28 Fevereiro 2012 - A maioria
das pessoas – mas não os cientistas
– desconhece o efeito devastador da mudança
proposta pelos ruralistas
na medição da Área de
Proteção Ambiental em torno
de corpos d’água – rios, lagos etc.
Além de tentar reduzir a faixa de proteção,
os desmatadores querem que a medição
desta faixa seja feita a partir do “leito
regular” do corpo d’água.
Apenas esta manobra, entretanto, exporia à
destruição milhares de quilômetros
de florestas, ecossistemas importantíssimos
e o meio de vida de milhares de brasileiros
em área úmidas, segundo a maioria
dos especialistas no assunto. Para o WWF-Brasil,
não é diferente. “Nossa preocupação
é a mesma dos cientistas”, disse Maria
Cecília, secretária-geral organização.
Ela alerta para o fato de
que a mudança expõe áreas
nas quais populações inteiras
aproveitam, durante a vazante, as áreas
fertilizadas pelas cheias.
Ocorre que mais de 20% do território
nacional podem ser classificados como áreas
úmidas, em sua maioria densamente florestadas.
Daí a necessidade de um tratamento
diferenciado para esses ambientes pelas leis
brasileiras, incluindo o Código Florestal.
Na bacia Amazônica as áreas úmidas
correspondem a um total de 30%, cerca de 1.800.000
km². Deste total, mais de 400.000 km²
compreendem as áreas alagáveis
ao longo do rio Amazonas e seus grandes tributários.
Por outro lado, apenas o Pantanal cobre uma
área de 160.000 km2, sendo 85% desta
área em território brasileiro.
A doutora em Ecologia Maria Tereza Fernandes
Piedade, do Instituto de Pesquisas da Amazônia
(Inpa), na região Amazônica,
por exemplo, a diferença entre os níveis
altos e baixos da inundação
pode ser de mais de 10 metros.
“Isto quer dizer que as florestas alagáveis
somente serão protegidas se for considerando
o nível superior da cheia pare efeito
de medição da faixa de proteção
ambiental”, assegurou Maria Piedade.
Apenas essas faixas ao longo dos rios representam
um total superior a 400.000km2, atualmente
sob a responsabilidade da Secretaria de Patrimônio
da União (SPU), e moradia de cerca
de 2 milhões de pessoas, considerando
apenas os estados do Amazonas e Pará
(IBGE, 2010).
No Pantanal, chamado de um ecossistema de
pulso, a referência à largura
da calha regular não aborda o mais
importante dos aspectos nesse tipo de sistema,
que é a extensão e expansão
lateral dessas áreas úmidas,
que varia ao longo da paisagem e do ano.
Por exemplo, na entrada da planície
Pantaneira, a área úmida do
Rio Cuiabá é estreita, mas dentro
da planície é muito larga, apesar
de o leito regular ter a mesma largura. Desta
forma, é evidente que a proteção
eficiente das áreas só é
possível usando o nível máximo
de inundação como ponto de referência.
Brejo não! – Grande parte dos brasileiros
não entende a importância de
proteger “um brejo”. Mas não é
bem assim. Para começar, são
vários os tipos de área úmidas
do país, incluindo os tais brejos.
As áreas úmidas ocorrem em todas
as regiões brasileiras e chegam a cobrir
centenas de milhares de quilômetros
quadrados, podendo ser divididas nas seguintes
categorias: áreas alagáveis
ao longo de grandes rios de diferente qualidade
de água [águas brancas (várzeas)
pretas e claras (igapós)], baixios
ao longo de igarapés de terra firme,
áreas alagáveis nos interflúvios
(campos, campinas e campinaranas alagáveis,
campos úmidos, veredas, campos de murunduns,
brejos, florestas paludosas) e áreas
úmidas do estuário (mangues,
banhados e lagoas costeiras).
E que importância as áreas úmidas
têm, afinal? Um dos aspectos mais importantes
desses ecossistemas em comparação
a outros é o valor dos serviços
ambientais que eles proporcionam para a sociedade
e meio ambiente: estocagem e limpeza de água,
recarga do lençol freático,
regulagem do clima local, manutenção
da biodiversidade, regulagem dos ciclos biogeoquímicos,
estocagem de carbono, e habitat para inúmeras
espécies, endêmicas ou não.
Acima de tudo, estes ambientes são
fundamentais – com seus ciclos de cheias e
vazantes – para a economia dos que os habitam.
São importantes para o homem e seu
modo de vida, ou seja, para pesca, agricultura
de subsistência, coleta produtos madeireiros
e não-madeireiros e, em áreas
abertas savânicas, para a pecuária
extensiva.
Mas tem mais: diante do agravamento dos efeitos
das mudanças climáticas – um
dos quais é o asseveramento das secas
– as áreas úmidas representam
verdadeiros bancos de vida, uma “esponja”,
absorvendo e guardando água, para liberá-la
lentamente, mantendo por mais tempo a disponibilidade
do precioso líquido e reduzindo o impacto
do aquecimento global sobre a biodiversidade
e as comunidades em seu entorno.
Problemas rio abaixo – A mudança na
legislação brasileira não
afetará somente a nós, brasileiros.
Esta é a opinião de Pierre Gerard,
pesquisador do Centro de Pesquisas do Pantanal.
“Tudo o que se faz rio acima, se reflete rio
abaixo”, sentencia o especialista.
Gerard alerta que o Pantanal é uma
área de sedimentação.
“Com a redução das matas ciliares,
é de se supor que haverá mais
erosão e consequentemente maior sedimentação
no Pantanal. Isto vai transformar a região
em uma espécie de barragem, que reduzirá
a oferta de água para o Paraguai e
Argentina. Durante as secas, o problema vai
se agravar”, prevê o cientista.
Assim como o Pantanal, é de se prever
que mudanças tão danosas ao
ambiente em um país continental como
o nosso irá atingir negativamente a
todos os países da América do
Sul.
E isto sem considerar o aumento de emissões
de gases de efeito estufa causado pelo desmatamento
e nas mudanças dos ciclos de chuvas
comandados pela Amazônia para a América
do Sul e para o planeta.
Nossa responsabilidade é grande demais
para ficar à mercê de interesses
econômicos de uma minoria de ruralistas.