alvo de
uma drenagem para produção de soja
e arroz, a lagoa do assentamento Vitória,
também em Cristalina, definhava a olhos vistos.
O panorama de degradação começou
a mudar há cinco anos, quando os agricultores
estancaram a saída de água e passaram
a replantar árvores frutíferas e nativas
do Cerrado nas suas margens.
“Até 2009, a lagoa sumia
a cada seca. Desde então, temos conseguido
manter a água o ano todo. Nossa intenção
é de que ela volte a ser navegável,
que volte a ter peixes”, contou o produtor familiar
Levi Cerqueira.
O assentamento também vai recuperar veredas
erodidas e desmatadas pelo agronegócio predatório
que ocupava parte de seus 1,4 mil hectares, divididos
entre 48 famílias. “Sem isso, córregos
ficarão assoreados, prejudicando o abastecimento
de água”, reforçou Cerqueira.
Assim como em outros assentamentos
de Cristalina, as mudas para recuperação
de áreas degradadas são produzidas
em viveiros apoiados pela Rede Terra, há
12 anos difundindo a agroecologia e o respeito à
lei entre produtores familiares e apoiando a comercialização
de seus produtos.
Padrão europeu – Economista e agrônomo,
o paulista Rubens Valentini chegou à região
do Programa de Assentamento Dirigido do Distrito
Federal (PAD/DF) nos anos 1970, onde experimentou
a produção de limão irrigado,
de cabras e de peixes. Todavia, o sucesso comercial
veio na carona da criação de suínos,
atividade já com 25 anos.
Usando uma espécie dinamarquesa
adaptada ao Cerrado, ele mantém mais de 3,7
mil matrizes responsáveis por quase duzentos
nascimentos semanais na Granja Miunça. Na
idade correta, os animais vivos são todos
vendidos a abatedouros no Distrito Federal. Quase
cem funcionários tocam a atividade, que inclui
uma fábrica própria de ração.
A ampliação em curso da fazenda atende
a critérios europeus para uma criação
mais amigável dos animais, toda a alimentação
é controlada por computadores e os efluentes
são direcionados a grandes tanques onde são
dissolvidos e despoluídos.
Até o fim do ano, até
2 mil metros cúbicos diários de gás
metano produzido pela decomposição
do material serão captados e totalmente usados
na geração de energia e aquecimento
dos berçários.
As matas na reserva legal e nas
áreas de preservação permanente
estão cercadas para afastar as cerca de 400
cabeças de gado para corte, abrigando um
Cerrado vigoroso e nascentes. “Hoje, para produzir
não se precisa mais depredar. Nunca tive
qualquer prejuízo mantendo essas áreas,
já com 30 anos de preservação”,
ressaltou.
Força nacional - Com três fazendas
próprias e outras unidades arrendadas, a
Agrícola Wehrmann é hoje uma das maiores
produtoras brasileiras de batata, cenoura, cebola,
alho e hortaliças irrigadas certificadas,
além de sementes de soja e de milho.
A comercialização
atende majoritariamente grandes redes de supermercados
no país, enquanto parte chega ao Uruguai,
Itália e Espanha. Há cerca de 1,2
mil empregados, enquanto mais de duas mil pessoas
trabalham a cada colheita. A área produtiva
está em expansão e os processos são
revisados para se reduzirem as perdas e o desperdício.
Além de preservar a vegetação
nas margens de rios e córregos e na reserva
legal das propriedades, a empresa mantém
desde o ano 2000 um viveiro de mudas nativas do
Cerrado, com espécies como cagaita, jatobá
e angico. Já foram plantadas por volta de
setecentas mil mudas em áreas degradadas,
antigas pastagens e entorno de nascentes. Também
são feitas doações a escolas.
Tudo recebe adubo produzido no
local. “Também estamos buscando tecnologia
para reduzir o consumo de água na irrigação
e sempre associando as melhores variedades ao clima
e solo regionais”, comentou Mariana Meloni, responsável
pelo Controle de Qualidade e Certificação.
Paisagens sustentáveis – Conforme o coordenador
do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil, Michael
Becker, respeitar a legislação é
possível e necessário para a produção
no campo, pois a vegetação nativa
oferece serviços essenciais como polinização,
proteção da água e controle
do clima.
Todavia, a ampla possibilidade
de desmatamento legal oferecida pela legislação
que controla o uso da terra no Cerrado precisa ser
reforçada com a conexão dos fragmentos
que dominam o bioma. “Governos, produtores e entidades
civis precisam atuar conjuntamente para que esses
fragmentos florestais sejam interligados, formando
paisagens sustentáveis e gerando benefícios
ao país”, ressaltou.
De acordo com o produtor Rubens Valentini, da Granja
Miunça, as tecnologias hoje disponíveis
para a agropecuária precisam ser difundidas
com base em capacitação e acompanhamento
técnicos. “O produtor rural de hoje precisa
ter muitas competências”, lembrou.
“Também são necessários
estímulos econômicos e tecnológicos
que levem a uma mudança de cultura nacional
(evitando ainda mais degradação)”,
completou. Alguns caminhos para a reforma de um
código florestal realmente brasileiro.