17 Agosto 2011
Por Carlos Alberto de Mattos
Scaramuzza e Warner Bento Filho
A reforma do Código Florestal dá ao
Senado Federal uma excelente oportunidade: a de
ajudar o Brasil na construção de um
modelo de desenvolvimento sustentável, de
baixo carbono, baseado no manejo de nossas florestas
e de nossa biodiversidade. Nenhum outro país
no mundo tem o potencial que temos para desenvolver
uma economia verde a partir daquela que é
a nossa maior riqueza: nossos recursos naturais.
A quem interessa que continuemos a trocar nossas
florestas por uma agropecuária do passado,
marcada pela baixa produtividade e por grandes impactos
ambientais? Este é um modelo que, na verdade,
empobrece e resulta em prejuízos ao país.
Seja delapidando nossos recursos naturais, através
da erosão de solos férteis e da contaminação
das águas, seja pela perda de serviços
ambientais.
Mais que isso, é um modelo
que traz imensos prejuízos à saúde
da população. Pesquisa da Universidade
Federal de Mato Grosso realizada no município
de Lucas do Rio Verde, região que lidera
a produção de soja no país,
mostra que lá 100% do leite materno está
contaminado com pelo menos um tipo de agrotóxico.
Lucas do Rio Verde, que tem 22 mil habitantes, consumiu,
na safra 2009/2010, 5 milhões de litros de
veneno, o que dá cerca de 230 litros para
cada habitante.
O que o país ganha exportando
produtos que deixam, em troca, uma população
envenenada? Com certeza, isso não interessa
ao povo brasileiro. E tampouco interessa aos mercados
mundiais, que tendem a preferir, cada vez mais,
produtos obtidos de maneira sustentável.
Para garantir a manutenção
de nossos recursos naturais e de nossa biodiversidade,
o Senado precisa incluir no debate do Código
Florestal o pagamento por serviços ambientais,
que já é realidade para agricultores
em diversos programas desenvolvidos no país,
inclusive com o apoio do WWF-Brasil. As florestas
não devem ser um estorvo na propriedade,
mas um aliado da produção, ajudando
a manter a oferta e a qualidade da água,
provendo abrigo a polinizadores e possibilitando,
ainda, a extração de fibras, óleos,
frutas e outros produtos. As reservas legais não
são intocáveis. Elas podem e devem
ser manejadas de maneira a diversificar a renda
do produtor. E elas ainda podem ocupar as áreas
com baixo potencial agrícola, aquela parte
da propriedade que não se presta para a produção.
Cabe agora às lideranças
modernas da sociedade brasileira, à presidente
Dilma Roussef e ao governo federal convencerem os
parlamentares a fazerem as alterações
necessárias para termos uma reforma que aponte
para uma agricultura sustentável, com ganhos
para agricultores, consumidores e a sociedade em
geral.
O que precisa ficar claro é
que não é brigando com a natureza
e com as florestas que o país conseguirá
produzir, exportar alimentos e manter seu meio ambiente
equilibrado, como estabelece, aliás, a nossa
Constituição. A produção
agrícola depende diretamente da manutenção
das florestas, responsáveis pelo solo, pela
água e pelo clima de que precisamos para
plantar e colher.
+ Mais
Código Florestal ameaça
cumprimento de acordos internacionais no país
16 Agosto 2011
A aprovação das alterações
no Código Florestal comprometerá o
cumprimento de compromissos de redução
de desmatamento e de emissões de carbono
que o Brasil assumiu em conferências de Convenções
sobre Clima e Biodiversidade da ONU e ainda colocará
em risco papel de liderança que o país
alcançou nos últimos encontros internacionais.
Essa é opinião dos
palestrantes que participaram do debate no seminário
sobre o Código Florestal para jornalistas
organizado pelo WWF-Brasil, Greenpeace, SOS Mata
Atlântica e Fundação O Boticário,
com o apoio da Fundação Darcy Ribeiro,
nesta segunda-feira, dia 15, em Brasília.
Biodiversidade
Cláudio Maretti, líder da Iniciativa
Amazônia Viva da Rede WWF, apontou que as
alterações no Código Florestal
comprometem seriamente a implementação
do Plano Estratégico da Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB) para o
período de 2011 a 2020, principalmente no
que diz respeito às metas sobre desmatamento
e perda de habitats e sobre manutenção
dos serviços dos ecossistemas para adaptação
às mudanças climáticas.
“O Código Florestal como
está é uma legislação
de futuro. É o melhor quadro legal para nossa
adaptação às mudanças
climáticas por meio da conservação
dos ecossistemas”, afirmou Maretti.
Adeus ao papel de liderança
Cláudio Maretti ainda lembrou que o Brasil
teve um papel fundamental no alcance do resultado
positivo na 10ª Conferência das Partes
da CDB no ano passado no Japão, uma posição
que pode ser prejudicada com as mudanças
na legislação do país.
Segundo ele, o Brasil como país número
um em biodiversidade deu exemplos positivos de conservação
tanto na redução do desmatamento na
Amazônia como na criação de
áreas protegidas terrestres nos últimos
dez anos, e com isso ganhou legitimidade internacional
para liderar grupo de países em desenvolvimento
nas reuniões internacionais e levantar discussões
essenciais sobre repartição de benefícios
da biodiversidade e necessidade de financiamento
para conservação.
“Esse papel o Brasil passa a perder
se o novo Código Florestal for aprovado.
O país vai perder o poder político
de influência sobre outros países,
o que vai gerar um impacto principalmente nos países
vizinhos para quem o Brasil dava um bom exemplo”,
afirmou Maretti.
Impactos no Clima
Fernanda Carvalho, coordenadora da Iniciativa de
Mudanças Climáticas da The Nature
Conservancy (TNC), apontou quais os riscos do Código
Florestas para o cumprimento das metas da Convenção
Quadro de Mudanças Climáticas da Organização
das Nações Unidas (ONU).
Segundo Carvalho, até o
momento, o Brasil conseguiu cumprir 64% de sua meta
de redução das emissões de
carbono assumidas internacionalmente em função
dos esforços de redução do
desmatamento e criação de unidades
de conservação. No entanto, a coordenadora
avalia que os 36% que ainda precisam ser alcançados
estão seriamente comprometidos com as alterações
propostas no Código Florestal.
“Tivemos uma série de políticas
para controle de desmatamento, e em 2010 surge a
discussão da alteração do Código
Florestal brasileiro que questiona a capacidade
e vontade política do Brasil de cumprir as
metas assumidas na Convenção do Clima”,
afirma Carvalho.
Ela ainda apontou dados de estudo do Observatório
do Clima que analisou qual o impacto da dispensa
da reserva legal em propriedades de até quatro
módulos fiscais, tal como está prevista
na nova proposta do Código Florestal em tramitação
no Senado. De acordo com o estudo, caso essas áreas
fossem totalmente desmatadas, um total de 25 bilhões
de toneladas de carbono seriam emitidas, aproximadamente
13 vezes mais do que o Brasil emitiu durante o ano
de 2007.
Qual o modelo de desenvolvimento
que o país quer?
Outro aspecto destacado pelos
palestrantes é que a discussão sobre
o Código Florestal está relacionada
a uma escolha do país sobre qual o tipo de
desenvolvimento que o Brasil quer ter.
Para Cláudio Maretti, é
preciso vencer a dicotomia entre conservação
versus desenvolvimento e reconhecer o potencial
econômico das atividades baseadas nos serviços
dos ecossistemas, tais como produção
de alimentos, medicamentos, cosméticos, entre
outros.
“O Brasil pode decidir se quer crescer degradando
ou se vai querer crescer recuperando e aproveitando
o potencial de produção com conservação”,
afirma Maretti. “Nós queremos um modelo que
exporta degradação – um modelo em
que estamos perdendo mais que ganhando – ou investir
no aumento da produtividade, em pesquisas, no uso
sustentável e ganhar mercados diferenciados?”,
concluiu.