A BR-163, que liga Cuiabá
(MT) a Santarém (PA), já está
quase toda pavimentada. Mas o plano montado
para evitar as consequências negativas
da obra, especialmente o aumento
do desmatamento em seu entorno, mal saiu do
papel. Essa é a pauta de uma discussão
feita hoje a bordo do navio Rainbow Warrior,
do Greenpeace, em Santarém, junto com
o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
O objetivo é unir
organizações e lideranças
comunitárias para debater os pontos
que ainda não foram postos em prática
do Plano BR-163 Sustentável e discutir
ações para pressionar o governo
pelo seu efetivo cumprimento.
Obras de infraestrutura
são grandes indutores de desmatamento
e violência na Amazônia. Para
fugir desse cenário, há oito
anos, quando anunciou a retomada do asfaltamento
da estrada, o governo reuniu 17 ministérios
e fez inúmeras consultas às
organizações locais para montar
esse plano, que tinha como objetivo evitar
que o asfaltamento e a esperada migração
de populações para a região
resultassem na derrubada de grandes parcelas
de floresta e conflitos fundiários.
No entanto, em janeiro,
o GTA divulgou um estudo no qual mostra que
apenas 43% das ações previstas
no plano foram executadas, 18% estão
em execução e 39% não
foram sequer iniciadas. Enquanto isso, 79%
dos trabalhos de asfaltamento da estrada já
foram finalizados pelo governo, que previu
a sua conclusão em dezembro de 2013.
Esse é um exemplo
de como a agenda ambiental é continuamente
deixada em segundo plano, mesmo quando o próprio
governo é seu mentor. “O governo desrespeita
e atropela suas próprias regras. Além
de não cumprir com seu compromisso,
ainda reverte medidas que já tinham
sido conquistadas no passado. É um
passo para frente e dois para trás”,
afirma Tatiana de Carvalho, da Campanha Amazônia
do Greenpeace.
As unidades de conservação
criadas no entorno da rodovia, parte do projeto
da BR-163, ainda não foram implementadas
– apenas quatro das 12 criadas têm plano
de manejo. Apesar disso, o governo faz o contrário
do que prometeu: em vez de tirá-las
do papel, reduz os limites de algumas e ainda
pode reduzir a proteção no seu
entorno por meio do novo Código Florestal,
em discussão no Congresso Nacional.
“As unidades de conservação
são fundamentais para a manutenção
da biodiversidade e para a subsistência
de extrativistas e agricultores familiares
que vivem no entorno da estrada”, diz Carvalho.
“A Lei do Desmatamento Zero é necessária
para evitar que a floresta - e quem depende
dela - seja permanentemente preterida, não
importa quem esteja à frente do país.”
Com 1,7 mil quilômetros
de extensão, a rodovia BR-163 foi projetada
para ser uma das principais vias de escoamento
da produção de grãos
na região. A estrada atravessa uma
das áreas mais ricas do país
em recursos naturais e potencial econômico.
Importantes bacias hidrográficas, como
a dos rios Amazonas, Xingu e Teles Pires-Tapajós
também estão ali. Hoje, ela
é rota para a degradação
da Amazônia.
A rodovia foi aberta nos
anos de 1970 pela ditadura militar para integrar
a Amazônia à economia nacional,
mas atualmente ela é um os principais
vetores de desmatamento da Amazônia.
“O que ocorre na prática é um
forte processo de fragmentação
florestal, que concentra altas taxas de desmatamento,
tendo o gado, a soja e a retirada de madeira
ilegal como os principais causadores”, explica
Carvalho.
Segundo o Plano BR-163 Sustentável,
a área de influência da rodovia
é de 1,2 milhão de quilômetros
quadrados – 14,4% do território nacional
e 20% da Amazônia brasileira. Nessa
área estão localizados 71 municípios
cuja economia se baseia em atividades do setor
primário – agricultura, pecuária
e extrativismo, principalmente de madeira.
+ Mais
Plano BR-163: por que parou?
Nós, representantes
das entidades dos movimentos sociais do Baixo
Amazonas, BR-163 e Transamazônica, além
de organizações não governamentais,
reunidos a bordo do navio Rainbow Warrior,
do Greenpeace, em Santarém, Pará,
após uma análise detalhada do
relatório do Grupo de Trabalho da Amazônia
sobre a execução das ações
estratégicas previstas no Plano BR-163
Sustentável, fazemos uso desta para
manifestar nossa insatisfação
frente à baixa execução
das ações pactuadas neste plano.
Reconhecendo a importância
do plano para o desenvolvimento sustentável
da região e tendo inclusive contribuído
para a sua construção, consideramos
inaceitável que após seis anos
do seu lançamento apenas 43% das ações
tenham sido executadas. Temos o agravante
de algumas das ações consideradas
“executadas” pelo governo federal, não
serem reconhecidas como tal pelos movimentos
sociais aqui reunidos.
Por exemplo, a consolidação
das Resex Verde Para Sempre, Renascer e Tapajós
Arapiuns é considerada uma ação
executada, mas seus moradores continuam enfrentando
a invasão de madeireiros, fazendeiros
e outras ameaças. Além disso,
não foram implementadas as políticas
necessárias para o uso sustentável
dos recursos naturais, como planos de uso
e créditos de apoio.
Os recursos para a implementação
de ações estruturais, como educação
e saúde, não foram pactuados
com todos os municípios envolvidos,
o que inviabiliza a sua realização.
É fato que o conjunto
de obras de infraestrutura propostas pelo
governo para a Amazônia, como a BR-163
e a hidrelétrica de Belo Monte, serve
mais aos interesses do grande capital do que
aos interesses dos moradores locais.
A MP 558/2012 reduz a área
de unidades de conservação na
região para facilitar o licenciamento
ambiental das usinas hidrelétricas
previstas para o Rio Tapajós, consagrando
o modelo desrespeitoso com que o governo vem
realizando a implementação das
grandes obras de infraestrutura na Amazônia.
O leilão das usinas já tem data
marcada, sem que tenha sido iniciado o processo
de licenciamento.
Nestes termos, exigimos
que representantes dos 17 Ministérios
que compõem o grupo interministerial
responsável pela implementação
do plano realizem urgentemente uma audiência
pública em Santarém para uma
reavaliação da execução
das ações estratégicas
previstas, considerando e valorizando o modelo
de gestão, conforme previsto no item
7 (pág. 130) do Plano BR 163 Sustentável.