Panorama
 
 
 

A REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL E A
REDUÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO AMBIENTAL

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Dezembro de 2011

08 Dezembro 2011
Em artigo, o coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul do Valle, avalia as contradições da proposta de reforma do Código Florestal. Valle faz uma comparação didática com o salário mínimo para mostrar como a bancada ruralista está tentando derrubar parâmetros mínimos de proteção dos ecossistemas em prejuízo do resto da sociedade brasileira.
No último dia 24/11, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o substitutivo de Jorge Viana (PT-AC) para o novo Código Florestal. Nos dias seguintes, a grande imprensa dedicou razoável espaço para tentar explicar o conteúdo do projeto e o que mudará caso ele transforme-se em lei.

Embora venha prevalecendo a opinião de que a proposta seria um "meio termo" entre as demandas ambientalistas e ruralistas, poucos conseguiram passar aos leitores uma avaliação simples e fiel do que ela representa.

Isso ocorre, não raras vezes, porque o assunto é complexo, tanto pelos conceitos e terminologias usados, como pelas múltiplas dimensões abordadas no projeto (agricultura, pecuária, áreas urbanas, espécies em extinção etc).

A votação no plenário do Senado pode acontecer ainda nesta semana. Depois, o texto segue para a Câmara, onde a bancada ruralista tenta passar a impressão de que está descontente com a reforma do Código Florestal. Mesmo que detalhes importantes ainda possam ser modificados nessas duas votações, o resultado final está mais ou menos claro e creio que é possível falar sobre ele de uma forma simples e objetiva.

Analogia

Faço uma analogia com o salário mínimo, presente no universo simbólico e real de todos os brasileiros, para tentar explicar o que a reforma do Código Florestal significa.

Em resumo, o salário mínimo é a menor quantia que deve ser paga a um trabalhador para garantir sua sobrevivência. Todos os anos seu valor é reavaliado, com base no aumento do custo de vida, e fixado em lei. Uma das principais conquistas dos trabalhadores, é uma garantia contra a exploração abusiva da força de trabalho pelos empresários. Ao mesmo tempo, tem função reguladora do próprio mercado, assegurando uma distribuição de renda mínima que garanta o poder de consumo dos trabalhadores, motor da economia.

O Código Florestal pode ser interpretado como a lei do salário mínimo ambiental. Busca evitar a exploração abusiva de nossos ecossistemas pelas atividades agropecuárias e urbanas, exigindo que seja preservado um mínimo de vegetação nativa nas propriedades para que os serviços ambientais básicos continuem funcionando, o que é fundamental para garantir a perenidade das atividades econômicas que utilizam recursos naturais.

O valor do salário mínimo ambiental não é medido em dinheiro, mas em área a ser protegida: as APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RLs (Reservas Legais), que têm extensões variáveis, dependendo do local em que estão (30 metros na beira de rios, 20% do imóvel etc).

Dois salários diferentes

E como o projeto que está prestes a ser aprovado trata o salário mínimo ambiental?

A princípio, como alardeado pelos relatores da Câmara (Aldo Rebelo) e do Senado (Luiz Henrique e Jorge Viana), o valor geral não teria sido diminuído em relação à lei atual, embora tampouco tenha aumentado. Apesar do alerta dos cientistas sobre a necessidade de aumento, o valor do salário mínimo ambiental foi congelado (saiba mais box no final do texto). Isso acontece porque, de acordo com o texto que será votado no plenário do Senado, em grande parte dos casos, as APPs e RLs que foram preservadas deverão manter a extensão definida pelo atual Código Florestal.

Para fins de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente, no entanto, os parâmetros foram reduzidos. Assim, com a aprovação do projeto, o país passará a ter dois valores diferentes de salário mínimo. Um, o normal, terá que ser pago pelos empresários que sempre cumpriram a lei e pagaram corretamente seus empregados. O outro, menor, será pago pelos empresários que, até 2008, usaram trabalho escravo ou pagaram menos do que o salário mínimo a seus funcionários. Pelo projeto, essa é a linha de corte temporal para se definir quem deve ou não pagar o valor "normal" do salário mínimo. O que justifica esse corte é a alegação, feita pelo sindicato patronal dos produtores rurais, de que muitas empresas já estavam funcionando quando o salário era menor e, com o aumento do seu valor, ficou impossível produzir.

Ocorre que o último aumento no valor do salário mínimo ambiental ocorreu mais de 20 anos antes dessa data. Apesar de todos saberem disso, ela foi mantida no texto final de Jorge Viana. E poucos foram os parlamentares que se fizeram a seguinte questão: o fato de uma empresa já estar em funcionamento desobriga o empresário de atualizar o valor do salário de seus empregados?

O fato é que essa linha de corte está prevalecendo e a partir dela foram criadas algumas regras. A primeira é de que toda a dívida acumulada até essa data pelos empresários caloteiros será perdoada. Não se trata de desconto. A dívida será totalmente anulada. Mas há uma condição: eles terão que entrar num programa de regularização. Inicialmente, o projeto estabelecia que a anulação das dívidas era imediata, mas o prazo para adesão ao programa indefinido. Uma das "conquistas" da proposta que vai a plenário é que agora há um prazo definido de quatro anos para entrar no programa.

O mínimo e o máximo

Pelo programa de regularização, aqueles empresários que até hoje nada ou pouco pagaram a seus funcionários terão que finalmente pagar... Mas metade do salário: para fins de recuperação, as APPs foram reduzidas em mais de 50% e, em muitos casos, não será necessário recompor a RL!

Apesar do valor desse salário, pelo projeto, continuar sendo considerado o mínimo para a sobrevivência dos trabalhadores, para os caloteiros o mínimo é o máximo. Trata-se de uma anistia com efeitos para o futuro e não apenas uma borracha no passado.

Algumas pessoas acharam estranha essa história: como exigir menos do que o mínimo? O sindicato patronal se apressou a responder: haveria milhões de microempresários que, com toda a dificuldade que é produzir no país, não conseguirão pagar o mínimo a seus funcionários e fecharão as portas, causando caos social e econômico. Então fica assim: todos os empresários com dívidas terão que pagar, daqui em diante, no máximo metade do salário a seus funcionários e até mesmo os que faturam milhões de reais por ano ficam isentos de pagar férias, 13º e contribuir para o FGTS.

Mas a ideia não era aliviar os microempresários? E os funcionários? Como farão para comprar sua cesta básica, pagar as contas? Olha o avião passando ali! Vamos para o próximo assunto.

Pacote de bondades

Durante a tramitação do projeto, advogados "especialistas" em economia, bancados pelo sindicato patronal, entraram em cena para colocar sobre a mesa dados que justificariam essa anistia para o passado e futuro. De acordo com eles, se todos os empresários endividados tivessem que, daqui em diante, pagar o salário mínimo ambiental, o país quebraria. Se o cálculo valesse para outras áreas, teríamos o congelamento eterno dos salários.

Só se esqueceram de colocar na conta que o que é perda para o empresário é ganho direto para os trabalhadores e indireto para a sociedade como um todo, inclusive os empresários, já que, com mais recursos, os trabalhadores não só vivem melhor como gastam mais, movimentando a economia.

E os empresários que cumpriram com seu dever e durante anos sofreram concorrência desleal dos demais? Serão recompensados? Terão desconto nos impostos, linha de crédito preferencial e a juros baixos para ampliar suas atividades? Para esses, o projeto prevê que, em 180 dias, o Governo Federal poderá criar um pacote de bondades como essas, a depender da boa vontade da presidente, que não participou da elaboração dessa regra e, portanto, nunca pediu autorização para nada (e nem precisava, caso quisesse fazer algo).

E se esse pacote não vier? Poderá esse empresário pedir a redução do salário de seus funcionários para poder competir em nível de igualdade com os ex-caloteiros (agora regularizados)? Claro que não, pois nossos parlamentares são radicais na defesa dos direitos dos trabalhadores, e não vão aceitar nenhuma redução salarial no país. O projeto não tem anistia nem redução de salário, diriam...

A nova lei deveria ter, pelo menos, mecanismos mais eficientes do que a lei atual para garantir que os regularizados não voltem a ser novamente caloteiros, não? Porque, entre não receber nada e receber alguma coisa, melhor receber algo, não é verdade?

Durante a tramitação do projeto foram apresentadas propostas para proibir que os caloteiros vendam livremente sua produção, de modo que não possam mais contratar com o Poder Público, tenham restrição de crédito. Só esta última ficou no projeto e está sob ameaça do sindicato patronal, que alega ser a regra abusiva.

Além disso, foi criado um cadastro de regularizados, pelo qual o Poder Público poderia saber exatamente quem são e monitorá-los com mais eficiência (desde que contrate mais funcionários para as agências de controle, claro). Como está no projeto, no entanto, o cadastro não terá efetividade: ele exige o número da casa do proprietário, mas não o nome da rua...

E assim vamos adiante.

O que diz a Ciência?

Pesquisas científicas feitas nas últimas décadas demonstram que os parâmetros do Código Florestal vigente, em muitos casos, são insuficientes para garantir a sobrevivência de um grande número de espécies e o adequado funcionamento de vários dos serviços ambientais necessários ao nosso dia a dia.

Segundo estudo feito pelo pesquisador Jean Paul Metzger, da USP, a partir de extensa revisão bibliográfica, uma paisagem que tenha menos de 30% de vegetação nativa preservada deixa de ser funcional, ou seja, vários de seus ciclos naturais entram em colapso.

Pela lei atual, se todas as APPs (matas ciliares, florestas de encostas e topos de morro etc.) e RLs (parte do imóvel que deve ser preservada, independente das APPs) fossem de fato conservadas, teríamos em grande parte do país (fora da Amazônia Legal) um patamar próximo a isso, mas em geral inferior. O projeto prevê que esse patamar vai diminuir, já que as APPs passarão a ser contabilizadas na RL, ou seja, cada imóvel terá, no máximo, 20% de vegetação nativa preservada.

Estudo liderado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) foi taxativo ao dizer que a medida de proteção aos pequenos rios brasileiros (que correspondem a mais de 60% da área de drenagem do país), que é de 30 metros atualmente, é insuficiente para atingir os fins a que se propõe e deveria ser aumentada para pelo menos 50 metros. A reforma do Código Florestal não só não aumenta essa proteção, como, ao modificar a forma de cálculo das APPs (do leito maior para o leito regular), a reduz.

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Senado: casa do povo ou caixa-preta?

07 Dezembro 2011
Durante a votação do Código Florestal, população foi impedida de acessar as galerias, único local do plenário destinado ao público. Representantes dos ruralistas puderam entrar e ocuparam maior parte dos assentos disponíveis
Bruno Taitson, de Brasília
Quem esteve no Senado nesta terça, 6 de dezembro, dia em que o texto que propõe mudanças ao Código Florestal foi aprovado, se deparou com um esquema de segurança pouco convencional. Visitantes só podiam acessar algumas portarias e a entrada nas galerias do plenário, espaço destinado ao público que queira acompanhar as votações, só podia ser feita mediante convites, distribuídos pelas lideranças dos partidos.

Corredores e entradas que, no dia a dia, são de livre acesso por parte do público, foram fechados, em uma verdadeira operação para impedir que o público chegasse perto de seus representantes. Integrantes da Polícia do Senado e vigilantes terceirizados interrogavam os cidadãos, questionando aonde iam e exigindo convites especiais, alegando “questões de segurança”. É importante lembrar que, antes de entrar no Senado ou na Câmara, todo cidadão é identificado e passa por detectores de metal, independentemente da época do ano ou do local para o qual esteja se dirigindo.

Como resultado, durante a votação, mais da metade dos assentos das galerias estava vazia. Além disso, a grande maioria das pessoas que ocupavam as cadeiras era de representantes dos ruralistas. Assim, os senadores puderam, tranquilamente, sem o calor da pressão popular, aprovar as mudanças que flexibilizam a legislação ambiental, anistiando desmatamentos e modificando critérios para definição e recuperação de áreas de reserva legal e de preservação permanente.

A senadora Marinor Brito (PSOL-PA) ressaltou que a blindagem do Senado em relação à sociedade reflete o processo pouco transparente de tomada de decisão em temas que interessam diretamente ao país. “Isso já era esperado. Quando interesses do governo e de poderosos estão ameaçados, eles preferem anular o maior contraponto com potencial de gerar tensionamentos, que é a presença do povo e da sociedade civil organizada”, salientou.

Ricardo Mesquita da Fonseca, secretário executivo do Memorial Darcy Ribeiro, afirma que a votação de uma matéria de tamanha importância para o país, como o Código Florestal, deveria ser marcada pela participação popular. “Estamos diante de um ato falho desta falsa democracia. Os senadores precisam ser lembrados de que eles só existem por causa do voto popular”, criticou.

Ele acrescenta que o isolamento do Congresso em momentos de potencial tensionamento denuncia uma realidade que não condiz com a proposta de uma democracia. “Grupos de interesse precisam ter acesso aos locais onde as leis são formuladas, os cidadãos não podem ser alijados desse processo. Os senadores têm medo de que? Será que estão fazendo algo que o povo não possa saber? Vivemos uma plutocracia, e não uma democracia”, concluiu Ricardo Mesquita da Fonseca.

Claque ruralista

Além dos representantes que puderam acessar as galerias, os ruralistas também se fizeram representar
ao redor do Congresso, por cidadãos que portavam bandeiras e camisetas em favor das mudanças no Código. A maioria dos integrantes que foram questionados sobre o porquê de estarem em Brasília naquele dia não soube explicar a razão da mobilização.

Um dos cidadãos entrevistados, residente em Caldas Novas, disse que não sabia a razão de estar ali, e que foi para Brasília por um pedido do pastor de sua igreja, que ofereceu transporte, alimentação e uma ajuda de custo. Outro integrante da “marcha” afirmou que sequer era produtor rural e, questionado sobre a razão de estar presente no Congresso, respondeu sem pestanejar: “Sei não”. Um amigo, que também usava a camiseta ruralista e ouvia a conversa, respondeu. “A gente está aqui é por causa do aumento, né?”.

O grupo pago pelos ruralistas assistiu, em TVs de plasma, a parte da votação das mudanças no Código Florestal em uma tenda armada no gramado da Esplanada dos Ministérios.


 

Fonte: WWF-Brasil
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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