Sandra Tavares - Brasília
(17/07/2012) - Onde
será que cada um de nós estava
quando a Lei 9.985/00 foi aprovada? Era dia
18 de julho de 2000. Um dia comum para a maioria.
Para o Brasil com certeza foi importantíssimo.
O dia em que, tirados os embates, polêmicas
e discussões, aprovou-se uma das leis
mais importantes para o nosso futuro, não
apenas como brasileiros, mas como moradores
deste planeta.
Os termos podem até
não ser de conhecimento comum – unidades
de conservação ou áreas
protegidas - mas todo e qualquer cidadão
conhece, mesmo que por nome ou fama, alguma
beleza natural protegida graças a esta
Lei: Noronha, Iguaçu, Lençóis
Maranhenses, Tijuca, Itatiaia, Amazônia,
entre tantas outras.
O Brasil já havia
avançado significativamente em 1988
ao atribuir um capítulo de sua Constituição
ao Meio Ambiente. Mas com certeza, a Lei 9.985/00
veio fortalecer esse capítulo de uma
forma substancial. Esta Lei garantiu que se
chegasse hoje ao marco de 1.640 Unidades de
Conservação em todo o Brasil
(federais, estaduais e municipais), que juntas
somam 151,5 milhões hectares na forma
de áreas protegidas. Desse total, 312
são federais, em um total de 75.141.142,97
hectares sob gestão do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio).
Vizentin diz que UCs são
estratégicas
Para o presidente do Instituto
Chico Mendes, Roberto Ricardo Vizentin, é
preciso elevar o SNUC para o centro da agenda
do País. “As unidades precisam ser
compreendidas como elemento estratégico
do desenvolvimento, pois são elas que
qualificam esses inúmeros serviços
ambientais, levando esse projeto de desenvolvimento
rumo à sustentabilidade”, afirmou Vizentin.
Para ele, o fato do Brasil
possuir um sistema de unidades de conservação
já é uma premissa de que biomas
e ecossitemas sejam protegidos. “É
preciso pensar não o SNUC sozinho,
mas em sinergia com os diversos setores, como
o social e econômico. Esse crescimento
e ampliação da economia depende
desses serviços ambientais. Afinal
são nas unidades que se encontram riquezas
na forma de recursos com água, fauna,
flora, patrimônio genético e
biodiversidade”, reforça Vizentin.
O presidente reconhece a
dificuldade de consolidar a importância
das unidades na sociedade. “Um de nossos maiores
desafios para a consolidação
do SNUC ao longo dos anos é aproximar
as unidades de conservação da
sociedade, em um contrato social de pertencimento
e co-responsabilidade entre ambos. É
aí que entra a importância das
consultas públicas para criação
de novas unidades e dos conselhos, instâncias
nas quais a participação social
se dá de forma efetiva”, frisa Vizentin.
Sarney Filho destaca ganhos
ambientais
Ao rememorar como foi o
processo de construção desta
Lei, não há como não
buscar referências de quem viveu este
momento. Para o deputado federal do Partido
Verde, José Sarney Filho, a lei do
SNUC trouxe muitos ganhos ambientais para
o Brasil, não apenas para esta e para
as futuras gerações. “A Lei
foi um avanço e com ela assegurou-se
o cumprimento de uma importante vertente da
política ambiental de proteção
à nossa biodiversidade, assim como
a criação do que chamo de “escudos”
aos eixos de desmatamentos, principalmente
da Amazônia. E eu espero que não
haja retrocessos”, frisa Sarney Filho.
Para o deputado o maior
avanço diz respeito à criação
de um sistema integrado, onde foram estabelecidas
regras especificas disciplinando a criação,
a utilização e o uso de todas
as unidades de conservação federais,
estaduais e municipais. “O que só fortaleceu
a proteção da nossa diversidade
biológica”, afirma.
Nogueira Neto cita importância
para o Brasil e o mundo
Para o ex-secretário
de Meio Ambiente da Sema, ambientalista, professor
em Ecologia Geral, do Instituto de Biociências
da USP, Paulo Nogueira Neto, as áreas
protegidas são de suma importância
para o país e para o mundo. “E o Brasil
pode chegar ao marco de 100 milhões
de hectares em Unidades de Conservação
federais”, frisou.
“Quando se perde uma área
destas para outros interesses, perde-se para
sempre. Dificilmente tem-se como reconstituir
aquele ecossistema novamente. Daí termos
que lutar pra continuar criando e garantir
a conservação das que existem”,
afirma Nogueira Neto.
Ele foi o primeiro secretário
especial da Secretaria de Meio Ambiente (Sema),
em 1974, vinculado ao Ministério do
Interior, com prerrogativas de ministro. Ao
assumir o cargo recebeu como aporte apenas
três salas e oito funcionários
sob seu comando. Permaneceu por 12 anos, até
1986.
“Os problemas quando assumi
a pasta eram grandes, mas as soluções
eram viáveis. Ia para imprensa, falava
sobre os problemas, como poluição,
por exemplo, e apontava soluções.
Assim as coisas iam mudando”, conta.
Paralelo aos desafios, Nogueira
Neto quis ampliar a agenda da pasta, agindo
não apenas com relação
a problemas ambientais com na conservação/proteção.
Foi quando sugeriu que a gestão dos
parques nacionais saísse do Ministério
da Agricultura e fossem para a Sema.
“Houve reação.
Num primeiro momento a negativa e depois o
entendimento, pois havia uma necessidade grande
de se criarem normas que regulamentassem a
gestão de áreas protegidas”,
relembra o ambientalista.
Segundo Paulo, o Brasil
precisava de um rol maior de categorias de
Unidades de Conservação, que
não fossem apenas parques nacionais.
“Ajudei a criar as categorias Estação
Ecológica e Áreas de Proteção
Ambiental e somente na minha gestão
foram 23 ESECs que juntas somavam 13 milhões
e 200 mil hectares. Essas categorias deram
início a esse sistema, e foram incorporadas
pelo Ministério do Meio Ambiente, criado
depois da Sema”, frisa Nogueira Neto.
Mercadante lembra que obra
foi coletiva
Para o consultor legislativo
da Câmara dos Deputados, Maurício
Mercadante, em artigo assinado sobre a 9.985/00,
o texto de uma lei é uma obra coletiva.
“Não existe, com certeza, nenhum outro
documento que reúna a contribuição
de tanta gente quanto uma lei. Foram inúmeras
as pessoas que contribuíram diretamente
para a redação do texto aprovado
na Câmara”.
Segundo seu artigo, havia
profunda divisão entre os ambientalistas,
aí incluídos cientistas, técnicos
a ativistas, sobre o modelo de área
protegida ou, em um sentido mais amplo, de
conservação da natureza, que
deveria prevalecer na futura lei do SNUC.
De um lado os conservacionistas,
de outro os sócio-ambientalistas. Os
primeiros acreditando que para conservar a
natureza era necessário separar áreas
naturais e mantê-las sem qualquer tipo
de intervenção antrópica
(salvo as de caráter técnico
e científico, no interesse da própria
conservação).
Os socioambientalistas reconheciam
ser possível conciliar a conservação
com as demandas crescentes das comunidades
por recursos naturais, bem como nas possibilidades
de conservação mais efetivas
quando se trabalha com a comunidade local.
Para este segundo grupo
a criação de uma área
protegida deve ser precedida de uma ampla
consulta à sociedade e sua gestão
participativa. Para eles, uma concepção
mais flexível de área protegida
facilita a solução de conflitos,
a negociação de acordos e o
apoio da comunidade local às propostas
de proteção da natureza.
Cronologia da aprovação
da Lei
1989 - O anteprojeto foi
entregue ao Ibama e encaminhado à Casa
Civil da Presidência da República.
A Casa Civil introduziu a primeira grande
modificação na proposta original:
suprimiu os dispositivos que criminalizavam
as agressões às unidades de
conservação, substituindo-os
por sanções administrativas,
sob protestos da comunidade ambientalista.
1992 - O anteprojeto chegou
à Câmara dos Deputados, recebeu
o nº 2.892 e foi encaminhado à
Comissão de Defesa do Consumidor, Meio
Ambiente e Minorias – CDCMAM, única
Comissão designada para se pronunciar
sobre o mérito do projeto, com poderes
conclusivos.
Relator - Deputado Fábio Feldmann
Assessor – Maurício Mercadante
1994 - Ministério
do Meio Ambiente organizou um importante workshop
sobre unidades de conservação,
onde um primeiro substitutivo ao projeto de
lei foi amplamente debatido.
Final de 1994 - O deputado
Feldmann entregou à CDCMAM, um substitutivo
preliminar.
1995 - Novo relator: o deputado
Fernando Gabeira.
CDCMAM, sob a presidência
do deputado Sarney Filho: seis audiências
públicas fora do Congresso, para promover
um amplo debate sobre o projeto de lei do
SNUC.
Cidades: Cuiabá,
Macapá, Curitiba, São Paulo,
Rio de Janeiro e Salvador.
1996 – Realizados três
eventos: um workshop organizado pelo Instituto
Sócio-Ambiental – ISA para analisar
experiências concretas de conservação
envolvendo populações tradicionais
ou rurais, e dois seminários na Câmara
dos Deputados, o primeiro, bastante polêmico,
sobre a presença humana em unidades
de conservação e o segundo dedicado
às Reservas Particulares do Patrimônio
Natural - RPPN.
Final de 1996 – O relator
ofereceu o seu substitutivo para ser votado
pela Comissão. Votação
do projeto não ocorreu.
Começo de 1998 -
o relator deputado Gabeira solicitou e foi
aprovado o regime de urgência para o
projeto, mas a falta de uma decisão
política impediu que ele entrasse na
ordem do dia do Plenário.
Primeiro semestre 1998 -
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos
Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Sustentável, entidades ambientalistas
"conservacionistas" e "sócio-ambientalistas"
se reuniram para tentar encontrar uma proposta
de consenso para o SNUC.
Início de 1999 -
Fundo Mundial para a Natureza – WWF, o ISA
e o Instituto de Estudos Sócio Econômicos
– INESC, deram início a uma campanha
e mobilização em favor da aprovação
do projeto.
Junho de 1999 - Governo
apresentou sua proposta, com o apoio da Casa
Civil. As modificações sugeridas
foram, no essencial, aceitas pelo relator.
9 de junho de 1999 - O projeto
foi finalmente a votação e aprovado
na CDCMAM no dia 9 de junho, com algumas modificações
pouco importantes em função
de emendas apresentadas por deputados da Comissão.
10 de junho - Votado e aprovado
no plenário da Câmara dos Deputados,
com uma modificação importante:
uma área protegida agora só
pode ser criada mediante lei.
18 de julho de 2000 - Votado
e aprovado no plenário do Senado Federal.
Fases do projeto:
O primeiro texto é
o projeto original do Poder Executivo.
O segundo é o substitutivo
do deputado Fernando Gabeira antes das modificações
propostas pelas entidades ambientalistas em
1998.
E o terceiro é o
texto aprovado no Plenário da Câmara
dos Deputados.
Mudanças no texto:
art. 2º, inciso XV
(população tradicional foi definida
de forma mais rigorosa do que no texto final);
art 5º (introduziu
princípios ausentes no projeto original);
art. 9º (a categoria
Reserva Biológica, conceitualmente
idêntica à Estação
Ecológica, foi reintroduzida no texto
final);
art. 14 (a RPPN foi elevada
à condição de categoria
de unidade de conservação do
Sistema, em relação ao texto
original; as categorias Reserva Produtora
de Água e Reserva Ecológica
Integradas foram suprimidas no texto final;
a Reserva Ecológico-Cultural foi renomeada
como Reserva de Desenvolvimento Sustentável;);
art. 17 (a presença
de população tradicional, admitida
no substitutivo, passa a depender de autorização
do órgão competente no texto
final);
art. 24 (introduziu a consulta
pública prévia como condição
para a criação de unidades de
conservação; no texto final,
esta consulta deixa de ser obrigatória
no caso da criação de Estação
Ecológica e Reserva Biológica;
a já referida emenda apresentada no
Plenário da Câmara conferiu ao
Congresso a competência exclusiva para
aprovar a criação de uma unidade
de conservação);
art. 25 (introduzia a figura
da interdição administrativa
provisória; foi suprimido no texto
final); art. 26 (as Florestas Nacionais foram
excluídas do texto; o termo "contrato
de concessão de direito real de uso"
foi transformado em "contrato" apenas);
arts. 32, 35 e 38 (introduzidos
pelo substitutivo);
art. 40 (as agressões
às unidades de conservação
foram criminalizadas);
art. 44 (o Poder Público,
que antes se obrigava a relocar as populações
residentes nas unidades de conservação
agora obriga-se apenas a apoiar a relocação;
o contrato de que trata o § 3º foi
substituído, no texto final, por autorização
do órgão competente);
art. 47 (foi suprimido);
art. 48, 49, 50 e 51 (introduzidos
pelo substitutivo)
art. 58 (foi suprimido).
Fonte: Artigo Breve
histórico da origem e tramitação
do Projeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação – SNUC, de autoria
de Maurício Mercadante.