18 Agosto
2011
Por Bruno Taitson, de Brasília
Os debates sobre o Código Florestal começam
a se intensificar no Senado, e chamam atenção
para a necessidade de a sociedade brasileira aumentar
o grau de envolvimento com o tema. Nesta terça-feira
(16/08), os senadores debateram as propostas de
mudança com o deputado federal Aldo Rebelo
(PCdoB-SP), autor do texto aprovado na Câmara
em maio, a convite das comissões de Meio
Ambiente, Ciência e Tecnologia e Agricultura
e Reforma Agrária da casa.
Senadores questionaram uma série
de imperfeições no substitutivo, relatando
grande quantidade de manifestações
de eleitores contrários às mudanças.
Caso o texto seja aprovado pelo Senado da forma
como está, poderá aumentar desmatamentos,
inviabilizar o cumprimento de metas brasileiras
de redução de emissões de CO2,
causar novas tragédias advindas de deslizamentos
e inundações, bem como inviabilizar
a atividade agrícola em algumas regiões
em médio e longo prazo.
De acordo com o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF),
a emenda 164, contida no texto apresentado por Aldo,
ao definir que atividades em áreas de preservação
permanente (APPs) poderão ser autorizadas
pelos estados, poderá ocasionar uma verdadeira
“guerra ambiental” entre as unidades da federação.
“Corremos o riso de os estados fazerem algo similar
a uma guerra fiscal, oferecendo vantagens na ocupação
das APPs para atrair grandes produtores”, avaliou.
Ainda de acordo com Rollemberg, o texto aprovado
na Câmara não cumprirá seu papel
por não apresentar punições
a muitas das infrações descritas.
“Sem as penas estipuladas, os artigos não
terão efetividade”, alertou.
Em relação a fotos,
vídeos e depoimentos de agricultores em dificuldades,
mostrados pelo deputado Aldo Rebelo, o senador Eduardo
Braga (PMDB-AM) manifestou que são reflexo
de políticas públicas equivocadas
para a Amazônia e da falta de incentivos para
a conservação, e não um problema
de legislação ambiental, como quis
dar a entender o deputado do PCdoB.
Eduardo Braga defendeu incentivos públicos
para que o produtor possa conservar de maneira adequada
as áreas de reserva legal, bem como as políticas
de pagamento por serviços ambientais. Ele
também demonstrou preocupação
com a flexibilização de critérios
para definir APPs de várzea, introduzida
no novo texto, reflexo da falta de embasamento científico
da proposta. “Ciência & Tecnologia não
podem estar à parte nas discussões
do Código”, criticou.
O senador Jorge Viana (PT-AC)
lamentou que, na apresentação de Aldo
Rebelo, todas as mazelas do produtor rural e da
agricultura brasileira tenham sido atribuídas
à floresta e ao Código Florestal.
“Os problemas passam por políticas públicas
que desconsideraram a realidade da Amazônia,
adotadas desde os anos 70”, afirmou, em referência
ao modelo de desenvolvimento aplicado na região.
Jorge Viana questionou também
as frequentes críticas do deputado do PCdoB
às organizações não-governamentais,
destacando que a sociedade civil organizada vem
tendo importante participação nas
discussões de políticas para a região
amazônica. Ele aproveitou para criticar a
argumentação sistematicamente utilizada
pelos ruralistas, de que nos países desenvolvidos
não existiria APP e nem reserva legal. “Se
seguirmos a cartilha dos Estados Unidos e da Europa,
vamos pagar caro. Vamos ficar reféns das
grandes corporações, produtoras de
sementes, adubos e defensivos”, concluiu.
Ricardo Ferraço, senador pelo Espírito
Santo (PMDB), destacou que vem recebendo constantes
manifestações de eleitores questionando
diversos pontos do texto aprovado pela Câmara,
e solicitando que o Senado modifique as imperfeições.
Ele mencionou e-mails criticando o fato de manguezais
e veredas, apesar de sua inquestionável importância
ambiental, com as mudanças propostas pelos
representantes do agronegócio, deixariam
de ser consideradas áreas de preservação
permanente (APPs), bem como a anistia a quem descumpriu
a legislação.
Antes de ser votado em plenário,
o texto que propõe mudanças ao Código
Florestal passa por apreciação nas
comissões de Constituição e
Justiça, Meio Ambiente e Agricultura e Reforma
Agrária. Ainda não há data
prevista para a votação.
+ Mais
Organizações indígenas
da Bacia Amazônica discutem meio ambiente
e saberes ancestrais
17 Agosto 2011
Mudanças climáticas, áreas
protegidas e “economia verde”, inclusive o potencial
mercado de carbono e seus riscos, são alguns
dos temas que estão sendo tratados no “Grande
Encontro Panamazônico – Saberes ancestrais,
povos e vida plena em harmonia com as florestas”.
O evento, um fórum interinstitucional de
lideranças indígenas de vários
países, ocorre em Manaus (AM) de15 a 17 de
agosto e vai discutir assuntos que afetam os povos
indígenas de toda a região amazônica.
Participam do evento cerca de
110 lideranças, além de representantes
de organizações ambientalistas, de
órgãos governamentais que trabalham
na Amazônia e representantes da cooperação
internacional. As entidades responsáveis
pelo Grande Encontro são a Coordenação
das Organizações Indígenas
da Bacia Amazônica (Coica, no original em
espanhol), que coordena a atuação
pan-amazônica integrada, e a Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), que recebe
o encontro. As duas instituições buscam
debater, com os grupos indígenas de cada
país amazônico, assuntos como “REDD+”,
a chamada “Economia Verde” e a iminência da
Rio+20.
O titular da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Bacia Amazônica (Coica), Edwin Vásquez,
afirmou na abertura do encontro que a discussão
sobre os temas será feita sem fugir das cosmovisões
indígenas e sem “importar” conceitos de outros
povos. “Não há discussão possível
sobre “REDD+” sem reconhecimento dos direitos coletivos
e dos territórios dos indígenas”,
falou. O rondoniense Almir Suruí, que em
2008 ganhou um prêmio da Sociedade Internacional
dos Direitos Humanos pela defesa intransigente de
seu povo, defendeu os processos sob liderança
dos indígenas, como é o caso de sua
experiência.
O assessor técnico da Coica,
Roberto Espinoza, afirmou que a princípio
não interessa aos indígenas discutir
carbono ou “REDD+, mas sim discutir os planos de
vida dessas populações. Se nestes
estiver a perspectiva de Redd, então deve-se
buscar essa alternativa, afirmou.
Os objetivos do encontro são atualizar as
posições pan-amazônicas indígenas
frente às evoluções da realidade
e se preparar para os eventos internacionais. Entre
este ano e o próximo ocorrerão a CoP-17
da Convenção das Mudanças Climáticas,
Durban 2011, na África do Sul; a Rio+20,
em 2012, a CoP-11 da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), Hyderabad 2012,
n Índia; e o Congresso Mundial de Conservação,
da UICN, Jeju 2012, na Coréia do Sul.
A programação do
encontro inclui painéis, grupos de trabalho,
manifestações culturais e também
uma manifestação dos povos panamazônicos
contra a Usina de Belo Monte. Participam do evento
lideranças indígenas do Brasil, Peru,
Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela,
Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Ao final do
encontro, será divulgada uma carta de princípios
que trará o posicionamento dos povos indígenas
da Bacia Amazônica com sua visão sobre
alguns dos temas tratados ao longo da semana.
WWF no Grande Encontro
O líder da Iniciativa Amazônia Viva
da Rede WWF, Cláudio Maretti, explicou que
o encontro é muito importante para quem luta
pela conservação ambiental, em particular
no caso da Amazônia. “Os povos indígenas
são atores de destaque quando se fala em
conservação da Amazônia e da
biodiversidade desta região. Eles têm
direito aos recursos da terra, e têm uma visão
culturalmente diferenciada e um papel fundamental
no destino do Amazônia”, afirmou o especialista.
Maretti comentou que, além
do respeito aos seus direitos coletivos e interesse
em aliança com eles pelo futuro da Amazônia,
a Rede WWF tem possibilidade de colaboração
em alguns temas específicos, como: discutir
e construir princípios de salvaguardas para
as populações indígenas quando
se fala da redução de emissões
por desmatamento e degradação dos
ecossistemas (Redd) e mudanças climáticas;
discutir e consolidar conceitos relacionados a terras
indígenas na discussão sobre áreas
naturais protegidas; e debater impactos de grandes
obras de infraestrutura e energia – como hidrelétricas
e estradas – que afetam os povos indígenas
da Amazônia.
A discussão de salvaguardas para as populações
indígenas diz respeito a uma série
de conceitos e medidas que devem ser estruturados
para garantir a integridade física, social,
cultural e territorial dos povos indígenas
em situações polêmicas ou controversas.
O coordenador da estratégia
de Valorização dos Ecossistemas da
Iniciativa Amazônia Viva, André Silva
Dias, identificou que, em muitos casos, as vantagens
dos mecanismos de comércio de carbono podem
se concentrar nos intermediários, nos governos
ou mesmo nas indústrias que os utilizam como
mecanismos de compensação; às
vezes trazendo até prejuízos a comunidades
locais, como conflitos sociais e perda de terras,
por exemplo. “O uso de salvaguardas sociais e da
biodiversidade pode diminuir tais riscos”, disse
o especialista.
Para o representante da União Internacional
para a Conservação da Natureza (UICN),
Gonzalo Oviedo, as áreas protegidas são
um dos instrumentos mais importantes para a conservação
da natureza. A não consulta aos povos indígenas
sobre sua criação, a falta de espaço
para participação deles na sua gestão
e conflitos com os direitos tradicionais indígenas
estão entre os problemas que estão
ocorrendo. Mas, segundo ele, a existência
ou potencial de áreas protegidas apresenta
também oportunidades interessantes aos próprios
indígenas, mas deve haver uma reforma das
regras legais para que os sistemas de áreas
protegidas reconheçam os direitos coletivos
dos indígenas.
As obras de infraestrutura que afetam ou prejudicam
os povos indígenas nos países da Pan-Amazônia
é outro assunto que será discutido
no encontro. A Iniciativa do WWF tem atenção
sobre o caso da estrada Vila Tunari–San Ignacio
Moxos, na Bolívia, uma rodovia de 306 quilômetros
que cortará o Território Indígena
e Parque Nacional Isiboro-Sécure (Tipnis).
A estrada está orçada em U$ 415 milhões,
sendo U$ 332 milhões financiados pelo Brasil
(por meio, sobretudo, do BNDES). A obra se encontra
em fase inicial de construção e já
recebeu a negativa de três etnias indígenas
bolivianas que terão suas terras afetadas
pela obra.
Igualmente, as hidroelétricas,
como as inúmeras previstas para a bacia hidrográfica
do Tapajós, no Brasil, tem a tendência
de afetar também as unidades de conservação
(áreas protegidas de natureza) e terras indígenas.
É fundamental que o planejamento estratégico
e de cada obra específica considere as melhores
alternativas, se integre em planos setoriais de
outras áreas (como no caso da conservação
da biodiversidade), minimize ao máximo os
impactos sociais e ambientais, inclusive com medidas
preventivas anteriores à obra, e empregue
medidas compensatórias adequadas.
Parceiros panamazônicos
Segundo Maretti, a Iniciativa Amazônia Viva
desenvolve trabalho em conjunto com a Coica, por
meio do WWF-Peru, há alguns anos. A Rede
WWF apóia o planejamento estratégico
da Coordenação das Organizações
Indígenas da Bacia Amazônica, auxiliando
a entidade a se organizar, focar esforços
e definir linhas de ação.
Liliana Lozano, do WWF-Peru, contou
que o projeto atual junto a Coica já tem
três anos e vai durar até o fim de
2012. “Além disso, também temos trabalhos
conjuntos que foram desenvolvidos dentro de uma
abordagem mais técnica. Por exemplo: ajudamos
a organização quando ela discutiu
Redd e decidiu definir seus princípios e
diretrizes para lidar com este tema”, contou a técnica.
Segundo Liliana, reforçar a parceria WWF-Coica
significa transformar as questões indígenas
em assunto de agenda das grandes organizações
globais. “A Coica dialoga com a Organização
das Nações Unidades (ONU) e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo.
Ao reforçarmos e ampliarmos essas parcerias,
nosso objetivo é fazer com que os problemas
indígenas sejam discutidos no mundo inteiro,
contribuindo com a busca de soluções
para a conservação da Amazônica
e a pela execução das metas globais
do WWF de redução do desmatamento”,
explicou.