19 Agosto 2011 - A propriedade
das terras indígenas nos nove países
da Bacia Amazônica e a divisão justa
e igualitária dos recursos existentes
nelas foram um dos temas discutidos em profundidade
no terceiro dia do Grande Encontro Panamazônico,
que ocorre desde o início desta semana em
Manaus (AM), no Brasil. Por meio de um grupo de
trabalho específico, várias organizações
indígenas, ambientalistas e sociais debateram
sobre como os povos tradicionais panamazônicos
podem fazer valer seus direitos sobre as terras
onde vivem há séculos.
O assessor técnico da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Bacia Amazônica, (Coica), Valentim Muiba,
explicou porque é importante defender os
territórios indígenas. “Para nós,
as terras são nossas casas, mercados e farmácias.
É ali que nascemos, crescemos, conseguimos
nosso almoço e extraímos nossos remédios.
Sem seus territórios, os povos indígenas
não vivem. Há uma identificação
cultural muito forte entre o indígena e o
lugar onde ele nasceu”, afirmou.
Valentim moderou as exposições
do grupo de trabalho e citou problemas em curso
hoje na Bolívia e no Peru, onde os territórios
indígenas são ameaçados por
grandes empreendimentos. De modo geral, as populações
indígenas da Panamazônia ainda enfrentam
dificuldades no reconhecimento formal de seus territórios.
Já os territórios existentes e oficializados
dispõem de pouca estrutura de proteção
e defesa, virando alvo fácil para grandes
projetos minerais, de infraestrutura e para a ocorrência
de crimes ambientais. Casos como a Usina de Belo
Monte, no Brasil; da estrada Vila Tanuria-Santo
Ignacio de Moxos, na Bolívia; e do derramamento
de óleo em áreas indígenas
peruanas são exemplos concretos deste problema.
Contribuição a fazer
A Coica, assim como a Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), é a
entidade organizadora da iniciativa inédita
de promover o encontro de cerca de 110 lideranças
indígenas dos nove países panamazônicos.
Desde segunda-feira, 15 de agosto, por meio de painéis
e grupos de trabalhos, são debatidos temas
como mudanças climáticas, “REDD+”,
mercado de carbono e saberes ancestrais.
Representando a Associação das Pessoas
Ameríndidas da Guiana (APA, no original em
inglês), Laurence Anselmo afirmou que em seu
país existe uma indefinição
que angustia os povos indígenas de seu país.
“Cerca de 13,9% de nosso território é
formado por áreas indígenas, mas o
governo não reconhece isso. Embora estejamos
vivendo nessas áreas há séculos,
ainda não há uma definição
jurídica sobre quem são os proprietários
dessas terras e quem são os beneficiários
de seus recursos. Queremos tomar parte neste debate.
Temos uma contribuição a fazer e não
abriremos mão dela", afirmou a liderança.
A Rede WWF esteve presente neste grupo de trabalho.
O líder da Iniciativa Amazônia Viva,
Cláudio Maretti, realizou uma explanação
para os participantes. Ele apresentou a Iniciativa
e compartilhou com os grupos propostas para consolidar
o tema "territórios", em termos
de suas funções de conservação
da natureza, sob uma perspectiva panamazônica
e em aliança com organizações
ambientalistas.
"As organizações
indígenas precisam buscar parcerias. Este
trabalho já existe, mas é preciso
ir além do que está sendo feito. As
organizações precisam ainda contribuir
com as grandes questões ambientais como mudanças
climáticas, água e biodiversidade",
afirmou o especialista.
Claudio Maretti aconselhou também
os grupos indígenas a também se fazer
presente e ter voz em grandes encontros internacionais,
demonstrando suas contribuições a
prioridades regionais globais, além de reivindicar
seus direitos. Ele sugeriu que as organizações
indígenas mostrem pró-atividade e
levem estudos e propostas, inclusive à Rio+
20, a ocorrer em junho do ano que vem no Brasil,
e ao Congresso Mundial de Conservação,
que vai acontecer em 2012 na Coréia do Sul.
Ainda segundo Maretti, a Iniciativa
Amazônia Viva da Rede WWF gostaria de buscar
as condições para apoiar estudos sobre
o papel de conservação das terras
indígenas e suas contribuições
aos objetivos e metas das convenções
mundiais.
"Território Indígena
de Conservação"
Gonzalo Oviedo, da União Internacional para
a Conservação da Natureza (UICN),
afirmou que é preciso harmonizar as necessidades
das áreas indígenas de toda a bacia
amazônica. "Precisamos converter essas
ações em atividades com um caráter
mais amazônico e menos focado nas questões
específicas de cada país", disse.
Gonzalo lembrou também
da necessidade de se "compreender melhor"
a proteção de indígenas isolados.
"é um fenômeno que ocorre muito,
mas está pouco documentado", declarou.
Ele também defendeu a ideia
de que os indígenas sejam mais proativos
na elaboração de projetos de seu interesse.
"Os próprios indígenas deveriam
criar protocolos e medidas especiais para servir
como referência neste assunto", explicou.
Ainda neste grupo de trabalho, foi referendada a
possibilidade de uso do conceito de "território
indígena de conservação".
Segundo Cláudio Maretti, esta é uma
nova concepção de governança
de áreas protegidas demandada por grupos
indígenas, que surgiu em 2007, no Congresso
Latinoamericano de Áreas Protegidas, em Bariloche
(ARG), e formalizada no Congresso Mundial de Conservação,
em Barcelona (ESP), 2008.
Esta concepção considera
integrados, num todo, os conceitos de gestão
de recursos naturais e da natureza e a cosmovisão
e reprodução sócio-cultural
e econômica dos povos indígenas - e
não trata desses tópicos em conjuntos
separados, como existe nos modelos de governança
aceitos hoje pelos sistemas de áreas protegidas
dos países.
Segundo Maretti, as diretrizes de proteção
da natureza, que orientam os programas nacionais
e os acordos internacionais, não devem só
se basear na identificação de prioridades
com base na ciência oficial, mas devem também
incorporar os interesses de conservação
diferenciados de grupos específicos, como
as comunidades locais e os povos indígenas.
Seguindo a programação
O terceiro dia do Grande Encontro Panamazônico
foi dedicado aos grupos de trabalho. Além
da questão do território ("Territórios
Indígenas, Perspectivas de Vida e Áreas
Protegidas") outros três grupos discutiram
grandes temas que impactam, atualmente, a existência
dos povos indígenas nos nove países
da Bacia Amazônica.
Os outros grupos temáticos
foram batizados de "Crise Climática,
Florestas e REDD+ Indígena"; "Conhecimento
Ancestral, Pessoas e Vida Completa em Harmonia com
a Natureza"; e "Influência e Comunicação
em Direitos Indígenas". Houve também
um grupo extra, promovido pelo governo brasileiro,
para debater a experiência brasileira na definição
de salvaguardas aos indígenas, com relação
a mudanças climáticas e possibilidades
de "REDD+".
Esta quinta-feira, 18 de agosto,
marca o último dia do Grande Encontro Panamazônico.
Os grupos de trabalho vão expor suas discussões
e serão tomadas resoluções,
em nível panamazônico, sobre mudanças
climáticas, "REDD+", Amazônia
Indígena e Rio+20.