13 Novembro 2012 | * WWF-Brasil
com informações da Agência
Brasil e do Valor Econômico
São Paulo (SP) - Relatório divulgado
ontem (12) na Fundação Getúlio
Vargas (SP) por pesquisadores de instituições
públicas e privadas e de organizações
não-governamentais
destaca equívocos da política
energética brasileira, financiada principalmente
com dinheiro dos contribuintes, e aponta alternativas
para geração, transmissão,
distribuição e uso eficiente
da eletricidade, com sustentabilidade ambiental
e justiça social.
O relatório (atalho
para download ao lado) revela que o Brasil
joga fora 20% da energia na transmissão
das usinas aos centros de consumo – um dos
índices mais elevados do mundo. As
perdas no sistema de transmissão de
energia elétrica não chegam
a 6% no Chile e, na Europa, estão em
7%.
O cálculo é
resultado de uma auditoria do Tribunal de
Contas da União (TCU). Para os autores
do estudo, a estratégia governista
de investir em hidrelétricas distantes
das grandes cidades pode agravar a situação,
pelo custo da transmissão em longas
distâncias. O TCU também estimou
que o impacto das perdas sobre a tarifa média
chega a 5%. Ao contabilizar a energia não
faturada e o imposto que deixa de ser recolhido,
os cofres públicos perderam cerca de
R$ 10 bilhões, somente em 2007.
"Os leilões
atuais não levam em conta a localização
dos projetos. Dessa forma, não distinguem
o custo adicional da transmissão em
grande distâncias de alternativas mais
próximas do consumo, como térmicas
com queima de bagaço", ressaltou
Pedro Bara Neto, líder da estratégia
de Infraestrutura da Iniciativa Amazônia
Viva, da Rede WWF.
O documento também
mostra que 8% da eletricidade gerada no país
é exportada via produção
de minério de ferro, produtos siderúrgicos
e no papel e celulose exportados com baixo
valor agregado, pouca geração
de empregos, elevado custo socioambiental
e aumento da conta mensal dos brasileiros.
Enquanto isso, o governo
mantém planos para acelerar a construção
de hidrelétricas na Amazônia
e outras regiões, com pesados impactos
para o meio ambiente e populações,
como emissões de gases de efeito estufa,
perdas de biodiversidade e comprometimento
dos meios de vida e direitos de populações
locais. Tais conseqüências são
muitas vezes desconsideradas em estudos elaborados
pelo setor elétrico do governo e empreendedores
privados.
No caso dos complexos hidrelétricos
de Belo Monte e do Tapajós, cenários
de risco apresentados no estudo demonstram
a inviabilidade dos empreendimentos quando
se jogam na balança algumas variáveis
como tempo de construção, custos,
emissões de carbono e preço
de mercado dos créditos de carbono.
Quanto ao financiamento
de grandes hidrelétricas, o relatório
deixa claro que as decisões das instituições
financeiras são orientadas pela obtenção
de licenças ambientais, dotadas de
vícios jurídicos e violando
acordos voluntários, como os Princípios
do Equador e o Protocolo Verde.
Alternativas ignoradas -
O gigantesco potencial de energia solar e
eólica é menosprezado nas políticas
públicas do setor energético,
diz o relatório. Com base em tecnologias
já disponíveis para o aproveitamento
de energia solar captada em menos de 5% da
área urbanizada do Brasil, seria possível
atender 10% da demanda nacional de energia
elétrica. No caso da energia eólica,
o potencial inexplorado é de 300 GW,
quase três vezes o total da capacidade
instalada no país.
Na análise do potencial
da bioeletricidade na matriz elétrica,
os autores observam que o aproveitamento da
biomassa da cana-de-açúcar para
cogeração de energia elétrica
representa para o país uma importante
fonte alternativa aos derivados de petróleo
e outros combustíveis fósseis.
O potencial de geração desta
fonte poderia alcançar 14.000 MW médios
em 2021, o que corresponde à produção
de três usinas de Belo Monte.
"A biomassa é
complementar à hidroeletricidade",
destacou Bara Neto, da Rede WWF.
Outro alerta envolve o desequilíbrio
nos investimentos públicos, o que contribui
para a falta de competitividade da produção
industrial brasileira. De acordo com o documento,
até 2020 o setor de petróleo
e gás receberá R$ 590 bilhões
e a construção de novas hidroelétricas
R$ 190 bilhões em investimentos do
governo federal, enquanto a eficiência
energética sequer tem um valor definido
nos planos oficiais.
Revisão urgente -
Por tudo isso, os autores da publicação
chamam atenção para a necessidade
de uma revisão urgente das diretrizes
adotadas pelo governo ao definir cenários
futuros de demanda energética, que
não sejam exclusivamente a partir de
projeções de crescimento econômico
medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), desconsiderando
questões essenciais como a eficiência
energética e o destino da energia.
Os especialistas ainda apontam
que é necessário priorizar o
aumento da eficiência energética
e reduzir desperdícios. Lembram que
a eficiência econômica do setor
elétrico é elemento essencial
da inovação tecnológica
e da competitividade industrial, mas faltam
incentivos para isso.
Entre os autores de O Setor
Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade
no Século 21 - Oportunidades e Desafios,
estão WWF–Brasil, Instituto Socioambiental,
Greenpeace, Amigos da Terra – Amazônia
Brasileira, International Rivers – Brasil
e Amazon Watch, bem como os pesquisadores
Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica
e Energia da USP, Philip Fearnside, do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
e Wilson Cabral de Sousa Júnior, do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA).
+ Mais
O potencial da bioeletricidade
na matriz elétrica brasileira
22 Novembro 2012 | O artigo
abaixo é parte da segunda edição
do relatório O Setor Elétrico
Brasileiro e a Sustentabilidade no Século
21 - Oportunidades e Desafios, cujo conteúdo
completo pode ser baixado no atalho ao lado.
Entre os autores do documento,
também figuram Instituto Socioambiental,
Greenpeace, Amigos da Terra – Amazônia
Brasileira, International Rivers – Brasil
e Amazon Watch, bem como os pesquisadores
Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica
e Energia da USP, Philip Fearnside, do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
e Wilson Cabral de Sousa Júnior, do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA).
Ligia Pitta Ribeiro, Cássio Franco
Moreira e Pedro Bara Neto *
No contexto mundial, o setor
de produção de energia é
um dos que mais contribuem para a emissão
atmosférica de gases de efeito estufa
(GEE) e, consequentemente, pelas mudanças
climáticas. No entanto, o Brasil apresenta
uma situação bastante distinta
da média mundial por apresentar uma
matriz energética de origem predominantemente
renovável devido à participação
das hidrelétricas, dos biocombustíveis
e pelo grande potencial das energias renováveis
alternativas, a exemplo da eólica,
solar e biomassa.
No entanto, a hidreletricidade,
que responde por cerca de 70% da nossa matriz
elétrica, apesar de renovável,
provoca grandes impactos em regiões
geralmente sensíveis sob o ponto de
vista ecológico e social (vide capítulos
3.1, 3.2 e 3.3 do relatório).
O Plano Decenal de Expansão
de Energia 2021 prevê um aumento da
capacidade de geração hidráulica
de 84 GW para 117 GW em 2021, e na região
Norte, principalmente na Amazônia, é
onde está prevista a maior expansão
hidrelétrica devido à entrada
em operação de grandes empreendimentos.
O planejamento da expansão
da nossa matriz energética deve estabelecer
um equilíbrio entre aspectos técnicos,
econômicos, sociais e ambientais. E
a sustentabilidade socioambiental precisa
ser fator central nos processos de tomada
de decisão. É fundamental investir
em medidas de eficiência e racionalização
que reduzam a necessidade da instalação
de novas fontes de geração e
diversificar a matriz energética brasileira
complementando a hidreletricidade com outras
fontes de energia limpa e renovável
ainda pouco exploradas diante do grande potencial
existente.
O aproveitamento da biomassa
da cana-de-açúcar para cogeração
de energia elétrica fornece ao país
uma fonte energética complementar às
hidrelétricas e alternativa aos derivados
de petróleo e outros combustíveis
fósseis. Essa fonte tem seu maior potencial
concentrado entre os meses de abril a novembro,
exatamente o período quando o nível
dos reservatórios das hidrelétricas
diminui e são acionadas termoelétricas
de alto custo econômico e ambiental
que utilizam como matéria prima combustíveis
fósseis, poluentes e formadores de
GEE, como gás natural e carvão
mineral (Embrapa, 2009).
De acordo com a União
da Indústria de Cana-de-açúcar
(Unica), o potencial de geração
desta fonte poderia alcançar 14.000
MW médios em 2021, quase três
vezes a produção da usina Belo
Monte prevista para gerar 4.571 MW médios.
O Brasil possui maturidade na produção
sucroalcooleira, e esta concentra-se nas regiões
Sudeste e Centro-Oeste, próxima aos
principais centros consumidores de energia.
Assim, reduz-se a necessidade de expansão
de novas linhas de transmissão, por
meio da geração distribuída,
trazendo economia para o país.
Da capacidade instalada
de bioeletricidade atualmente de 7.727 MW,
que representa 5,8% da matriz elétrica
do país, o setor está gerando
para o Setor Interligado Nacional (SIN) apenas
1.133 MW médios. Isso equivale ao atendimento
anual de 5 milhões de consumidores
residenciais, o que representa 2% do consumo
nacional, um número ainda tímido
diante de seu potencial. Das 432 usinas de
processamento de cana em atividade no Brasil,
129 exportam seu excedente de bioeletricidade,
sendo 70 no estado de São Paulo (Unica,
2012).
O ciclo de produção
de cana-de-açúcar para produção
de etanol, açúcar e bioletricidade,
se bem conduzido e atento às conformidades
ambientais e sociais, pode ser considerado
um ciclo de produção eficiente
e sustentável com emissões praticamente
neutras. As discussões sobre a sustentabilidade
da produção de etanol no cenário
internacional têm levado à criação
de uma série de mecanismos de monitoramento
e de certificação em diversos
países, inclusive no Brasil, que buscam
garantir que as principais questões
socioambientais sejam contempladas pelo setor
sucroenergético.
A maioria das usinas sucroalcooleiras
é autossuficiente na produção
e consumo de energia. Isso porque investem
necessariamente em cogeração
para suprir suas próprias necessidades.
A comercialização de energia
elétrica para o sistema depende de
investimentos adicionais em equipamentos eficientes,
capazes de gerar um excedente exportável
para a rede. Esta geração pode
aumentar com a utilização da
palha de cana-de-açúcar, do
biogás proveniente do vinhoto e de
tecnologias mais eficientes nos processos
industriais. Mas para isso é necessário
investimento na modernização
dos equipamentos das usinas já existentes
(retrofit) e de incentivos para que as novas
sejam construídas já em condições
de gerar energia elétrica excedente
para o sistema (CASTRO, BRANDÃO e DANTAS,
2009).
A cogeração
de energia pode ser maximizada a partir da
queima da palha de cana de açúcar,
que possui um poder calorífico superior
ao do bagaço. A disponibilidade de
palha aumenta à medida que se reduz
a prática de queimada para a colheita,
a qual é a maior contribuinte para
o aquecimento global do setor. O Decreto Federal
nº 2.661 de 1998 estabelece a eliminação
gradual da queima da cana-de açúcar
e alguns estados produtores estabeleceram
normas específicas para tratar a eliminação
da queimada. O estado de São Paulo,
maior produtor de cana-de-açúcar,
tem o menor prazo para a eliminação
total da queima. Em junho de 2007 foi assinado
o Protocolo Agroambiental, que busca antecipar
a eliminação da queima para
2014 em terrenos com declividade até
12% e para 2017 em terrenos com declividade
acima de 12%. A fim de propiciar a conservação
e a fertilidade do solo, é importante
que parte da palha permaneça na superfície
do solo. Assim, avaliar a quantidade máxima
de palha que pode ser utilizada nos processos
de cogeração sem comprometer
a sustentabilidade dos cultivos é de
suma importância.
Além dos investimentos
tecnológicos, o aumento da produção
da bioenergia está atrelado ao aumento
na produção de etanol e açúcar.
A expansão dos canaviais deve seguir
a legislação ambiental vigente
e o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar,
que visa à expansão sustentável
do cultivo no território brasileiro
sem avançar sobre a Amazônia
e o Pantanal nem sobre qualquer cobertura
nativa e em terras que produzam alimentos.
As projeções oficiais para o
setor indicam que as usinas de biomassa terão
uma participação de 7% na matriz
elétrica brasileira em 2021, mas segundo
dados da Unica esse potencial poderia chegar
a 15% do consumo nacional de eletricidade.
Considerada uma fonte não
intermitente, complementar à hidreletricidade
e próxima dos grandes centros de carga,
a bioeletricidade tem vantagens que não
estão sendo contempladas pelos instrumentos
que norteiam os planos de expansão
do setor elétrico brasileiro.
Reconhecer essas vantagens
e garantir que haja políticas públicas
e setoriais de longo prazo para o setor sucroenergético,
estabelecendo mecanismos e incentivos fiscais
e de crédito, além de metas
mais ambiciosas para a promoção
e aumento da participação da
bioeletricidade é, portanto, de interesse
para a segurança energética,
economia e sustentabilidade da matriz elétrica
do país.