Estudo inédito realizado
na região de Abrolhos comprova que a conexão
entre manguezais e recifes
de corais é essencial no ciclo de vida do
Dentão ou Vermelho, espécie de alto
valor comercial cuja captura anual chega a 3.000
toneladas no país
Caravelas, 08 de novembro de 2011
— Um mapeamento até então desconhecido
do ciclo de vida de uma importante espécie
de peixe para o país demonstra que a conectividade
entre manguezais e recifes é essencial para
sua sobrevivência. Conduzido ao longo de um
ano por pesquisadores do Brasil e exterior, com
apoio da Conservação Internacional
(CI-Brasil), o estudo apresentou pela primeira vez
os padrões de movimentação
do vermelho (Lutjanus jocu) através de diferentes
hábitats na Região dos Abrolhos, o
maior e mais biodiverso complexo recifal do hemisfério
Sul. A descoberta, publicada recentemente na revista
Estuarine, Coastal and Shelf Science, oferece informações-chave
para o manejo da espécie, que já apresenta
acentuado declínio em seus estoques.
A pesquisa mostra que o tamanho
do vermelho é menor nos estuários,
intermediário nos recifes costeiros e maior
na área do Parque Nacional Marinho (Parnam)
dos Abrolhos, indicando que a espécie migra
ao longo da plataforma continental na medida em
que cresce. Confirmando o estudo recém publicado,
dados provenientes da pesca comercial revelam que
os maiores peixes, entre 70 e 80cm, são encontrados
em recifes ainda mais profundos e afastados da costa.
Foram investigadas 12 áreas que representam
diferentes hábitats costeiros e recifais,
abrangendo a Reserva Extrativista (Resex) de Cassurubá,
os recifes Parcel das Paredes e Sebastião
Gomes e o Parnam dos Abrolhos.
Segundo Guilherme F. Dutra, diretor
do Programa Marinho da CI-Brasil, apesar de a conectividade
entre ambientes costeiros e marinhos ser bastante
difundida e aceita, poucos trabalhos foram exitosos
em demonstrá-la de maneira efetiva. “Esse
é o primeiro estudo que consegue provar a
relação entre manguezais e recifes
para essa espécie que tem grande importância
comercial”, comemora.
Ciclo desprotegido - As novas
informações sobre o ciclo de vida
do vermelho alertam para a condição
de vulnerabilidade da espécie cujos estudos
recentes indicam redução nos estoques
no Banco dos Abrolhos devido à sobrepesca.
Segundo informações dos desembarques,
são capturados pelo menos 3.000 toneladas
da espécie por ano nessa região, numa
atividade que envolve cerca de 20 mil pescadores.
“As medidas de manejo adotadas
para assegurar a exploração sustentável
dos vermelhos não são suficientes”,
salienta Rodrigo Moura, professor da Universidade
Estadual de Santa Cruz e um dos co-autores do estudo.
Ele explica que atualmente não há
qualquer restrição às capturas
dos adultos durante a fase reprodutiva – entre junho
e setembro – ou tamanhos mínimos de comercialização
que assegurem que os peixes capturados tenham completado
pelo menos um ciclo reprodutivo, o que ocorre acima
de 35cm.
Para chegar até a idade
adulta, o dentão precisa de refúgio
em manguezais e recifes próximos à
costa, mesmo em áreas liberadas para pesca.
“Uma vez que a espécie migra através
da plataforma continental, está claro que
áreas protegidas em unidades isoladas, tais
como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, não
são efetivas para proteger as diversas etapas
do ciclo de vida”, enfatiza Moura. “Isso comprova
que é muito importante que tenhamos uma rede
de áreas protegidas na região dos
Abrolhos que esteja funcionando de forma integrada
para de fato dar condições a essas
espécies sobreviverem”, completa Dutra.
Para Ronaldo Francini-Filho, co-autor
do estudo e professor da Universidade Federal da
Paraíba, além dos instrumentos de
proteção contra a pesca predatória
serem insuficientes, os estuários e manguezais
no Brasil têm sido crescentemente impactados
pela expansão urbana, portuária e
de atividades agroindustriais altamente degradadoras,
tais como a carcinicultura (criação
de camarões de água salgada). “O que
vem ocorrendo nestes locais evidencia claramente
as críticas lacunas de proteção
e manejo”.
Esta pesquisa soma-se a outros
trabalhos empreendidos na região dos Abrolhos
e que integram um esforço conjunto entre
o meio científico e a Conservação
Internacional para aprofundar o conhecimento sobre
a sua riqueza biológica da e oferecer ferramentas
para o uso sustentável e a conservação
de sua biodiversidade. “A ciência tem apontado
soluções e caminhos para que as pescarias
marinhas se transformem em uma atividade geradora
de riqueza com sustentabilidade. Apesar disso, a
incorporação dessas lições
pelas agências responsáveis pelo setor
pesqueiro tem sido excessivamente lenta”, avalia
Francini-Filho.
Sobre a espécie Lutjanus
jocu - Associado aos ambientes rochosos e coralinos,
o dentão - ou vermelho - é um dos
mais importantes recursos pesqueiros capturados
em ecossistemas recifais no Atlântico Ocidental.
Das 19 espécies da família Lutjanidade
que ocorrem no Brasil, a espécie estudada
está entre as cinco mais importantes para
a pesca. Apesar de sua importância e ampla
distribuição, com ocorrência
da Flórida ao sudeste brasileiro, havia pouco
conhecimento sobre o ciclo de vida da espécie,
inclusive sobre seu deslocamento através
de diferentes ecossistemas marinhos e costeiros,
dificultando o estabelecimento de políticas
adequadas de manejo e conservação
da espécie.
Financiamento
O estudo foi financiado pelo Programa
“Ciência para a Gestão de Áreas
Marinhas Protegidas” (MMAS, da sigla em inglês)
- uma iniciativa da Conservação Internacional
que busca contribuir para o planejamento, diagnóstico
e monitoramento de Áreas Marinhas Protegidas,
aliando conhecimento científico e práticas
de conservação - que tem o patrocínio
da Fundação Gordon e Betty Moore.
Contou também com o suporte
financeiro do Conservation Leadership Programme,
da National Geographic Society, da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb)
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico
e Tecnológico (CNPq).
Os pesquisadores fazem parte da
Rede Abrolhos, uma iniciativa financiada pelo Ministério
da Ciência e Tecnologia no âmbito do
Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota),
visando ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade
brasileira e melhorar a capacidade de resposta a
mudanças globais, associando as pesquisas
à formação de recursos humanos,
educação ambiental e divulgação
científica. O trabalho de divulgação
recebeu o apoio financeiro da Fondation Veolia Environnement.