18 Novembro 2011 - Bruno Taitson,
de Brasília
Mais uma falácia apresentada pela bancada
ruralista para justificar a destruição
da legislação ambiental brasileira
caiu por terra. Em debate organizado nesta sexta
(18/11), no Senado, o consultor em meio ambiente
e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro,
Tasso Azevedo, comentou estudo das ONGs Proforest
e Imazon que demonstra a existência de legislações
ambientais bastante restritiva em diversos países
do mundo. Segundo argumentação apresentada
de forma sub-reptícia pelos defensores do
agronegócio, o Brasil deve acabar com o Código
Florestal, pois nenhum outro país possui
esse tipo de regulamento. Pura mentira.
Tasso Azevedo observou que a maior parte das argumentações
usadas pelos ruralistas se baseia em falsas premissas.
“O Japão do pós-guerra conseguiu triplicar
a produção de alimentos e ampliar
de forma significativa sua cobertura florestal,
que hoje é de 69% do território, maior
até que o percentual brasileiro, que é
de 56%”, relatou.
O estudo, publicado em outubro, analisou as legislações
ambientais de países como China, Reino Unido,
França, Alemanha, Suécia, Indonésia
e Estados Unidos, dentre outros. Todos os países
analisados apresentam leis que restringem a conversão
de florestas, estejam elas em áreas públicas
ou privadas.
O estudo, que pode ser baixado
pelo link ao lado, expressa que, ao contrário
da argumentação mentirosa dos ruralistas,
existem “muitas outras nações com
leis igualmente rígidas de proteção
florestal”. O documento reporta que, “desde o século
passado, é o fim do desmatamento – e não
a terra arrasada - que virou sinal de desenvolvimento”.
A China, também considerada
uma nação de desenvolvimento tardio,
veda a supressão de florestas para projetos
de mineração e infraestrutura. O país
também condiciona desmatamentos a uma autorização
do governo, que demanda a restauração
do correspondente ao que foi destruído.
Para Kenzo Jucá, analista
de políticas públicas do WWF-Brasil,
há cada vez mais evidências científicas
de que as mudanças propostas ao Código
Florestal brasileiro são um grande retrocesso,
e atendem apenas aos interesses de parte do grande
agronegócio. “Enquanto a tendência
mundial é de aumentar a proteção
das florestas, a bancada ruralista procura impor
à sociedade brasileira mudanças que
colocam o Brasil na contramão da história,
flexibilizando a legislação ambiental”,
critica.
Tasso Azevedo destacou que os
defensores das mudanças no Código
buscam promover uma perigosa “relativização
da sustentabilidade”, colocando em risco valores
e princípios universalmente aceitos como
corretos para a promoção do desenvolvimento
sustentável. “Nos debates sobre a abolição
da escravatura no Brasil, no século 19, o
setor agrícola brasileiro defendia a manutenção
dos escravos alegando que eram sua propriedade e
que o fim do sistema acarretaria perdas financeiras,
inviabilizando a atividade”, disse. Segundo ele,
estamos assistindo, hoje, a argumentos bastante
similares por parte dos ruralistas, que querem fragilizar
o instituto da Reserva Legal e das áreas
de preservação permanente.
+ Mais
Código Florestal: comitês
de bacia ignorados, sociedade fora do debate
18 Novembro 2011
Gadelha Neto, de Brasília
No momento em que o Congresso Nacional discute polêmicas
mudanças no Código Florestal Brasileiro,
no qual a manutenção e recuperação
das Áreas de Proteção Permanente
( APP) ao longo de margens de rios e lagos ganha
contornos dramáticos pelo potencial destrutivo
das propostas de mudança apresentadas, cabe
perguntar qual é a participação
da sociedade neste debate.
E mais: que mecanismos existem para a que isto ocorra?
E, aqui, cabe mais uma pergunta: você, leitor,
já ouviu falar de Comitê de Bacia Hidrográfica?
Se sua resposta for não, não se envergonhe:
apenas 36% da população brasileira
já ouviu falar nestes comitês, segundo
pesquisa do Ibope/WWF-Brasil realizada em 2006.
Convenhamos que é muito pouco para um país
que abriga 13,7% de toda a água do planeta
e que, note-se, tem uma das leis de recursos hídricos
consideradas mais avançadas do mundo, a Lei
9.433/97.
Um ‘parlamento’ ignorado -- No
Brasil, os comitês de bacias hidrográficas
(CBH) são a unidade de planejamento e gestão
das bacias hidrográficas. Eles são
o Parlamento das Águas, onde representantes
da sociedade civil, de usuários de água
e de governos discutem tudo o que pode e o que não
pode ser feito em uma determinada bacia, de forma
a garantir água em quantidade e qualidade
para os diversos usos e para as gerações
futuras – incluindo a manutenção dos
ecossistemas aquáticos.
Mas a participação dos comitês
de bacias hidrográficas no debate do novo
Código Florestal vem sendo negligenciada
desde o princípio. Somente na semana passada,
quase às vésperas da votação
do novo texto pela Comissão de Meio Ambiente,
os comitês puderam se manifestar.
Enquanto isto, milhares de quilômetros
quadrados de matas ciliares – fundamentais para
a garantia de produção de água
em quantidade e qualidade – correm o risco de desaparecer,
em razão da proposta de redução
das faixas de APPs ao redor de corpos d’água
e da desobrigação de que aquelas já
destruídas sejam recompostas, como prevê
o Código Florestal atual.
Quase a totalidade dos comitês de bacias hidrográficas
do País é contrária às
alterações propostas para o novo Código
Florestal Brasileiro, opinião esta que ficou
patente em moção encaminhada à
Comissão de Meio Ambiente do Senado pelo
Fórum Nacional dos Comitês de Bacias
Hidrográficas, aprovada durante Encontro
Nacional realizado em São Luis (MA).
O completo desrespeito às decisões
dos comitês de bacias, entretanto, não
é novidade e encontra exemplos pelo país
afora, quando se trata, principalmente, de grandes
obras de infraestrutura.
Para o coordenador do Programa Água para
a Vida, do WWF-Brasil, Samuel Barrêto, o acolhimento
tardio – e esvaziado – das preocupações
dos comitês de bacias no âmbito das
reformas propostas para o Código Florestal
demonstra que é preciso que governos e sociedade
fortaleçam esta instância fundamental
de decisões sobre o uso das águas
no Brasil.
“É preciso fazer valer a Lei das Águas.
E, principalmente, o entendimento, pela sociedade,
dos impactos que as alterações propostas
podem provocar em relação às
APPs como, por exemplo, tornar as cidades mais vulneráveis
aos eventos extremos”, avalia Samuel Barrêto.
+ Mais
Código Florestal: canetada
errada pode condenar milhares de quilômetros
de florestas inundáveis
10 Novembro 2011
Gadelha Neto, de Brasília
Cerca de 1.500.000 km2 de florestas inundáveis,
30% da área da Amazônia, são
vítimas potenciais das propostas de mudanças
no Código Florestal Brasileiro, caso o texto
seja aprovado como está. Isto porque, ao
estabelecer mensuração das faixas
de Áreas de Proteção Permanente
(APP) de margens de corpos d’água a partir
do leito menor, o Código expõe ao
desmatamento imensas áreas de florestas que
são sazonalmente inundadas na Amazônia
e que prestam um serviço fundamental não
apenas para a biodiversidade amazônica mas,
principalmente, para o pulso hidrológico
dos rios da região, para a manutenção
do clima e do regime de chuvas no Brasil.
Somente de várzeas e igapós
– áreas úmidas típicas da Amazônia
– são 400.000 km2 que apresentam uma variação
enorme de vazão, inundando e expondo florestas
inteiras com cheias de até 10 metros de altura
em relação à vazante.
O alerta foi dado nesta quinta-feira (10/11), em
um plenário de comissão praticamente
vazio, pela professora doutora Maria Teresa Piedade,
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa), durante a audiência pública
realizada na Comissão de Meio Ambiente, Defesa
do Consumidor e Fiscalização e Controle,
para que fossem ouvidos, pelos senadores, especialistas
sobre o tema Reforma do Código Florestal
e as Bacias Hidrográficas.
Piedade apelou para que os parlamentares levem em
consideração as terminologias mais
adequadas para a determinação de áreas
úmidas, para que não se cometam erros
como a exposição de florestas inteiras.
“Lembrem-se de que estas florestas
também são a base da sobrevivência
dos peixes, de longe a maior fonte de proteína
e de renda das populações ribeirinhas,
que são nada menos que 60% da população
rural da Amazônia”, disse a pesquisadora.
Para o senador Jorge Viana, co-relator do texto
que tramita no Senado Federal é fundamental
que a lei se utilize dos avanços científicos
verificados desde sua revisão, em 1965. “É
preciso ter em mente o papel fundamental das florestas
na proteção dos recursos hídricos”.
Sem se comprometer a atender aos
anseios dos ambientalistas, Viana disse à
reportagem do WWF-Brasil que a questão central
do Código Florestal Brasileiro é a
proteção dos recursos hídricos,
das nascentes até a foz. “Se o Brasil quer
se posicionar no mundo como um grande produtor de
proteína animal e vegetal, então tem
que cuidar de suas águas”, disse.
Já o senador Rodrigo Rollemberg, presidente
da Comissão, foi mais enfático. Segundo
ele, diante dos fatos apresentados pela pesquisadora
do Inpe, é preciso estabelecer uma excepcionalidade
da lei para a Amazônia.
“O bioma Amazônia tem importância
fundamental na regulação do clima
e das chuvas no país, e as áreas alagadas
são extensas e importantes neste sentido.
Portanto, temos que ter uma atenção
especial para este tema no Código Florestal”,
avaliou Rollemberg.
Segundo Kenzo Jucá, analista de Políticas
Públicas do WWF-Brasil, é preciso
cobrar dos senadores que, durante as discussões
e votações no Senado, cumpram as declarações
públicas. “De nada adianta afirmar que o
país precisa zelar pelos recursos hídricos
e que a Amazônia é essencial para a
questão climática se, em plenário,
continuarem a aceitar e endossar o jogo dos ruralistas,
que querem evitar que as áreas úmidas
sejam protegidas e buscam alterar os critérios
de medição das APPs ciliares”, avaliou.
Kenzo Jucá lembrou que
os debates no Senado são mais uma oportunidade
para os senadores ouvirem a voz de especialistas
antes de tomarem decisões importantes sobre
o Código Florestal. “Precisamos valorizar
nosso ativo ambiental e científico e proteger
o meio ambiente do país. Isso nos dará
condições de ser um país diferenciado
no cenário global e de exercer uma liderança
nas questões ambientais que afligem o planeta”,
disse.
Serviços ambientais – A mesa foi composta,
além de Maria Piedade, pelo diretor de Recursos
Hídricos da Agência Nacional de Águas
(ANA), João Gilberto Conejo, pela ex-secretária
de Meio Ambiente de São Paulo, Stela Goldenstein
e pelo chefe da Procuradoria do Estado de São
Paulo, Pedro Ubiratã.
Foram debatidos temas importantes
como a aplicabilidade do Código em áreas
urbanas e a importância de que a legislação
a ser criada não venha a suscitar novos embates,
desta vez no âmbito judiciário. Um
tema, entretanto, foi recorrente: a necessidade
de pagamento por serviços ambientais e outros
mecanismos de incentivo à conservação,
além de ações de comando e
controle (fiscalização).
Conejo, da ANA, disse que, com
o fim das concessões do setor hidrelétrico,
é hora de debater o uso dos recursos que
até agora iam para a amortização
da própria construção dos empreendimentos
em pagamento de serviços ambientais.
Outras fontes de recursos foram propostas, inclusive
a criação de um fundo específico
para pagamento de serviços ambientais a partir
da cobrança pelo uso da água nos comitês
de bacias. “Isto porque, na experiência de
São Paulo, os recursos acabam indo para saneamento,
que, todos sabemos, é um sumidouro de dinheiro”,
disse Stela Goldenstein.
Cabeça de Senador
Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas
da SOS Mata Atlântica e representante do Fórum
Paulista de Comitês de Bacias Hidrográficas,
a audiência pública não serviu
para acalmar as angústias dos organismos
de bacias e ambientalistas presentes.
“Todas as contribuições
dos especialistas foram muito esclarecedoras. Resta
saber o que os senadores irão incorporar
e como irão incorporar ao projeto, sobretudo
no que trata das medições de faixas
marginais de APPs de beira de rio. Esta é
nossa preocupação”, concluiu.
Parafraseando o senador Luiz Henrique, relator da
matéria, que disse que tem dois ouvidos e
uma boca para ouvir muito e falar pouco, Malu Ribeiro
lembrou que “senador tem dois ouvidos e uma boca,
mas também tem uma só cabeça.
Saímos daqui com muitas dúvidas”,
concluiu Malu.