01 Julho 2013
por Aldem Bourscheit
Brasília (DF) - A falta de sintonia
política entre Brasil e França
está ampliando impactos socioambientais
na fronteira entre os dois países.
Há um ano, militares franceses foram
mortos a tiros por uma quadrilha envolvida
no garimpo ilegal de
ouro. É o que denuncia carta assinada
por parlamentares e organizações
não governamentais européias,
publicada na última semana no jornal
Le Monde e em agências francesas de
notícias. Confira a íntegra
no atalho ao lado.
Os militares mortos em 26
de junho de 2012, um cabo de 32 anos e um
ajudante de 29 anos, integravam a operação
Harpia contra o garimpo clandestino regional.
Dois outros policiais, também franceses,
ficaram feridos.
Em abril daquele ano, cerca
de 100 garimpeiros brasileiros foram presos
na Guiana Francesa. Em 2010, outros 1.500
estrangeiros em situação irregular
haviam sido presos. A corrida do ouro ganhou
força com a alta do preço do
minério no mercado internacional após
a crise financeira de 2008 e aumento da demanda
por joias em países emergentes como
a Índia.
Em 24 de junho passado,
um barqueiro brasileiro foi morto por um policial
francês, no território da Guiana.
Ele estaria transportando produtos clandestinos
para um garimpo.
Além das situações
de violência, muito mercúrio
flui do garimpo ilegal de ouro. A substância
extremamente tóxica à saúde
é usada para apartar o ouro de outros
materiais, mas acaba se disseminando no ambiente,
na carne de peixes e de outros elos das cadeias
alimentares.
Para produzir um quilo de
ouro, os garimpeiros clandestinos chegam a
usar um quilo de mercúrio. A Rede WWF
estima que 30 toneladas de mercúrio
sejam descartadas no ambiente natural das
Guianas a cada ano, inclusive dentro de áreas
protegidas e terras indígenas.
Na região alta do
Rio Maroni, um terço dos habitantes
de comunidades locais sofre com a contaminação
por mercúrio, apresentando níveis
de contaminação acima dos limites
estipulados pela Organização
Mundial da Saúde. Até 15 milhões
de pessoas estariam contaminadas pelo metal
na América do Sul, África e
Ásia.
Omissão – Um acordo
bilateral específico entre França
e Brasil dedicado a ampliar os esforços
conjuntos contra a exploração
ilegal de ouro foi assinado em 2008 pelos
então presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, no lançamento
da obra de uma ponte unindo os dois países
sobre o Rio Oiapoque, até hoje não
foi ratificado pelo Congresso Brasileiro.
“Um ano depois da declaração
da ‘guerra do ouro’, os signatários
desta carta aberta lamentam amargamente a
ausência total de avanços para
solução desta situação,
apesar de perfeitamente conhecida. Frente
a tal escândalo socioambiental, a prevista
inauguração da ponte sobre o
Rio Oiapoque, que deveria reunir fraternalmente
as suas margens franceses e brasileiros, poderá
reacender tensões já bastante
fortes. E faltando um ano para a abertura
da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, é
a imagem deste país que se desgasta
na cena européia”, alerta a carta.
Oportunidades – Ao invés
de ampliar conflitos, a ponte sobre o Rio
Oiapoque pode ser uma catalisadora de oportunidades
comerciais e turísticas para Brasil
e França. Afinal, os países
abrigam o maior bloco de florestas tropicais
preservadas do planeta, os parques nacionais
Montanhas do Tumucumaque e Amazônico
da Guiana, enquanto a inauguração
próxima da nova ponte sobre o rio Oyapoque
pode dinamizar muito o comércio legal
e o transito de turistas entre os dois países.
Algo semelhante ao que ocorre em Foz do Iguaçu,
região abrangida pelos parques nacionais
das Cataratas do Iguaçu (Brasil) e
Iguazú (Argentina).
A Convenção
de Minamata, assinada em fevereiro pelo Brasil
e outros 140 países, também
precisa ser ratificada pelo Congresso Nacional,
juntamente com um plano para banir o uso de
mercúrio de processos industriais e
da fabricação de diversos produtos
até 2020. Soluções técnicas
existem, inclusive para proteger populações
diretamente expostas, como os garimpeiros.
“Sem dúvida o garimpo
ilegal deve ser combatido, especialmente em
áreas de conservação
e terras indígenas. Afinal, não
adianta conter o desmatamento enquanto solos,
água e populações são
envenenadas. O WWF-Brasil é um apoiador
das soluções pacíficas,
sérias e conjuntas para esses conflitos
transfronteiriços, sempre visando o
desenvolvimento sustentável de uma
região extremamente importante para
os esforços globais de conservação
da biodiversidade e dos serviços ambientais”,
disse o superintendente de Políticas
Públicas do WWF-Brasil, Jean Timmers.
“Nesse sentido, não
podemos aceitar os ataques orquestrados sobre
unidades de conservação como
o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
e Floresta Estadual do Amapá. Rebaixar
seu nível de proteção
ou simplesmente desconstituí-los seria
eliminar um enorme potencial para o desenvolvimento
sustentável da região, atingiria
a imagem do país no mundo todo e portanto
é um disparate político completamente
fora de sintonia com os esforços binacionais
para preservação da Amazônia”,
completou.